[ESPECIAL] Unreal Engine: como a ferramenta da Epic tornou-se o maior motor de jogos do mundo
Relembre a trajetória da Unreal Engine e saiba como um mero jogo de FPS dos anos 90 virou referência para a indústria de jogosBy - Igor Shimabukuro, 26 abril 2022 às 12:20
Ser um gamer em 2022 significa desfrutar de títulos magníficos, com gráficos (de personagens e ambientes) ultrarrealistas, recursos de ponta e uma infinidade de ferramentas de desenvolvimento para jogos. Mas se isso hoje é realidade, há um grande responsável por trás: a Unreal Engine.
Assim como Unity, Construct ou GameMaker, a Unreal Engine (UE) é um motor de jogo — também conhecido como “game engine”, em inglês, ou simplesmente “motor gráfico” — usado para o desenvolvimento de games.
O que é um motor de jogos?
Mas antes de saber da história dessa tal UE, é preciso compreender o que é um motor de jogos. Uma game engine é basicamente uma ferramenta utilizada por game devs (não diga), que dispõe de uma vasta biblioteca capaz de juntar e construir elementos de um jogo em tempo real.
Neste “pacotão” estão incluídos motores gráficos para renderizar gráficos em 2D ou 3D, mecanismos de física para simular atividades do mundo real — como colisões, por exemplo —, além de suportes para sons, inteligência artificial (IA) e programação. Tudo isso por meio de uma variedade de linguagens de programação.
A ideia aqui é simples: no passado, cada jogo era desenvolvido de forma única e exclusiva e pouco era aproveitado de um game para outro. As game engines criaram uma espécie de padrão para facilitar a vida dos devs e evitar que um novo título seja desenvolvido literalmente “do zero”.
Essas ferramentas eram focadas exclusivamente para jogos, mas seus desenvolvimentos permitiram usos também para modelagens e até obras cinematográficas. E neste segmento o destaque vai para a Unreal Engine, que hoje é um dos motores de jogos mais populares e potentes do mercado.
A trajetória da Unreal Engine
O começo de tudo
Novamente, a UE nada mais é do que o motor de jogos da Epic. Mas o que muitos não sabem é que a Unreal Engine, na verdade, surgiu como um jogo. Em 1998, a Epic Games lançou o game Unreal: um jogo de FPS (tiro em primeira pessoa) que chegou para bater de frente com Quake II, da id Software.
O título foi (e ainda é) considerado um dos jogos mais bonitos do gênero na época, trazendo áreas externas e internas altamente detalhadas que se destacavam. Tudo isso em linguagem C++. Entre a comunidade, o veredito é quase unânime: Unreal tinha sim um game design superior ao de Quake II.
O sucesso foi inevitável e atraiu olhares de outras desenvolvedoras, que queriam usar o mesmo motor gráfico usado em Unreal. E isso foi possível com a abertura de licenças feita pela Epic a parceiros, possibilitando que a tecnologia fosse “emprestada” para outras empresas.
“Depois que começamos a mostrar uma versão inicial do Unreal, nossos dois primeiros licenciados — Legend Entertainment e Microprose — nos ligaram e nos perguntaram sobre a possibilidade de usar nosso motor em seus jogos. Ficamos entusiasmados com a oportunidade e nossa colaboração inicial com esses parceiros definiu o estilo de nosso negócio de motores que permanece até hoje: uma abordagem orientada para a comunidade e comunicação aberta e direta entre os licenciados e nossa equipe de motores”, destacou Tim Sweeney, cofundador e CEO da Epic Games, em entrevista antiga ao IGN.
Exemplos de jogos na UE1: Unreal Tournament, Deus Ex, Star Trek: Deep Space Nine: The Fallen e Harry Potter and the Philosopher’s Stone.
Versão 2.0
Com o sucesso da UE1, a Epic decidiu otimizar seu motor de jogos e fazer com que ele ganhasse suporte para PlayStation 2, Xbox e GameCube. Isso se tornou realidade em 2002, quando a versão 2.0 da Unreal Engine estreou no mercado alimentando o game America’s Army.
