Células do corpo são como pequenos programas que podem ser alterados e reprogramados, se soubermos o código-fonte. Isso é o que acredita Mark Kotter, CEO e fundador da bit.bio, uma startup de Cambridge, no Reino Unido, que está dedicando seu tempo e recursos para promover uma (r)evolução em tecnologias voltadas para pesquisa clínica e saúde.

Kotter, em entrevista à Wired, explica que “cada tipo de célula tem seu próprio pequeno programa, ou código postal — uma combinação de fatores de transcrição que a define”.

Além disso, Kotter explica que uma célula de pele, por exemplo, tem os mesmos genes que uma muscular ou de neurônios do cérebro. No fim, apenas alguns desses genes são ativados, enquanto outros permanecem silenciosos e, portanto, cada célula acaba tendo uma função específica.

Mas no fundo, elas são similares em sua essência. É um pouco como fazer preparações diferentes com os mesmos produtos: você consegue fazer um pão recheado e uma pizza usando os mesmos ingredientes.

O trabalho da bit.bio, nesse sentido, consiste basicamente em entender o tal do código-fonte das células — ou entender o passo a passo da receita do pão e da pizza — para, assim, poder reprogramá-las e termos uma medicina mais precisa.

Imagem ilustra a medicina genética, com uma mulher vestida com roupas especiais, segurando um bisturi em uma mão e apoiada em uma mesa

Imagem: National Cancer Institute/Unsplash

Mas o que isso significa na prática?

Atualmente, durante o desenvolvimento de uma medicação, por exemplo, é bastante comum que os estudos iniciais sejam feitos com camundongos. A grande questão por trás disso é: camundongos não são humanos.

Parece óbvio, mas essa é uma diferença real.

Uma droga testada em um pequeno rato não necessariamente vai reagir da mesma forma em um corpo humano. “Não existe nenhum rato neste planeta que já tenha sofrido de Alzheimer, ele simplesmente não existe”, afirmou Kotter, ainda na mesma entrevista à publicação.

Mas testar uma droga potencial para Alzheimer em uma célula do cérebro humano projetada para apresentar sinais da doença de Alzheimer pode dar uma indicação muito mais clara de se essa droga tem probabilidade de ter sucesso.

E mesmo que sejam usadas células humanas para os testes, há uma seleção comumente utilizada para estudos: células renais e cancerosas cervicais. Mesmo nesses casos, a dificuldade que acontece com a questão dos camundongos também transparece, porque essas células, ao serem testadas, podem apresentar enormes diferenças com relação às células que um determinado medicamento está sendo desenvolvido para atacar.

Pode dar certo? Claro que sim, afinal esse método é realizado atualmente. Mas a acurácia poderia ser muito mais precisa.

Em um cenário fictício de testes, com intuito de desenvolvimento de uma droga que irá combater o Alzheimer, quais dessas opções você acha que teria um resultado mais assertivo no final: camundongos, uma célula renal, ou uma célula de um cérebro projetada para desenvolver Alzheimer?

O trabalho da bit.bio

Um outro desafio na reprogramação de células-tronco que Kotter conseguiu driblar com a pesquisa realizada pela startup: ao inserir uma codificação correta em uma célula, na teoria, o novo código seria aceito e ela, então, se transformaria. Acontece que o corpo humano possui um programação para contra-atacar e silenciar essa nova programação.

Kotter descobriu uma área que ele chama de “porto seguro genético“, uma região do genoma que é protegida e não permite o silenciamento de genes.

Usando essa sabedoria, a bit.bio conseguiu desenvolver com sucesso dois reprogramas de células distintos: um para células musculares e outro para um neurônio cerebral específico.

Os estudos continuam e a ideia é criar linhas de códigos celulares sob medida, que possam ser utilizadas pela indústria farmacêutica e em pesquisas acadêmicas. “O que estamos fazendo agora com nossos parceiros na indústria é criar modificações genéticas relevantes para doenças”, afirmou Kotter.

Outro uso do trabalho da bit.bio é com terapia celular. Assim, um paciente com leucemia, por exemplo, poderia ter suas próprias células cultivadas fora do corpo e depois modificadas e inseridas novamente para combater a doença.

Esse é um processo que já existe hoje, mas ele é custoso: uma terapia celular desse tipo pode custar mais de 280 mil libras. Na cotação atual, isso sairia por mais de R$ 2 milhões por paciente.

Com a tecnologia da startup, é possível reduzir consideravelmente esse custo. “Ter um número abundante de tipos de células corretas que, agora, conseguimos editar, acredito que será transformador”, afirmou Ramy Ibrahim, diretor médico da bit.bio.

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