6 formas de ‘se deletar’ da internet
Apesar de parecer que tudo está perdido, há algumas medidas para se remover conteúdos e proteger os próprios dados de terceirosBy - Liliane Nakagawa, 16 janeiro 2022 às 18:25
Apesar de ser praticamente impossível apagar todas as pegadas deixadas na internet — por isso é bastante razoável pensar bem antes de escrever, postar e até navegar na rede — já que uma vez na internet, jamais o conteúdo deixará de existir, mesmo que você e o mundo queira.
E como se sabe, Amazon, Facebook e Google possuem grandes quantidades de dados sobre você — incluindo seus gostos e aversões, informações sobre saúde e conexões sociais — mas eles não são os únicos. Nesta briga por dados — que você distribui de graça por aí (!) — inúmeros corretores de dados dos quais são desconhecidos do publico geral, coletam grandes quantidades de informações e as vendem (a quem pagá-los mais).
Além de parar nas mãos de grandes empresas para vender publicidade dirigida a você, esse extenso banco de dados também é mantido por governos do mundo todo (vide o maior escândalo diplomático da história denunciada pelo ex-CIA Edward Snowden, em 2013), criando perfis e espionando qualquer atividade on-line de qualquer civil, retendo metadados, ousando extrapolar previsões de comportamento.
“Os registros de atividades permitem que [agências do governo] tenham capacidade de analisar dados em grande escala e de criar com perfeição mapas, cronologias e sinopses associativas da vida de uma pessoa, dos quais ousam extrapolar previsões de comportamento. Em suma, os metadados [são gerados automaticamente, portanto, praticamente não há controle sobre a produção desses dados; diferentemente das informações conscientemente produzidas] podem dizer a quem o monitora praticamente tudo que ele quer ou precisa saber sobre você, exceto o que realmente está se passando dentro da sua cabeça.” — Edward Snowden em Permanent Record, 2019
Com o avanço da tecnologia, apesar de parecer que tudo está perdido, há algumas medidas para se remover conteúdos e proteger os dados de terceiros. O processo, de fato, é demorado, mas isso vai conscientizá-lo a cuidar mais dos próprios dados e a compreender que privacidade digital não é uma mera bobagem. (E não, seus dados não estão todos na rede para não se preocupar com eles).
Optar por sair dos corretores de dados
Corretores de dados são corporações que coletam enorme quantidade de informações pessoalmente identificáveis. Tais informações são coletas para criar “perfis” ou “listas” com etiquetas de identificação, que incluem tudo desde seu nome, endereço antigo e recente, data de nascimento até seu número de previdência social, hábitos de compra, onde você estudou e por quanto tempo, e muito mais, de acordo com relatório da FTC.
Entre os maiores deles, se destacam Acxiom, Equifax (sim, aquele), Experian, Oracle, e Epsilon. Alguns deixam as pessoas optarem por não ter informações processadas, obviamente depende qual é a sua localização no mundo — como sempre, o processo não é simples. Na maioria das vezes, senão todas, será preciso contatá-los por e-mail, preencher formulários on-line e fornecer informações extras, como imagens da documentação.
No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/18), a LGPD, mais especificamente o artigo 18 da lei, menciona que o titular poderá a qualquer momento e mediante requisição, a eliminação dos dados pessoais tratados com o consentimento do titular, exceto nas hipóteses previstas no artigo 16 da mesma lei, a qual diz que “os dados pessoais serão eliminados após o término de seu tratamento, no âmbito e nos limites técnicos das atividades, autorizada a conservação para as seguintes finalidades: cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador; estudo por órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais; transferência a terceiro, desde que respeitados os requisitos de tratamento de dados dispostos nesta Lei; ou uso exclusivo do controlador, vedado seu acesso por terceiro, e desde que anonimizados os dados”. Vale lembrar que o procedimento de exclusão dos dados deverá ser de forma gratuita e facilitada.
Nos EUA, a entidade sem fins lucrativos Privacy Rights Clearinghouse criou um banco de dados de corretores de dados que contém endereços de e-mails, links para acessar as políticas de privacidade e informações sobre se eles permitem que você opte por não participar (opt-out). Na lista, há 231 empresas americanas. Pelo número, dá para se ter uma ideia do quão grande e lucrativa é a indústria de corretagem de dados.
Se estiver coberto pela GDPR — General Data Protection Regulation — da Europa ou pela Lei de Privacidade do Consumidor da Califórnia, nos Estados Unidos, também é possível enviar solicitações para que os dados sejam excluídos. Para ajudar os usuários da rede, o grupo de privacidade YourDigitalRights disponibiliza no site formulários de opt-out para 10 dos maiores corretores de dados com objetivo de acelerar o processo de eliminação das informações de quem busca um pouco de privacidade.
