Por mais variado e saudável que o gênero dos jogos de luta seja hoje, dificilmente você verá alguém “esquecer” de mencionar “Street Fighter” como uma das suas marcas favoritas. Ainda assim, diante de uma competição cada vez mais acirrada, a Capcom precisava de um golpe certeiro ao lançar “Street Fighter 6”, a nova iteração da longeva franquia de brigas de rua iniciada em 1987.

E certeiro esse golpe é: em praticamente todos os pilares, Street Fighter 6 consegue um feito difícil até para as marcas mais consolidadas – agradar de forma inegável o jogador veterano, ao mesmo tempo em que seduz com força o gamer mais casual ou menos familiarizado com os jogos de luta. A seguir, em mais um review do blog KaBuM!, você vê toda a nossa crítica.

No universo narrativo, nada em Street Fighter 6 consegue fazer muito, usando pouco: você tem um grupo de lutadores “do bem”, alguns anti-heróis semi-vilanescos e um antagonista primário com algum tipo de poder mundialmente perigoso. Ao invés de, sei lá, enviar um exército para cuidar do problema, o mundo deve ser salvo por um bando de brigões de rua.

É óbvio que ninguém espera vínculo com a realidade aqui e, como a internet adora proferir às vezes, poucas situações permanecem sem resolução quando alguém leva um soco no meio dos cornos.

Ainda assim, muito do enredo de Street Fighter 6…faz sentido? É difícil de explicar, mas talvez isso seja mais simples de se entender para quem já conhece o pano de fundo dos lutadores principais: sabemos as motivações por trás de Ryu, Ken (em quem o enredo principal é mais voltado e vamos parar de comentar por aqui para evitarmos spoilers), Cammy e Chun-Li – no novo jogo, nós os encontramos em suas versões mais sábias, velhas e veteranas, lidando com os ganhos e consequências de seus respectivos cânones.

Eu assumidamente não sou muito apegado a jogos de luta, mas adoro uma boa história – e Street Fighter 6 tem muita coisa para contar, ainda que decida fazer isso em “pílulas”: não há uma linearidade narrativa, e você só fica sabendo dos detalhes mais intrínsecos do jogo quando passa por todos os modos (mais sobre isso a seguir). Se depender apenas do modo Arcade – o mais tradicional – você pode ficar meio perdido, mas nunca sem entender ao menos parte da coisa.

Tem buracos no enredo? Sim. Mas se parar para pensar, qual jogo, filme ou série não tem dessas falhas?

Imagem mostra cena de gameplay do jogo Street Fighter 6, da Capcom

Imagem: Capcom/Divulgação

É na jogabilidade que Street Fighter 6 mais se destaca, a meu ver: os combos, golpes e os comandos para executá-los no controle do PlayStation (a versão testada pela nossa equipe) ainda estão lá, e são majoritariamente os mesmos. Por um lado, isso é muito bom pois permite que jogadores mais veteranos não precisem dedicar um tempo a “reaprender” os movimentos – é só entrar na luta e sair no proverbial braço. Por outro, isso é…ainda melhor, já que as combinações em si são tão simples que os novatos da franquia pegarão o ritmo bem rápido, equilibrando partidas sem demora.

Esse caráter nada excludente é levado ainda mais a sério quando você escolhe entre os modelos de controle Clássico ou Moderno. Este último permite que você execute as ações de maior poder – hadoukens, kikoukens, shoryukens e tatsumaki senpuu kyakus da vida – com apenas um botão, alterando qual golpe é aplicado dependendo de qual direção você apontar. Os combos assistidos também entram em cena aqui maravilhosamente bem: você segura um botão e, pressionando repetidas vezes o mesmo botão, emplaca uma sequência de três a seis golpes, dependendo da intensidade da pancada, de maneira simples e fluída.

Você pode pensar que isso é uma “facilitação” para quem não é tão bom ou mais casual, mas a verdade é que você não perde nada entre escolher entre o modo Clássico ou o Moderno. Todas as execuções e comandos são inseríveis dentro das mesmas janelas de tempo, então você não enfrentará desvantagem alguma por enfrentar alguém nestas condições. Nós falamos com mais extensão sobre os dois formatos em nossa prévia durante a BGS 2022, em outubro.

Os golpes especiais – aqui, intitulados “Super Arts” – se fazem presentes mais uma vez, agora sendo mais e mais simplificados: uma barra no canto inferior da tela vai se preenchendo em até três níveis, onde cada nível solta um golpe diferente. Evidentemente, o mais avassalador vem no terceiro nível da barra, e exige um conhecimento mais clínico de quando você deve utilizá-lo sem desperdiçar a chance.

Quando você acerta esses golpes, no entanto, Street Fighter 6 é um deleite visual: desde a apresentação com motivos aquarelados até a sensação de impacto forte devido à intensidade do golpe, está tudo lá – e as animações em si, caricatas como todo jogo da franquia se permite ser, entregam de bandeja um visual ao mesmo tempo poderoso e divertido. Jogando online – algo que, admito, não sou fã de fazer – houve ocasiões em que deixei o oponente me acertar com um desses simplesmente porque ele usou um personagem cujas animações eu ainda não tinha visto. Ao final: zero arrependimentos.

O “RPG de Street Fighter 6” tropeça, mas não cai

Estreante mesmo, neste jogo, é o modo World Tour, uma espécie de RPG de mundo semi aberto onde você cria um avatar e segue uma história pré-definida. Essencialmente, você é o novo aluno de uma academia de luta gerenciada por um dos lutadores do elenco principal de Street Fighter 6. Obviamente, você tem um “amigo rival” e obviamente, você tem um enredo que envolve este rival em perigo.

