Google, Amazon, Apple e Microsoft usaram ouro ilegal de terras indígenas brasileiras, diz documento
Arquivos públicos das empresas confirmam compra vinda de duas refinadoras, cujo minério teria saído garimpos ilegais na Amazônia; ambas são alvos da Polícia Federal e MPFBy - Liliane Nakagawa, 26 julho 2022 às 19:29
Parte do ouro usado em iPhones e notebooks da Microsoft, igualmente em servidores do Google e Amazon, têm origem de garimpos ilegais na Amazônia, mais precisamente extraído de território indígena, de acordo com a reportagem do site Repórter Brasil, baseada em documentos da Polícia Federal.
Entre 2020 e 2021, o minério adquirido por diversas refinadoras, entre elas a fornecedora italiana Chimet, investigada pela PF por comprar a matéria-prima de garimpos na Terra Indígena Kayapó; e a brasileira Marsam, alvo do Ministério Público Federal por provocar danos ambientais pela extração de ouro ilegal, foi usado na produção de componentes eletrônicos da empresas de tecnologia citadas, de acordo com os arquivos públicos da Amazon, Apple, Microsoft e Google.
Por lei, elas são obrigadas a informar à SEC (Securities and Exchange Commission, ou Comissão de Valores Mobiliários dos EUA, em tradução livre) a lista dos fornecedores de ouro, estanho, tungstênio e tântalo. Embora os documentos apontem a aquisição via Chimet e Marsam nos dois referidos anos, há citações em relatórios anteriores das mesmas refinadoras como fornecedoras.
De acordo com documentos policiais, a Chimet é acusada pela PF de comprar milhões de dólares em ouro do comerciante CHM do Brasil, supostamente adquirido da TI Kayapó. À Reuters, a CHM do Brasil por meio de um advogado afirmou que todo o ouro foi adquirido legalmente com documentação apropriada.
Legislação brasileira, certificadoras e o metal contaminado
Embora Chimet e Marsam tenham certificações — LBMA (The London Bullion Market Association) e a RMI (Responsible Minerals Initiative), respectivamente — cujas propostas são de “buscar engajamento corporativo sustentável”, garantindo maior transparência no setor minerário por meio de auditorias em combate a violações de direito humano, lavagem de dinheiro, segundo o site das próprias organizações; Payal Sampat, diretora do programa de mineração da Earthworks, que pesquisa sobre impactos da atividade, é cética quanto o trabalho da RMI: “não são confiáveis”.
A certificadora citada por Payal diz fornecer “informações [das refinadoras] para que as empresas possam tomar decisões de abastecimento mais embasadas” em auditorias, entretanto, “não certifica ou promove refinarias como ‘confiáveis e sustentáveis’, segundo nota enviada ao RB. A organização tem como associadas empresas de diversos setores, entre eles tecnologia, aviação, indústria automobilística e empresas de entretenimento — a maioria mundialmente conhecidas, que ao todo se somam 400.
Um estudo da UFMG de 2021 aponta que 28% do ouro brasileiro tem origem comprovadamente ilegal. “O Brasil não dispõe de mecanismos confiáveis de rastreabilidade do ouro, por isso há um risco grande de se certificar metal contaminado por violações de direitos humanos em terras indígenas da Amazônia”, diz Rodrigo Oliveira, assessor jurídico do ISA (Instituto Socioambiental). “Neste cenário, o papel da SEC é fundamental, uma vez que sociedade e investidores confiam na transparência e veracidade das informações por ela publicadas”.
Entretanto, Payal lamenta a atitude da Comissão de Valores Mobiliários estadunidense. “Tanto a SEC quanto as empresas americanas fecham os olhos para a origem do ouro que chega no país”, diz a diretora com organização sediada em Washington D.C.
A extração de ouro de garimpos clandestinos ou áreas protegidas, embora inconstitucional, encontra uma brecha na lei nº 12.844, de 19 de julho de 2013, que regula a compra, venda e transporte do minério. Segundo ela, a declaração de origem do metal conta com a “boa fé do vendedor”, desta forma, isentando de qualquer responsabilidade os eventuais compradores do produto. A partir daí, passando a ser “legalizado”, o metal pode ser comercializado a refinadoras, bancos, governos, joalherias etc., sem qualquer restrição.
Apple entre o silêncio da Amazon, Google e Microsoft
Em nota, enviada em maio, a Apple disse que seus “padrões de fornecimento responsável são os melhores do setor e proíbem estritamente o uso de minerais extraídos ilegalmente” e que “se uma fundição ou refinadora não conseguir ou não quiser atender aos nossos padrões rígidos, nós o removeremos de nossa cadeia de fornecimento”. Dois meses depois deste contato, a Apple afirmou ter removido a Marsam da lista de fornecedores, entretanto, a Chimet ainda continua apta.
Amazon, Google e Microsoft se negaram a comentar, embora não tenham poupado palavras nos relatórios entregues ao governo norte-americano, com intenções de sustentabilidade, transparência e proteção socioambiental.
Operação Terra Desolata
A operação que leva o nome em italiano, não à toa, começou a ser investigado em outubro do ano passado. A PF descobriu uma organização criminosa envolvendo cooperativas, empresas e funcionários no sul do Pará, explorando ouro ilegal da TI Kayapó, uma das tribos mais prejudicadas com a prática.
Embora a operação ‘Terra Devastada’, em tradução livre, tenha bloqueado R$ 469 milhões dos investigados, três meses depois, todos os detidos foram libertados graças ao habeas corpus.
Contaminação, crime organizado e lucro
Apesar do desmatamento da floresta, da contaminação de rios por mercúrio e o histórico de violência provocados pelo garimpo ilegal na Amazônia, as declarações de responsabilidade ambiental das empresas da Big Tech faz jus apenas ao lucro apresentado por elas no quarto trimestre de 2021: juntas, elas faturaram US$ 74 bilhões — valor equivalente a duas vezes o PIB de Camarões.
O silêncio das três empresas mais valiosas do mundo e a escolha por manter uma investigada da PF por obter matéria-prima de garimpos ilegais traduz não apenas a despreocupação com a real origem do ouro, mas o completo desprezo com os conflitos, mortes e extinção do que se compromete, por escrito, a proteger.
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