Ser um gamer em 2022 significa desfrutar de títulos magníficos, com gráficos (de personagens e ambientes) ultrarrealistas, recursos de ponta e uma infinidade de ferramentas de desenvolvimento para jogos. Mas se isso hoje é realidade, há um grande responsável por trás: a Unreal Engine.

Assim como Unity, Construct ou GameMaker, a Unreal Engine (UE) é um motor de jogo — também conhecido como “game engine”, em inglês, ou simplesmente “motor gráfico” — usado para o desenvolvimento de games.

O que é um motor de jogos?

Mas antes de saber da história dessa tal UE, é preciso compreender o que é um motor de jogos. Uma game engine é basicamente uma ferramenta utilizada por game devs (não diga), que dispõe de uma vasta biblioteca capaz de juntar e construir elementos de um jogo em tempo real.

Neste “pacotão” estão incluídos motores gráficos para renderizar gráficos em 2D ou 3D, mecanismos de física para simular atividades do mundo real — como colisões, por exemplo —, além de suportes para sons, inteligência artificial (IA) e programação. Tudo isso por meio de uma variedade de linguagens de programação.

A ideia aqui é simples: no passado, cada jogo era desenvolvido de forma única e exclusiva e pouco era aproveitado de um game para outro. As game engines criaram uma espécie de padrão para facilitar a vida dos devs e evitar que um novo título seja desenvolvido literalmente “do zero”.

Exemplo de projeto na Unreal Engine

Essas ferramentas eram focadas exclusivamente para jogos, mas seus desenvolvimentos permitiram usos também para modelagens e até obras cinematográficas. E neste segmento o destaque vai para a Unreal Engine, que hoje é um dos motores de jogos mais populares e potentes do mercado.

A trajetória da Unreal Engine

O começo de tudo

Novamente, a UE nada mais é do que o motor de jogos da Epic. Mas o que muitos não sabem é que a Unreal Engine, na verdade, surgiu como um jogo. Em 1998, a Epic Games lançou o game Unreal: um jogo de FPS (tiro em primeira pessoa) que chegou para bater de frente com Quake II, da id Software.

O título foi (e ainda é) considerado um dos jogos mais bonitos do gênero na época, trazendo áreas externas e internas altamente detalhadas que se destacavam. Tudo isso em linguagem C++. Entre a comunidade, o veredito é quase unânime: Unreal tinha sim um game design superior ao de Quake II.

Quake II (1997)

Quake II, lançado pela id Software em 1997 – Imagem: Reprodução

Unreal, jogo feito na primeira Unreal Engine

Unreal, lançado pela Epic Games em 1998 – Imagem: Reprodução

O sucesso foi inevitável e atraiu olhares de outras desenvolvedoras, que queriam usar o mesmo motor gráfico usado em Unreal. E isso foi possível com a abertura de licenças feita pela Epic a parceiros, possibilitando que a tecnologia fosse “emprestada” para outras empresas.

“Depois que começamos a mostrar uma versão inicial do Unreal, nossos dois primeiros licenciados — Legend Entertainment e Microprose — nos ligaram e nos perguntaram sobre a possibilidade de usar nosso motor em seus jogos. Ficamos entusiasmados com a oportunidade e nossa colaboração inicial com esses parceiros definiu o estilo de nosso negócio de motores que permanece até hoje: uma abordagem orientada para a comunidade e comunicação aberta e direta entre os licenciados e nossa equipe de motores”, destacou Tim Sweeney, cofundador e CEO da Epic Games, em entrevista antiga ao IGN.

Exemplos de jogos na UE1: Unreal Tournament, Deus Ex, Star Trek: Deep Space Nine: The Fallen e Harry Potter and the Philosopher’s Stone.

Versão 2.0

Com o sucesso da UE1, a Epic decidiu otimizar seu motor de jogos e fazer com que ele ganhasse suporte para PlayStation 2, Xbox e GameCube. Isso se tornou realidade em 2002, quando a versão 2.0 da Unreal Engine estreou no mercado alimentando o game America’s Army.

As melhorias foram focadas em adicionar mais variedade e profundidade às ferramentas disponíveis. O sistema de física Karma, por exemplo, foi reescrito para ainda mais eficiência, enquanto um novo sistema de partículas foi adicionado e o Unreal Editor ganhou uma atualização para usabilidade e desempenho.

