Metaverso: a monetização de todo comportamento humano
Meta permanece tão Facebook como sempre: pioneira em coleta de dados e lucrando sobre eles, independentemente do custo socialBy - Liliane Nakagawa, 19 dezembro 2021 às 18:48
A exploração de dados para manipular o comportamento humano tem sido sempre o modelo de negócios do Facebook. Não é preciso um mergulho na história da rede social para descobrir que a proposta do Metaverso soa exatamente a mesma — torná-lo uma realidade para monetizar o comportamento humano.
Metaverso: playground digital onde as pessoas eram limitadas apenas por sua imaginação — o termo foi cunhado por Neal Stephenson em Snow Crash.
É impossível não olhar para esse pedaço de visão de Zuckerberg sobre o futuro e não pensar em um mundo tenebroso que os bilionários do Vale do Silício querem para nós. Apesar de mais se parecer um ‘The Sims’ da vida real, acredite, por trás dos avatares coloridos e da fuga da realidade como os jogos de videogame nos proporcionam, não há nada de inocente nessa existência utópica.
As ambições por trás da Meta, que permanece tão Facebook como sempre, exigem a criação de uma nova realidade como o Metaverso, no qual os dados íntimos sobre nossos comportamentos sociais e físicos possam ser capturados e explorados para fins de lucro, uma limitação intransponível dos ambientes de plataformas como Facebook, Instagram e WhatsApp.
Experiência privada humana como produto
A materialização da ideia por trás do Metaverso começa em 2014, quando o Facebook compra a Oculus e seu tímido fone de ouvido Rift por US$ 2 bilhões. Naquela época, não se sabia exatamente quais eram os planos da empresa para com a realidade virtual. Hoje, após incontáveis escândalos e o apetite insaciável do “Mr. Data Accumulator”, não nos restam dúvidas.
Dois anos depois da aquisição, o Facebook dizia que ainda “não tinha planos atuais” de usar dados de movimento físico — movimentos da cabeça e dos olhos como um meio de prever o comportamento — e oferecer anúncios. No mesmo ano, em uma demonstração tecnológica, Zuckerberg descreveu a Realidade Virtual como “a próxima grande plataforma de computação” — um espaço onde todas as nossas interações sociais se desenvolverão com novos níveis de presença física, graças aos fones de ouvido e controladores de movimento.
Em 2021, após a mudança de marca, que ocorre em meio ao intenso escrutínio pelo papel de disseminação de desinformação em todo mundo, reforçada por revelações da ex-funcionária do Facebook Frances Haugin; e o anúncio do Metaverso, nos dá a sensação de que as regulações que tentam corrigir o comportamento dessas grandes empresas não conseguem parar os planos de Zuckerberg, mesmo após tantas denúncias e fatos que o próprio Facebook nos provou ter custo social.
É seguro assumir que os algoritmos preditivos em funcionamento serão funcionalmente os mesmos do Facebook, mesmo estando sob a Meta — os dados coletados sobre comportamento humano que serão posteriormente usados para construir perfis de usuários, os quais servirão como base para direcionamento automático de conteúdos com mais chance desses interagirem.
Não se trata de uma aposta da empresa. A eficácia dessa manipulação foi comprovada pelo próprio Facebook em 2012 após uma experiência de “contágio emocional”. Conduzido secretamente, o experimento mostrou que ao modificar a alimentação de um usuário — mostrando conteúdo positivo e negativo — alterou os tipos de conteúdo que ele possivelmente publicaria.
Oculus: política de “privacidade”
A Oculus declara especificamente que ela coleta “movimentos e dimensões físicas” dos usuários a fim de “personalizar suas experiências com base em suas atividades on-line” e direcionar “anúncios para você”.
Além disso, a empresa pertencente à Meta reivindica o direito de compartilhar essas informações com terceiros, acessá-las e guardá-las para fim de “detectar, prevenir e combater fraudes ou outras atividades ilegais”, e também de receber informações “incluindo aplicativos de terceiros, desenvolvedores, outros provedores de conteúdo on-line e parceiros de marketing”.
Em abril de 2016, a mineração de dados extensiva da Oculus levou o senador americano Al Franken a enviar uma carta ao CEO da empresa, Brendan Iribe, expressando preocupação com a privacidade dos usuários do Oculus Rift. “Acredito que os americanos têm um direito fundamental à privacidade. E esse direito inclui o acesso de um indivíduo a informações sobre quais dados estão sendo coletados sobre ele, como os dados estão sendo tratados e com quem os dados estão sendo compartilhados”, escreveu Franken.
Manipulação algorítmica: o modelo de negócios do Facebook e outros apps e plataformas sociais
Como Shoshanna Zuboff, emérita de Harvard, descreveu em “Secrets of Surveillance”, artigo publicado em 2015, o objetivo das plataformas sociais algorítmicas é “mudar o comportamento real das pessoas em escala […] identificar bons e maus comportamentos e desenvolver maneiras de recompensar os bons e punir os maus”.
O flerte com ficções distópicas como “Admirável Mundo Novo” não é por acaso, a manipulação psicológica e condicionamento clássico que se combinam para mudar profundamente a sociedade parece antecipar o ano de 2540 de Huxley cada vez mais para os nossos dias.
De acordo com pesquisadores, o “empurrão” algorítmico também é possível em espaços virtuais incorporados, de forma que a coleta de dados íntimos de movimento físico forneça maneiras de influenciar o comportamento humano em larga escala.
Apesar de contestada por especialistas em Inteligência Artificial, empresas como RealEyes e Affectiva afirmam que a tecnologia vendida com base em IA é capaz de prever as emoções humanas por meio da análise da linguagem corporal e expressões faciais. Além disso, essa contínua e ampla implantação do modelo defendido por essas empresas têm encontrado base em um estudo considerável, o qual determina que os avatares digitais controlados pela IA podem ser usados em espaços virtuais para empurrar as pessoas a aceitarem certas visões políticas.
O investimento de US$ 10 bilhões em negócios de RV representa a mesma intenção para o qual o Facebook tem apostado e comprovado — a arte de coletar dados, da qual foi pioneira, e usá-los para algoritmicamente captar a nossa atenção transformando-a em cifras, independentemente do quanto isso pode nos custar como sociedade.
Expansão da coleta de dados para além dos 3,5 bilhões de usuários
A imersão no sonho bizarro do Vale do Silício será possível para aqueles que ainda não se sentem confortáveis em encher suas casas virtuais com itens digitais comprados em um mercado on-line.
Segundo o The New York Times, a Meta tem discutido a abertura de lojas de varejo pelo mundo — o distrito de Burlingame, na Califórnia, nos Estados Unidos, parece ter sido o local escolhido para o projeto-piloto para outras unidades.
As lojas, segundo fontes com conhecimento do projeto e documentos internos, seriam usadas para apresentar às pessoas dispositivos feitos pela divisão Reality Labs da empresa, tais como fones de ouvido de realidade virtual e, eventualmente, óculos de realidade aumentada.
De acordo com a empresa, a ideia é “oferecer uma experiência acolhedora, livre de julgamentos e em um espaço adequado para testes, o que poderia impulsionar a venda dos acessórios”.
Com informações de Wired, Vice, Harvard Business Review, The New York Times e Engadget
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