Obtenha os resultados da pesquisa do Google atualizados
Se não é possível mudar a forma como o Google exibe os resultados de pesquisa, algumas medidas limitadas são possíveis para que o que é exibido seja removido caso haja detalhes prejudiciais, tais como tentativas de doxing. Se uma página web foi atualizada pelo proprietário, mas não foi refletida nos resultados de pesquisa do Google, é possível que você mesmo faça isso. A empresa da Big Tech deve atualizar os resultados para páginas que não existem mais ou que são significantemente diferentes das versões indexadas anteriormente.
Solicitações de conteúdo prejudicial, com imagens explícitas não consensuais; pornografia falsa; dados financeiros, médicos ou de identificação nacional; doxing; ou imagens de crianças em sites também são consideras pelo Google em pedidos de remoção. Para isso, será preciso enviar um formulário e fornecer provas do conteúdo.
Em território europeu, o Direito ao Esquecimento, um princípio que foi estabelecido nos tribunais europeus em 2014 e que foi incorporado ao GDPR em 2018, permite que certas informações específicas sejam removidas dos resultados de busca, incluindo o Google, quando critérios relevantes são atendidos. Em geral, informações ao seu respeito são de interesse público, o que dificultará a remoção dos resultados de busca.
No Brasil, a Regulamentação do Direito ao Esquecimento se manifestou logo após a aprovação do enunciado com a implantação do Marco Civil da Internet, em abril de 2014. O direito ao esquecimento é desdobramento da dignidade da pessoa humana, corolário dos princípios da inviolabilidade da vida privada e da proteção à privacidade. Entretanto, em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento, por maioria de 9 a 1, no sentido de que a ideia do “direito ao esquecimento” não se compatibiliza com a Constituição Federal de 1988, “assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais”.
Exclua contas antigas on-line
Se realmente quer minimizar a presença on-line, vale começar a rastrear contas de serviços antigos e ainda não extintos, como MySpace e Tumblr e remover os vestígios por lá. Para começar e tentar otimizar o tempo dedicado a essa remoção, considere fazendo uma lista de contas antigas. O trabalho é manual, então será necessário lembrar dos endereços de e-mail usados pra login, ao menos para recadastrar uma nova senha e ter acesso à antiga conta. Para facilitar, o serviço justdelete.me tem uma lista de links que apontam para as páginas de exclusão, de Gumtree até Vimeo.
Se na lista de exclusão haver algumas contas recentes, vale a pena verificar logins salvos no gerenciador de senhas, claro, caso use algum, ou se salva as senhas no navegador (o que não é uma ideia nada boa, apesar da comodidade).
Além disso, procurar assinaturas antigas e contas on-line, digitando o e-mail ou número de telefone no serviço de notificação de violação de dados ‘Have I Been Pwned?’ pode ajudar a resgatar detalhes que provavelmente não se lembre.
Procurar pelo nome online e combiná-lo com alguns outros dados pessoais — por exemplo, seu endereço de e-mail ou onde você mora — via motores de busca poderá ajudá-lo também. Se está tentando remover mensagens em fóruns on-line ou serviços similares, um e-mail aos administradores pode funcionar. Caso os detalhes de contato não estiverem claros, como pode ser o caso de páginas antigas, verificar detalhes de registro pelo WHO.IS podem ser esclarecidos. Uma alternativa, caso o Wayback Machine tiver arquivado a página não encontrada, ele pode ter preservado detalhes de contatos antigos.
Há também serviços dedicados que farão este trabalho de forma automática, escaneando seus e-mails. Porém (de novo), muitas vezes não fica claro como esses utilizam seus dados — descobriram que a matriz do serviço de cancelamento de assinatura de e-mail Unroll.me estava vendendo dados de usuários em 2017 — por isso, quanto mais evitá-los, melhor.
Limpe o histórico digital
Se não é a intenção apagar as contas on-line, ainda é possível limpar outros dados armazenados. A começar pelas mensagens enviadas pelo Facebook, Twitter, Instagram sobre mensagens e atividades nessas redes sociais.
Há alguns comandos para tornar isso mais fácil e rápido. No Gmail, por exemplo, é possível usar “older_than:” e adicionar um período de tempo (1y ou 6m, por exemplo), e então selecionar as mensagens que deseja apagar.