Outro ponto interessante é que o potencial da segunda geração da Unreal Engine desvinculou o motor gráfico do gênero FPS. Desenvolver um jogo na UE não significava mais criar um jogo necessariamente similar ao Unreal, Quake II e companhia, e a tecnologia abriu espaço para outros tipos de experiência.

Exemplos de jogos na UE2: Lemony Snicket’s A Series of Unfortunate Events, Magic: The Gathering – Battlegrounds e Spider-Man 2.

Jogos em HD e UDK “na faixa”

Mas se existe uma fase importante nessa trajetória da Unreal Engine, foi a fase da UE3. A 3ª geração do motor gráfico foi lançada em 2006 com o game Gears of War, demonstrando o potencial da tecnologia que passou a suportar projetos para consoles em HD — PlayStation 3, Xbox 360 e Nintendo Wii.

Assim como o esperado, a atualização trouxe uma série de otimizações (como sombras dinâmicas e normal mapping) e updates de ferramentas. Mas um dos maiores destaques foram os recursos anunciados para a tecnologia que diminuíram os impasses de produção entre as desenvolvedoras de jogos.

Na prática, as facilidades das ferramentas permitiram que o desenvolvimento de um título não ficasse mais tão dependente de um time de programadores. Com a transição, operações foram transferidas para outros profissionais (como artistas e designers), o que otimizou um elemento precioso para as devs: tempo.

Comparação Unreal Engine

Imagem: Reprodução/thelastsandwich

Claro que o percurso não foi nada fácil. De início, diversos estúdios ficaram perdidos em meio a tantas ferramentas e com tantas atualizações. A capacidade tecnológica da Unreal Engine permitiu gráficos impressionantes? Sim. Mas de uma forma bem mais complicada e cara que antes.

Mas foi neste mesmo período em que a Epic “virou o jogo”. Anos após as devs terem se acostumado com o motor, a empresa anunciou, em 2009, uma versão gratuita do Unreal Development Kit (UDK) baseado na UE3. Em suma, uma versão básica e gratuita do motor de jogos.

Kit Free da Unreal Engine 3

Imagem: Reprodução/Jonathan Villaverde

Com isso, desenvolvedores pequenos e independentes puderam baixar a versão básica da ferramenta sem custos para criar jogos “do zero” e por conta própria. Claro que, por ser gratuito, o software não permitia lançamentos de produtos para fins comerciais. Mas foi uma ótima maneira de democratizar e fomentar o segmento de desenvolvimento de jogos.

Exemplos de jogos na UE3: Mass Effect, Infinity Blade, Borderlands, Batman: Arkham Asylum e Bioshock.

Quarta geração

A penúltima geração da Unreal Engine foi um projeto de longa data — não à toa, estava em desenvolvimento desde 2003. Mas a espera valeu a pena. Sem contar o suporte a plataformas como PS4, Xbox One e Wii U, o motor também passou a ganhar relevância em projetos de arquitetura, filmes e realidade virtual.

Todas as otimizações (entre elas, melhorias gráficas, adição de iluminação global em tempo real e redução de tempo de iteração para devs) foram apresentadas na Game Developers Conference de 2012 como algo que “viria a chocar o público” posteriormente. E chocou.

A prova foi o produto final de Daylight, o primeiro título a usar a engine lançado em 2014. Os gráficos, a fluidez e recursos de iluminação chamavam a atenção, e, nos bastidores, os devs revelaram que usar a UE4 tornou todo o processo de desenvolvimento muito mais rápido e prático.

No mesmo ano, a Epic lançou o marketplace da Unreal Engine, que permitia aos assinantes comercializar uma variedade de pacotes e projetos na ferramenta. Já em 2015, a companhia liberou o UE4 gratuitamente para o mundo — mas com uma taxa em cima das produções finais.

“Você pode baixar o mecanismo e usá-lo para tudo, desde desenvolvimento de jogos, educação, arquitetura e visualização até VR, filme e animação. Ao enviar um jogo ou aplicativo, você paga royalties de 5% sobre a receita bruta após os primeiros US$ 3.000 por produto, por trimestre. É um arranjo simples em que temos sucesso apenas quando você tem sucesso” disse a companhia em seu site.