Primeiramente, falando dos pontos positivos, o modo World Tour tem uma certa densidade: naturalmente, não estamos falando de nenhum Final Fantasy, mas os elementos básicos estão lá – customização de personagens, compra de itens que impactam nos seus atributos, uma árvore de habilidades simples, a capacidade de subir de nível e aprender golpes com seus mestres (todos, personagens do elenco principal), bem como a exploração de vários países.

O modo World Tour se ambienta majoritariamente em Metro City – a mesma de outro jogo da Capcom: Final Fight. Você deve se lembrar que as franquias têm uma espécie de “universo compartilhado” há vários anos. Isso é um ponto interessante, já que a publisher japonesa se aproveitou deste mini RPG para posicionar várias referências a outras marcas de seu catálogo, além de outros jogos e personagens de Street Fighter ausentes no mundo atual. Alguns destes personagens são só mencionados, outros estão fisicamente presentes e até lutam com você ou oferecem sidequests.

Modo World Tour, de Street Fighter 6

Imagem: reprodução/Capcom

É na parte mais técnica que Street Fighter 6 tem pequenas mancadas: a mais notável para mim foi o tédio dos loadings mais longos. Entendo que a variação de cenários de um jogo extremamente colorido possa pesar no processamento, mas em 90% do tempo, o tempo de carregar cenários me pareceu longo demais.

E não me refiro apenas a situações muito opostas – tipo você sair da urbana Metro City e ir parar na selva amazônica brasileira. Às vezes, momentos transicionais simples, como entrar ou sair do menu de uma loja de roupas e acessórios, demorava mais tempo do que se você estivesse fisicamente em uma loja de roupas e acessórios aí da sua vizinhança. Ou ainda – o pior de todos – a transição entre a exploração e o combate entre personagens: a todo tempo, a necessidade de “carregar” a ambientação me viu olhando para a tela, julgando o “FIGHT” do meio do display, sem poder começar porque o jogo ainda estava “carregando” os lutadores e o HUD de informações.

Não vi muito motivo para justificar isso, e essas ocorrências me deixaram irritado de tempos em tempos (especialmente pela tendência de isso acontecer em momentos onde a história e a progressão estavam em um ritmo deliciosamente ascendente), mas nada que possa definitivamente destruir a experiência por completo.

As novas caras do elenco remetem a velhos conhecidos

Como eu disse antes, Street Fighter 6 é recheado de referências aos seus jogos antecessores, e isso se traduz também no elenco de lutadores do modo principal. A novata Lilly é a exemplar mais óbvia disso – a adolescente mexicana de sotaque carregado é uma cópia exata de Thunder Hawk, o indígena massivo de tamanho e braços fisicamente impossíveis de serem justificados que fez sua estreia junto de Cammy, Dee Jay e Fei Long em Super Street Fighter II (1993). Mas engana-se que ela seja apenas uma roupagem nova a um lutador antigo – Lilly faz constantes referências a “T.Hawk” em seus diálogos, detalhando como eles são da mesma tribo e como ela, a exemplo dele, quer viajar o mundo para encontrar meios de preservar sua cultura.

Outros pontos em que isso se torna mais e mais evidente são nas pequenas animações introdutórias de alguns personagens: Jamie, por exemplo, é irmão de Yang e Yun, que você reconhecerá de jogos anteriores da franquia – mas ele é dono de um estilo próprio (entusiastas do kung fu reconhecerão os movimentos do zui quan – o “punho do bêbado”) e de uma narrativa própria, inspirada nos outros dois personagens.

Imagem mostra cena de gameplay do jogo Street Fighter 6, da Capcom

Imagem: Capcom/Divulgação

Até mesmo os personagens veteranos tiveram atualizações: Chun-Li deu um tempo da vida de agente da Interpol, Blanka não é mais um “monstro da selva brasileira” mas uma figura folclórica e guia turístico de uma atração amazônica e Ryu…bom, Ryu é o mesmo – a bio oficial diz que ele superou o “satsui no hado” (a parte “demoníaca” dele) e, após esse feito, ele voltou a treinar, meditar e buscar oponentes mais fortes para enfrentar. Só que agora ele tem barba.

Mais do que simplesmente contar uma história, tudo isso serve para sustentar estilos de combate: Ken, por exemplo, fala brevemente sobre como ele e Ryu tinham movimentos iguais, mas que vários motivos fizeram o carateca estadunidense se adaptar e se diferenciar se seu ex-parceiro de treino – o que remete às mudanças introduzidas em Street Fighter Alpha, quando a gameplay de Ken lhe deu versões diferentes dos golpes de Ryu.

Street Fighter 6 é o jogo mais “bem amarrado” da franquia

Todos esses detalhes fazem com que Street Fighter 6 seja uma experiência única. Ninguém aqui está afirmando que “um ciclo se fecha” – até porque, convenhamos, é bem óbvio que um “Street Fighter 7” virá eventualmente – mas a forma com a qual o jogo se apresenta pega tantos detalhes de seus predecessores, os atualiza e lhes dá finitude que, a grosso modo, é difícil não se pegar pausando a partida e abrindo uma wiki dedicada à marca para saber os detalhes narrativos que batem ou não batem.

Spoiler: tudo bate.

E como tudo faz sentido nesse estranho mundo onde você resolve literalmente tudo na porrada, a jogabilidade encontra uma base que vai além do “combo pelo combo”. Cada movimento e estilo de luta tem uma razão para ser daquele jeito.

Sinceramente, é tudo o que um fã de Street Fighter – mesmo um mais casual como eu – poderia pedir.

Galeria de imagem

[Review] Street Fighter 6 é a carta de amor da Capcom para novos e velhos fãs
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