As melhorias foram focadas em adicionar mais variedade e profundidade às ferramentas disponíveis. O sistema de física Karma, por exemplo, foi reescrito para ainda mais eficiência, enquanto um novo sistema de partículas foi adicionado e o Unreal Editor ganhou uma atualização para usabilidade e desempenho.
Outro ponto interessante é que o potencial da segunda geração da Unreal Engine desvinculou o motor gráfico do gênero FPS. Desenvolver um jogo na UE não significava mais criar um jogo necessariamente similar ao Unreal, Quake II e companhia, e a tecnologia abriu espaço para outros tipos de experiência.
Exemplos de jogos na UE2: Lemony Snicket’s A Series of Unfortunate Events, Magic: The Gathering – Battlegrounds e Spider-Man 2.
Jogos em HD e UDK “na faixa”
Mas se existe uma fase importante nessa trajetória da Unreal Engine, foi a fase da UE3. A 3ª geração do motor gráfico foi lançada em 2006 com o game Gears of War, demonstrando o potencial da tecnologia que passou a suportar projetos para consoles em HD — PlayStation 3, Xbox 360 e Nintendo Wii.
Assim como o esperado, a atualização trouxe uma série de otimizações (como sombras dinâmicas e normal mapping) e updates de ferramentas. Mas um dos maiores destaques foram os recursos anunciados para a tecnologia que diminuíram os impasses de produção entre as desenvolvedoras de jogos.
Na prática, as facilidades das ferramentas permitiram que o desenvolvimento de um título não ficasse mais tão dependente de um time de programadores. Com a transição, operações foram transferidas para outros profissionais (como artistas e designers), o que otimizou um elemento precioso para as devs: tempo.
Claro que o percurso não foi nada fácil. De início, diversos estúdios ficaram perdidos em meio a tantas ferramentas e com tantas atualizações. A capacidade tecnológica da Unreal Engine permitiu gráficos impressionantes? Sim. Mas de uma forma bem mais complicada e cara que antes.
Mas foi neste mesmo período em que a Epic “virou o jogo”. Anos após as devs terem se acostumado com o motor, a empresa anunciou, em 2009, uma versão gratuita do Unreal Development Kit (UDK) baseado na UE3. Em suma, uma versão básica e gratuita do motor de jogos.
Com isso, desenvolvedores pequenos e independentes puderam baixar a versão básica da ferramenta sem custos para criar jogos “do zero” e por conta própria. Claro que, por ser gratuito, o software não permitia lançamentos de produtos para fins comerciais. Mas foi uma ótima maneira de democratizar e fomentar o segmento de desenvolvimento de jogos.
Exemplos de jogos na UE3: Mass Effect, Infinity Blade, Borderlands, Batman: Arkham Asylum e Bioshock.
Quarta geração
A penúltima geração da Unreal Engine foi um projeto de longa data — não à toa, estava em desenvolvimento desde 2003. Mas a espera valeu a pena. Sem contar o suporte a plataformas como PS4, Xbox One e Wii U, o motor também passou a ganhar relevância em projetos de arquitetura, filmes e realidade virtual.
Todas as otimizações (entre elas, melhorias gráficas, adição de iluminação global em tempo real e redução de tempo de iteração para devs) foram apresentadas na Game Developers Conference de 2012 como algo que “viria a chocar o público” posteriormente. E chocou.
A prova foi o produto final de Daylight, o primeiro título a usar a engine lançado em 2014. Os gráficos, a fluidez e recursos de iluminação chamavam a atenção, e, nos bastidores, os devs revelaram que usar a UE4 tornou todo o processo de desenvolvimento muito mais rápido e prático.
No mesmo ano, a Epic lançou o marketplace da Unreal Engine, que permitia aos assinantes comercializar uma variedade de pacotes e projetos na ferramenta. Já em 2015, a companhia liberou o UE4 gratuitamente para o mundo — mas com uma taxa em cima das produções finais.
“Você pode baixar o mecanismo e usá-lo para tudo, desde desenvolvimento de jogos, educação, arquitetura e visualização até VR, filme e animação. Ao enviar um jogo ou aplicativo, você paga royalties de 5% sobre a receita bruta após os primeiros US$ 3.000 por produto, por trimestre. É um arranjo simples em que temos sucesso apenas quando você tem sucesso” disse a companhia em seu site.
