Privacidade digital: quais dados brinquedos e dispositivos inteligentes podem coletar?
Rastreamento invasivo, reconhecimento de voz, gravação biométrica, detecção de ritmo cardíaco entre outros dados podem ser coletados sem que crianças e adultos saibamBy - Liliane Nakagawa, 7 dezembro 2021 às 18:06
Não são apenas os ambientes inteligentes com tecnologia interconectada que podem representar riscos à privacidade. Graças ao advento de produtos e serviços com foco em coleta de dados, gadgets e até brinquedos interativos se transformaram em verdadeiros objetos que normalizaram a vigilância sobre adultos e crianças.
Todas as pessoas sujeitas a esses produtos podem ter a privacidade ameaçada: rastreamento, reconhecimento de voz, gravação biométrica, detecção de ritmo cardíaco etc. Dispositivos conectados à internet que contenham microfone podem bisbilhotar seus donos, por exemplo.
Além disso, qualquer fabricante poderá converter as informações coletadas em dinheiro, comercializando-as para anunciantes e corretores de dados. Os clientes são variados, podem estender de governos a marqueteiros.
Sem saber o destino e para qual finalidade exata, seja para impulsionar anúncios mais bem dirigidos ou formar um vasto banco de dados, perfeitamente detalhado das pessoas, o futuro é incerto e o resultado dessa coleta massiva de dados pode nos conduzir a destinos que enredos distópicos de ficção científica já contaram.
Se os dados, muitas vezes comparados ao petróleo, também vazam, o uso de dispositivos inteligentes adiciona mais uma preocupação: mesmo que fabricantes se comprometam a nunca compartilhá-los, não há completa garantia de que eles não estarão sob controle de crackers.
E, apesar de vários países pelo mundo contarem com uma legislação específica para proteção de dados e privacidade dos cidadãos, multas bilionárias aplicadas a gigantes da tecnologia, como Google, Facebook e Amazon, ainda não foram suficientemente educativas para mudar o comportamento dessas empresas para com os terabytes de dados pessoais coletados diariamente.
Com a proximidade do natal, pensar em presentar uma criança com brinquedos inteligentes ou mesmo algum parente com alto-falantes smart pode ser uma boa ideia, caso ela seja cuidadosamente avaliada e levando-se em consideração os riscos à privacidade que essas pessoas estarão sujeitas ao novo presente.
Vale se perguntar ainda se a pessoa presenteada terá tempo, inclinação e capacidade para fazer alguns ajustes e ler termos de privacidade para que ela mesma não seja colocada em risco.
Abaixo, listamos algumas questões que podem guiar uma compra mais consciente.
Conectado à internet?
- Caso o dispositivo não tenha conexão com à internet, isso elimina grande número de potenciais problemas de privacidade, segundo Jason Kelley, diretor associado de estratégia digital da equipe de ativismo da EFF;
- Caso tenha, pergunte-se se os recursos habilitados para a web são realmente essenciais.
Câmera, microfone ou outros sensores?
- O combo de câmera, microfone e outros sensores, além de dispor de conexão à internet, precisa ser avaliada com cuidado, já que o dispositivo poderá ver e ouvir – o risco de bisbilhotarem os proprietários é grande;
- Esse risco foi uma das causas que a Mattel descontinuou o modelo “Hello Barbie”. Uma boneca inteligente lançada em 2015, sob fortes alertas de pesquisadores de segurança e defensores do consumidor.
Informação coletada
- As perguntas-chave na embalagem podem ajudar a verificar o quanto de dados pessoais são coletados pelo dispositivo;
- Nem sempre, infelizmente, o fabricante as disponibiliza, restando consultar a política de privacidade da empresa;
- Observe se ele coleta mais informações do que o necessário para suportar o uso pretendido e, claro, se eles são compartilhados com terceiros;
- Caso o fabricante afirme que os dados “podem ser vendidos a terceiros”, procure um produto diferente. A mesma escolha caso encontre compartilhamento com outros parceiros;
- É preciso ficar atento também à tática que empresas em coletar de dados pessoais sob disfarce de registro de produto. “É muito provável que algumas empresas estejam vendendo essas informações também”, disse Kelley em entrevista para o Los Angeles Times, ao observar com que frequência os formulários de registro perguntam sobre ocupação e renda média;
- Uma consulta à legislação sobre proteção de dados pode esclarecer mais sobre o ponto, se é preciso registrar um produto para ativar a garantia, por exemplo.
E os dados?
- Ao pensar nas margens estreitas e concorrência pesada, além do declínio nos preços para aumentar a venda desses produtos, é naturalmente lógico que haja a coleta de informações para transformá-las em produto;
- Por exemplo, a Roku, que conecta a TV inteligente a uma rica programação on-line, declarou ser uma empresa de publicidade dirigida, e não apenas uma fabricante de dispositivos. “O vizinho bisbilhoteiro e fofoqueiro dos dispositivos conectados“, apelidado assim pela Mozilla, constrói um banco de dados a partir de registros detalhados do que clientes veem e fazem na TV, depois ela vende essas informações às agências de marketing para que essas possam direcionar conteúdos com precisão;
- Entre cinco dispositivos que oferecem streaming avaliados este ano em um pesquisa da Common Sense Media, apenas a Apple não permitia o rastreio de hábitos de visualização de usuários e monetização os dados via anúncios direcionados;
- Para aprender mais sobre sobre venda de dados de um fabricante, a dica é ler sobre a política de privacidade, apesar de não oferecerem resposta para tudo, elas conseguem dar uma vaga imagem para onde os dados de um usuário vão;
- Outra dica é procurar por matérias e artigos sobre o modelo de negócio dessas empresas na web.
Riscos à privacidade
- Ajustar as configurações pode ajudar? Sim, é possível aparar a quantidade de informações coletadas, porém, não estará livre dela;
- Apesar da adoção de dispositivos com assistentes pessoais virtuais como Alexa, Google Assistente, Siri, Bixby etc, automatizarem diversas tarefas do dia a dia, é preciso estar ciente de que eles escutam o ambiente, e podem gravar e enviar quaisquer informações aos servidores dessas empresas. Neste caso, dificilmente será possível delimitar o quanto de dados pessoais elas irão coletar, já que esses dispositivos aguardam um comando que foram programados para reconhecer;
- Também, ao escutar um comando, é enviada a gravação da voz pela internet para ser analisada, às vezes por terceiros, o que levanta também questões acerca da privacidade;
- Não faltam relatos de famílias que acusam empresas de que os alto-falantes inteligentes estavam gravando sem autorização ou sem que percebessem, capturando informações pessoais sensíveis.
Comentários