Quando as primeiras divulgações de Sea of Stars começaram a sair, rapidamente eu tive ideia do que se tratava: um jogo de plataformas modernas mas com apelo à era dos RPGs japoneses de consoles 16-bit. Quero dizer, isso é até óbvio: estilo artístico em pixels, personagens animados por sprites e não modelos humanos completos…a receita toda está ali.

Felizmente, este jogo do estúdio canadense Sabotage – viabilizado por financiamento coletivo, vale citar – também mescla alguns elementos contemporâneos, dando-lhe mais “tempero” e, apesar dos tropeços, posso adiantar que Sea of Stars é uma experiência deliciosamente dualista, no sentido de que ela tem uma sensação toda familiar, mas ao mesmo tempo surpreende pela variedade de gameplay que muitos jogos “AAA” atuais não têm.

Sea of Stars, o review

Enredo, arte e gameplay conversam desde o primeiro minuto

A premissa do jogo é bastante simples: você assume o papel de Zale ou Valere – guerreiros, respectivamente, representantes dos poderes do Sol e da Lua. As duas chamadas “Crianças do Solstício” têm por destino enfrentar os males trazidos pelo “Fleshmancer”, um alquimista imortal capaz de criar monstruosidades conhecidas como “Residentes”, que se, deixados de lado, podem evoluir para um “Devorador de Mundos” e acabar com tudo.

Dentro deste cenário, Sea of Stars faz você passar por todo o crescimento dos dois protagonistas, que ficam internados em uma academia que treina Guerreiros do Solstício para manter sua vigília – sempre que um residente é descoberto, eles são despachados para acabar com ele e evitar o fim do mundo.

Esse enredo casa muito bem com o estilo artístico escolhido pelo estúdio Sabotage, já que o visual serve, ao mesmo tempo, como um respeito à premissa simplista inicial, mas também como um prenúncio de que – tal qual acontece com qualquer RPG – as coisas rapidamente ficarão mais aprofundadas.

É bem verdade que a história demora um pouco a engrenar – especialmente pelo seu início bem arrastado. Mas felizmente, essa sensação não dura muito e, quando o jogo lhe “devolve” o comando da progressão (a primeira hora e meia, mais ou menos, é um pouco mais restritiva no gameplay, funcionando como um tutorial amarrado ao enredo), Sea of Stars se abre para você.

Imagem do jogo Sea of Stars

Imagem: Sabotage Studios/Divulgação

Apesar de não ser inédito, combate surpreende até os mais veteranos

Para um jogo que presta homenagens aos RPGs japoneses de outrora, Sea of Stars soube pegar o sistema de batalha por turnos e dar a ele o seu próprio “sabor”: sim, é exatamente o que você espera em um formato que, basicamente, consiste de “eu ataco, inimigo ataca, eu ataco de novo” e assim até que alguém morra.

Entretanto, jogos que se valem apenas dessa mecânica normalmente caem em um tédio que essencialmente consiste em “apertar X/A/Enter”, transformando você em um “operador de menus” e eliminando semblantes de desafio ou estratégia.

Sea of Stars não é difícil, nem perto disso, mas seu combate traz uma camada de aprofundamento bem interessante: comandos de sincronismo entre ataque e defesa conferem benefícios variados, com um medidor de combos que traz ataques especiais em duplas de personagens, novas animações e, mais para frente na história, ataques massivos maravilhosamente desenhados.

Há também um sistema de “travas” – nas palavras do próprio jogo – que prenunciam que seu inimigo está prestes a aplicar um golpe mais poderoso. Tais travas podem ser atacadas de acordo com seus símbolos, que correspondem às naturezas dos seus movimentos: destrua todas antes do turno inimigo chegar e ele fica inerte, abrindo espaço para mais alguns ataques de sua equipe. Destrua “parte” delas, e o golpe vem, com eficiência reduzida. Não faça nada e…bom, é melhor se preparar para a pancada.

Isso tudo facilita a criação de um sistema surpreendentemente estratégico: em Sea of Stars, vencer não é apenas uma questão de “derrubar todos os inimigos na tela”, mas sim “como” você faz isso, já que as consequências – o gasto de pontos de magia ou de vida – progridem junto contigo. Jogue de forma excessivamente descompromissada e você pode se ver frente a frente com um inimigo mais forte, e quase nenhum recurso para brigar com ele.