Considere começar a limpeza pelos dados postados publicamente — fotos e texto — já que são as informações mais facilmente encontrados por terceiros, além de serem alvos de técnicas de raspagem de dados on-line (data scraping). Caso considere deletar os perfis atuais ou mensagens existentes, é possível fazer um backup das mensagens e de todas as atividades geradas dentro da plataforma. Praticamente todas têm opções de baixar todo o histórico nas configurações das respectivas.
O Twitter não tem ferramentas oficiais para apagar os tweets antigos em massa, restam apenas aplicativos de terceiros para fazer o serviço. O Tweet Deleter e TweetDelete são alguns deles, mas pode ser um pouco mais trabalhoso quando se planeja apagar anos de dados. O Tweet Deleter cobra US$ 5,99 mensais — o plano possibilita apagar um número ilimitado de tweets de uma só vez — e pode ser cancelado após um mês. Já o TweetDelete não cobra “nada” por isso.
Antes de escolher qualquer serviço de terceiro, é recomendável estar ciente de que os serviços poderão acessar informações armazenadas nas contas, bem como ler as políticas de privacidade do aplicativo em particular, no qual será possível saber o que as empresas fazem com seus dados. Alternativamente, é possível também excluir a conta por completo. Esses passos poderão ajudar nisso.
O Google não indexa as postagens individuais do Facebook, logo, elas não aparecerão nos resultados de busca. Mas se o propósito é eliminar o máximo de rastros, provavelmente uma conta no Facebook guarda muitos dados sobre você (vende?). Assim como no Twitter, a rede social permite exclusão de mensagens, fotos ou qualquer dado postado na plataforma. Para isso, vá em Configurações e Privacidade > Log de atividades que deseja excluir — mensagens, fotos, marcações em fotos. Assim como no Twitter, a ferramenta do Facebook não colabora com aqueles que querem apagar anos de uso da plataforma. Infelizmente usar um script para inutizar esses dados é proibido pela rede social. Resta a opção também de simplesmente deletar a conta por completo.
Use ‘armas nucleares’
Lembramos que antes de recorrer às ferramentas da lei para remoção de dados — o que custa tempo — é mais vantajoso e recomendável a leitura atenta das políticas de privacidade antes de aceitar qualquer serviço on-line. Entretanto, dependendo da localidade e de quanto tempo são os rastros on-line, possivelmente leis destinadas especificamente à proteção de dados ainda não eram uma realidade. Serviços como DeleteMe podem remover os dados das mãos dos corretores de dados que vendem suas informações. O Jumbo irá alertá-lo sobre violações de dados, além de apagar automaticamente novas postagens em mídias sociais após um certo período.
Proteja-se
Se é impossível de manter os dados fora da internet por completo, por outro, medidas e cuidados podem minimizar muito o problema. A começar pela quantidade de informação que se quer colocar proativamente na rede. Quando assinar uma newsletter ou algum outro serviço que precise de cadastro, considere se realmente precisa inserir dados pessoais ou se será melhor apenas usar uma conta autodestrutiva para mascarar sua identidade on-line. O serviço do DuckDuckGo é um aliado para quem procurar se livrar de rastreadores colocados nos pixels de e-mails.
Outra dica é que se evite usar serviços das empresas da Big Tech, se não for possível, restrinja ao máximo. Escolher um navegador e um mecanismo de busca que não coletem dados e usam rastreamento abusivo, como DuckDuckGo (motor de busca e navegador — disponível no momento apenas para iOS) e Tor (navegador), que possibilita ao usuário navegar de forma mais anônima possível pela rede, além de ter acesso às outras camadas da internet (darkweb e deepweb) ; usar aplicativos criptografados de ponta a ponta e usar mensagens autodestrutivas quando apropriadas, como Signal (criptografia de ponta a ponta, mensagens autodestrutivas e open source — disponível para iOS e Android), Wire (open source e criptografia de ponta a ponta — disponível para iOS e Android), Threema (open source e criptografia de ponta a ponta — disponível para iOS e Android); além de entender quais dados o WhatsApp, Instagram, Google, Amazon, Spotify e outros coletam sobre você.
E por fim, e talvez seja a parte mais trabalhosa: ser uma pessoa quase invisível on-line não depende apenas da própria vontade, essa posição ou modo de viver deve ser discutido com amigos e familiares. Já que sem a devida noção do que o consentimento desinformado pode causar hoje e no futuro, publicações de fotos, localização e outras informações estarão disponíveis na redes sociais, mesmo que você não mais esteja por lá. Afinal, por que não seguir ações de quem realmente sabe quais impactos a coleta de dados massiva pode nos levar em um futuro próximo: o head de auto-falantes inteligentes do Google disse que as pessoas deveriam revelar se têm os dispositivos quando os convidados visitam suas casas.
Com informações de Wired e Jusbrasil
Comentários