Topics: mesmo após fracasso com FLoC, Google ainda será o Google; entenda
Com o maior navegador e mecanismo de busca do mundo, além da vasta rede de publicidade, o propósito é o mesmo: manter o controle do Google sobre todos os anúncios vistos na webBy - Liliane Nakagawa, 31 janeiro 2022 às 19:37
Em janeiro de 2020, o Google anunciou que iria reformular o navegador da empresa, o Chrome, removendo os cookies de terceiros — rastreadores que coletam as atividades do usuário na web — em dois anos. Entretanto, após a tentativa mal-sucedida de matar os cookies com o FLoC, uma parte chave do plano parece ter sido reformulada. Na semana passada, a gigante das buscas anunciou que o Topics será o novo sistema substituto, e que deve ser testado ainda nos próximos meses.
A inserção é só uma parte de um projeto maior do Google, o Privacy Sandbox, movimento para melhorar a privacidade do usuário. Apesar da proposta, à primeira vista, especialistas em privacidade já argumentam que o impacto será limitado. A insatisfação também é o sentimento da indústria de publicidade, além de rivais argumentando que a mudança é uma tentativa de reformular a publicidade on-line em sua própria imagem.
Só no terceiro trimestre de 2021, a receita do Google apenas com a publicidade alcançou os US$ 53 bilhões, mas o mundo no qual a companhia ainda é uma gigante está mudando. Concorrentes do Chrome, como Safari, Firefox e Brave limitaram cookies de terceiros anos atrás. A Apple aplicou a medida em seu próprio navegador em 2017. Apesar de estar muito atrás dos rivais, a rede de negócios de publicidade do Google causará maior impacto com a mudança. Somado a isso, 63% do mercado mundial de navegadores pertence ao Chrome, o que dá ao Google poder para forçar um padrão aos demais.
Topics: como vai funcionar os “novos” ‘cookies’
Por meio da API do Google, que cada site utiliza, o sistema vai analisar o histórico de navegação do usuário e atribui a ele categorias de acordo com os sites visitados. Se há registros que apontem para um site do jornal da cidade, por exemplo, será atribuído à categoria de notícias locais.
O perfil é construído semanalmente reunindo até cinco categorias populares — um sexto tópico aleatório deve ser adicionado para gerar ruído no sistema. Segundo o Google, esse processo é feito localmente, no dispositivo e não nos servidores da companhia. Após as seis categorias serem compartilhadas com sites que o usuário visita com objetivo de direcionar anúncios, os dados serão apagados ao fim de três semanas.
O Topics, segundo o diretor de produtos do Google Vinay Goel em um post no blog, foram atualizados pelo aprendizado do companhia e pelo feedback geral da comunidade dos testes anteriores do FLoC. O sistema anterior usava o histórico de navegação para agrupar pessoas com outras com interesses semelhantes. Se houve, por exemplo, procura por cães e o algoritmo do Google determinasse o interesse por eles, o usuário seria colocado na mesma categoria daqueles que gostam de cães.
O plano acabou abandonado depois que vários sites e navegadores rivais terem dito que não utilizariam o sistema. As propostas da empresa também foram investigadas por reguladores na União Europeia e pela Autoridade de Concorrência e Mercados do Reino Unido (CMA). O FLoC desagradou duplamente os defensores da privacidade e a indústria publicitária, o primeiro por ser ruim para privacidade e o segundo por não ter ficado impressionado com a criação da gigante.
Sai o FLoC e entra o Topics: o Google ainda será o Google
Ao comparar com o sistema fracassado, Hamed Haddadi, cientista chefe da Brave, disse em entrevista a Wired que “há melhorias nos Topics”, visto que anteriormente seria possível agrupar usuários em mais de 30 mil categoriais distintas, dando aos anunciantes poder de conhecimento específico dos interesses dessas pessoas. O cruzamento de dados com outras informações também possibilitaria construir uma imagem incrivelmente detalhada delas.
Com menos categorias de interesse — cerca de 350 que podem ser atribuídas a uma pessoa —, é provável que o mesmo não aconteça com o Topics. Embora o número aumente de acordo com uma descrição técnica do Google, com objetivo final incluindo tópicos de terceiros (e poderá haver “alguns milhares de tópicos”. Haddadi também observou que incluir um sexto tópico aleatório aos interesses dos usuários torna o sistema um pouco mais consciente de privacidade.
Dentre outras críticas, o FLoC foi acusado de ser capaz de gerar ou inferir atributos sensíveis por meio do comportamento e interesses das pessoas. Com o Topics, o Google afirma que vai evitar atribuir “categorias sensíveis” — como anúncios mostrados com base em raça ou gênero. A companhia também disse que as pessoas terão mais controle sobre áreas de interesses que são atribuídas a elas, com a modificação das configurações, bloqueio de tópicos e optar por não participar do Topics no Chrome — o que é improvável, realisticamente, que as pessoas mudem as configurações do Chrome.
Apesar da afirmação do Google acima, ainda há riscos de sites trabalharem com características pessoais sensíveis no Topics. “Ainda é possível que websites que chamam a API possam combinar ou correlacionar tópicos com outros sinais para inferir informações sensíveis, fora do uso pretendido”, diz a descrição do Topics do Google. Isso se daria ao longo do tempo, possibilitando que o site “desenvolvesse uma lista de tópicos que são relevantes para aquele usuário”, revelando possivelmente informações sensíveis. Entre questões pendentes de segurança e privacidade que necessitam ser revistas, o Google pretende colocar em teste o novo sistema nos próximos meses, o que poderá modificá-lo com base em feedback.
Em relação à outra questão delicada para o Google — a concorrência—, Paul Bannister, cofundador da empresa de gerenciamento de publicidade CafeMedia, vê o menor número de interesses atribuídos aos usuários como forma potencial de dar ainda mais poder ao Google em um ambiente da indústria da publicidade on-line em que já domina. Segundo ele, apesar do Topics parecer ser um passo à frente para a privacidade das pessoas, atribui um potencial passo atrás para as empresas de publicidade.
Os 350 interesses incluídos são amplos, diz Bannister, o que significa que seja menos provável que seja útil para anunciantes que tentam atingir indivíduos com mais probabilidade de conversão. “Esses tópicos são fixos, portanto é mais difícil encontrar segmentos únicos que sejam realmente interessantes para sua campanha de marketing”, disse.
O Topics pode ajudar o Google a se permanecer no topo dessa indústria bilionária por décadas, apesar da investigação conduzida pela CMA sobre a Privacy Sandbox do Google estar em curso e o regulador já ter advertido a empresa a fazer algumas mudanças, forçando-a rever a sua abordagem.
Por outro lado, enquanto os negócios de publicidade da Apple crescem a passos largos, o Google ainda será o Google. O propósito do maior navegador e o mecanismo de busca do mundo, além da enorme rede de publicidade on-line, vai continuar o mesmo: mantê-lo no controle sobre todos os anúncios na web, independentemente de FLoC ou Topics.
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