Brilhantismo da trilha sonora dá um tom épico à arte

Sea of Stars tem um apelo forte à nostalgia. Os mais velhos imediatamente vão se lembrar de títulos como Secret of Mana, Chrono Trigger ou similares. E por mais “cartunesco” que alguns pedaços do jogo se apresentem, há uma sensação de grandiosidade perene.

Grande parte disso vem da trilha sonora, que tem composições de Yasunori Mitsuda, compositor original de Chrono Trigger. Mas não é apenas “a música pela música”. Os jogadores mais atentos perceberão facilmente o “crescendo” (quando alguma coisa na tela contextualiza o aumento do volume, e vice-versa) em momentos de quando o cenário abre para panoramas maiores – pense nas exibições de grandes paisagens e vistas, complementadas por tons de orquestra com intensidade crescente.

É o tipo de coisa que dá calafrios, do jeito gostoso – tipo quando você escuta uma canção especialmente apelativa aos seus gostos e sente aquela “vibe”…

Imagem do jogo Sea of Stars

Imagem: Sabotage Studios/Divulgação

Exploração de cenários “esconde” linearidade incômoda (e bugs precisam de atenção)

Um dos pontos de sucesso dos JRPGs antigos vinha da abertura de exploração dos seus jogos representativos. Sea of Stars tenta “emular” isso, mas infelizmente o faz de uma forma tacanha – eu não quero dizer “enganadora”, embora faça parecer isso.

Explico: você é livre para explorar cenários inteiros – caçar recursos, traçar rotas alternativas, enfrentar ou não inimigos na tela… – só que esses “cenários” estão confinados em regiões travadas.

O que isso quer dizer na prática? Bom, por mais que você possa fazer qualquer coisa, à primeira vista, na realidade está sendo guiado pela mão para onde Sea of Stars quer que você vá. Em determinado momento – relativamente cedo na jornada – você tem acesso a uma forma de transporte que lhe permite abordar várias regiões do mapa, apenas para perceber que, se não for do enredo do jogo naquele momento (leia-se “chegar cedo em uma área que só vai ser importante na história mais para frente”), você não poderá acessá-la.

Isso não faz diferença em toda a experiência de jogo, claro – não há nada que lhe impeça de, de fato, voltar depois. Mas se deparar com um lampejo de possibilidade de exploração antecipada, apenas para dar com a proverbial porta na cara é meio…decepcionante.

O que faz uma diferença na experiência, negativamente falando, são os bugs. Especificamente, “um” bug: em pelo menos quatro ocasiões no jogo, sei lá por qual motivo, o jogo simplesmente travou, e as animações não saiam do lugar, nada acontecia, me forçando a desligar o app no PlayStation e reiniciá-lo. Felizmente, eu tenho por política própria salvar meu progresso sempre que possível, então não perdi muita coisa.

Aliás, essa é a recomendação primária em Sea of Stars: viu o ponto de salvamento? Então faça uso dele. O jogo até tem um sistema de “autosave”, mas ele não é dos mais confiáveis, aparecendo quando quer. E uma das situações “bugadas” acima, na minha partida, foi justamente no meio de uma luta contra o chefão do jogo, na busca pelo “final verdadeiro” (sim, Sea of Stars tem dois finais) – luta essa bem longa, bem metódica, que dura uns 10 ou 15 minutos, e eu já estava bem avançado nela.

[Review] Pequenas inconsistências em ‘Sea of Stars’ não reduzem seu brilhantismo retrô
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Apesar das mancadas, Sea of Stars é um deleite e uma surpresa em um ano bastante recheado de sucessos

O veredito só pode ser um: Sea of Stars é uma delícia de se jogar. Ele é feito justamente no tamanho certo, com a progressão majoritariamente em um ritmo que cabe na sua atenção, e nada nele parece ser “demais”. A entrega de diálogos, visuais, trilha sonora e gameplay foi inteiramente desenvolvida para complementar uns aos outros – e o jogo o faz extremamente bem.

Isso faz com que ele seja extremamente apelativo aos fãs de RPGs japoneses antigos, da época do NES ou Super NES, mas suas contemporaneidades facilitam a sua adoção por um público mais jovem. Servir à toda a base de consumidores dos videogames é algo que todo jogo quer, mas nem todo mundo consegue fazer essa entrega.

Felizmente, Sea of Stars consegue.

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