O resultado de uma game engine potente, que facilitava a vida dos devs e que poderia ser usada “na faixa” por desenvolvedoras independentes ou grandes estúdios? Sucesso, é claro.
Exemplos de jogos na UE4: Fortnite, Hellblade: Senua’s Sacrifice, Shenmue 3 e Star Wars Jedi: Fallen Order.
Em busca do fotorrealismo
E para finalizar a atual linha do tempo da Unreal Engine, é preciso falar da UE5. A engine estava disponível em acesso antecipado desde o ano passado, mas sua primeira versão pública foi lançada somente em abril deste ano. O foco? Conteúdos e experiências 3D em tempo real de última geração com maior liberdade, fidelidade e flexibilidade do que nunca.
A nova geração do motor de jogos traz uma série de melhorias, mas o destaque fica “na conta” dos recursos Lumen e Nanite. O primeiro, segundo a Epic, é uma “solução de iluminação global totalmente dinâmica que permite criar cenas realistas em que a iluminação indireta se adapta rapidamente às mudanças na iluminação direta ou na geometria”.
Já o Nanite é um novo sistema de micropolígonos virtualizado do UE5 que oferece a capacidade de criar jogos e experiências com grandes quantidades de detalhes geométricos. Isso possibilita cenários extremamente realistas, ricos em detalhes e que se mantêm com uma taxa de quadros sem perder fidelidade.
Dentre as diversas novidades, vale destacar também o recurso que divide áreas automaticamente e permite que várias pessoas trabalhem na mesma região ao mesmo tempo. Isso não só otimiza o tempo dos desenvolvedores, como também fomenta os títulos de mundo aberto, como o recente sucesso Elden Ring.
Vale lembrar que ainda deve levar algum tempo até que vários estúdios se adequem às novidades, tendo em vista que a versão pública da UE5 acabou de ser lançada. A boa notícia é que, além do Fortnite (que migrou para a engine), a experiência The Matrix Awakens pode dar uma palhinha sobre o potencial da nova geração da Unreal Engine.
Jogos já confirmados na UE5: Black Myth: Wukong, Senua’s Saga: Hellblade 2, ILL, além dos próximos títulos de The Witcher e Tomb Raider.
Como explicar o sucesso da Unreal Engine?
A pergunta de milhões, na verdade, pode ser mais simples do que se parece. É claro que a Unreal Engine não foi o primeiro motor de jogos, mas foi uma das pioneiras do setor. Isso, por si só, já seria um grande fator para demonstrar sua relevância para a indústria de jogos.
Mas há mais por trás disso. Assim como o motor de busca Google, a UE da Epic Games é constantemente atualizada. Se por um lado isso significa um novo desafio para devs a cada geração, por outro, fomenta o desenvolvimento do segmento e mostra que a ferramenta busca cada vez mais se adaptar às novas tecnologias que surgem no mercado.
Além disso, existe o ótimo modelo de negócios encontrado pela Epic Games. A companhia parece ter acertado em construir uma estratégia que visa o lucro por meio dos royalties, ao mesmo tempo em que “democratiza” o desenvolvimento de jogos com suas versões gratuitas do motor.
E as parcerias fazem a diferença. Ao estabelecer relações com desenvolvedoras ou empresas como Nvidia e AMD, a Epic garante que terá apoio para otimizar sua engine com as melhores tecnologias do mercado. A consequência é um produto preterido por grandes ou pequenos estúdios, com lucros em ambos os casos.
É verdade que a Unity, principal rival da Unreal Engine, também continua a mostrar que pode bater de frente com o maior motor de jogos do mercado. Isso significa que a liderança da UE está ameaçada? Não necessariamente. Mas a concorrência acelera ainda mais os avanços do setor.
E no final das contas, quem ganha com isso tudo são os gamers.
Comentários
Matheus
Muito top a matéria, estão de parabéns!
CRHISTIAN
Preterido?
Cesar Schaeffer
Bom dia, Crhistian, tudo bem? Não entendi sua dúvida. Mas me adianto para dizer que preterido é sinônimo de desprezado ou rejeitado. Obrigado pelo comentário. Abraço.