O resultado de uma game engine potente, que facilitava a vida dos devs e que poderia ser usada “na faixa” por desenvolvedoras independentes ou grandes estúdios? Sucesso, é claro.

Exemplos de jogos na UE4: Fortnite, Hellblade: Senua’s Sacrifice, Shenmue 3 e Star Wars Jedi: Fallen Order.

Em busca do fotorrealismo

E para finalizar a atual linha do tempo da Unreal Engine, é preciso falar da UE5. A engine estava disponível em acesso antecipado desde o ano passado, mas sua primeira versão pública foi lançada somente em abril deste ano. O foco? Conteúdos e experiências 3D em tempo real de última geração com maior liberdade, fidelidade e flexibilidade do que nunca.

A nova geração do motor de jogos traz uma série de melhorias, mas o destaque fica “na conta” dos recursos Lumen e Nanite. O primeiro, segundo a Epic, é uma “solução de iluminação global totalmente dinâmica que permite criar cenas realistas em que a iluminação indireta se adapta rapidamente às mudanças na iluminação direta ou na geometria”.

Já o Nanite é um novo sistema de micropolígonos virtualizado do UE5 que oferece a capacidade de criar jogos e experiências com grandes quantidades de detalhes geométricos. Isso possibilita cenários extremamente realistas, ricos em detalhes e que se mantêm com uma taxa de quadros sem perder fidelidade.

Dentre as diversas novidades, vale destacar também o recurso que divide áreas automaticamente e permite que várias pessoas trabalhem na mesma região ao mesmo tempo. Isso não só otimiza o tempo dos desenvolvedores, como também fomenta os títulos de mundo aberto, como o recente sucesso Elden Ring.

Vale lembrar que ainda deve levar algum tempo até que vários estúdios se adequem às novidades, tendo em vista que a versão pública da UE5 acabou de ser lançada. A boa notícia é que, além do Fortnite (que migrou para a engine), a experiência The Matrix Awakens pode dar uma palhinha sobre o potencial da nova geração da Unreal Engine.

Jogos já confirmados na UE5: Black Myth: Wukong, Senua’s Saga: Hellblade 2, ILL, além dos próximos títulos de The Witcher e Tomb Raider.

Como explicar o sucesso da Unreal Engine?

A pergunta de milhões, na verdade, pode ser mais simples do que se parece. É claro que a Unreal Engine não foi o primeiro motor de jogos, mas foi uma das pioneiras do setor. Isso, por si só, já seria um grande fator para demonstrar sua relevância para a indústria de jogos.

Mas há mais por trás disso. Assim como o motor de busca Google, a UE da Epic Games é constantemente atualizada. Se por um lado isso significa um novo desafio para devs a cada geração, por outro, fomenta o desenvolvimento do segmento e mostra que a ferramenta busca cada vez mais se adaptar às novas tecnologias que surgem no mercado.

Além disso, existe o ótimo modelo de negócios encontrado pela Epic Games. A companhia parece ter acertado em construir uma estratégia que visa o lucro por meio dos royalties, ao mesmo tempo em que “democratiza” o desenvolvimento de jogos com suas versões gratuitas do motor.

E as parcerias fazem a diferença. Ao estabelecer relações com desenvolvedoras ou empresas como Nvidia e AMD, a Epic garante que terá apoio para otimizar sua engine com as melhores tecnologias do mercado. A consequência é um produto preterido por grandes ou pequenos estúdios, com lucros em ambos os casos.

Unreal Engine 5

Imagem: Divulgação/Epic Games

É verdade que a Unity, principal rival da Unreal Engine, também continua a mostrar que pode bater de frente com o maior motor de jogos do mercado. Isso significa que a liderança da UE está ameaçada? Não necessariamente. Mas a concorrência acelera ainda mais os avanços do setor.

E no final das contas, quem ganha com isso tudo são os gamers.

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Matheus
26 de abril de 2022 17:28

Muito top a matéria, estão de parabéns!

CRHISTIAN
13 de julho de 2022 08:35

Preterido?

Cesar Schaeffer
13 de julho de 2022 09:42

Bom dia, Crhistian, tudo bem? Não entendi sua dúvida. Mas me adianto para dizer que preterido é sinônimo de desprezado ou rejeitado. Obrigado pelo comentário. Abraço.