O FBI (Federal Bureau of Investigation) usou indevidamente o poder de vigilância mais de 278 mil vezes entre 2020 e início de 2021, para fazer buscas sem mandado a manifestantes do protesto ao assassinato de George Floyd, invasores do Capitólio e doadores de uma campanha do Congresso, segundo um parecer de abril de 2022, tornado público mais de um ano depois pelo Tribunal de Vigilância de Inteligência Estrangeira (FISC).

FBI abusa de lei de espionagem mais de 278 mil vezes em um ano de forma 'persistente e generalizada', diz tribunal

Imagem: Noah Wulf, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

O documento até então classificado detalha centenas de milhares de violações à Seção 702 da Foreign Intelligence Surveillance Act — FISA (Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira, em tradução livre), instrumento legislativo que permite a espionagem sem mandado de chamadas telefônicas, mensagens de texto e e-mails entre estrangeiros e estadunidenses.

As agências de inteligência podem fazer buscas cerca de três níveis abaixo nos dados — com quem o suspeito falou, com quem esse contato falou e a próxima linha no link de comunicação. Essas informações são armazenadas em grandes bancos de dados, dos quais FBI, CIA e NSA podem vasculhar as comunicações sem que tenham um mandado para justificá-la.

Embora a Seção 702 permita que o governo federal espione civis estrangeiros fora dos EUA, teoricamente para evitar atos criminosos e terroristas, o tribunal considerou que os federais o fizeram de forma “persistente e generalizada”, repetidamente deixando de justificar adequadamente a necessidade de varrer as comunicações de estadunidenses utilizando-se de uma lei destinada a estrangeiros.

Em um caso mais recente, “o analista que realizou a consulta informou que a campanha era alvo de influência estrangeira, mas a NSD determinou que apenas oito identificadores usados na consulta tinham vínculos suficientes com atividades de influência estrangeira para cumprir o padrão de consulta”, diz o parecer, referindo-se à Divisão de Segurança Nacional (NSD) do Departamento de Justiça. Ou seja, não havia vínculo estrangeiro forte o suficiente que justificasse totalmente a busca de comunicações.

O exagero do poder de vigilância foi repetido em buscas sobre protestos do Black Lives Matter, cuja determinação da divisão foi de que os analistas do FBI “não tinham probabilidade razoável de obter informações de inteligência estrangeira ou provas de um crime”. Outras “violações significativas do padrão de consulta” ocorreram com relação às buscas sobre a violação do Capitólio dos EUA, investigações de tráfico de drogas e gangues domésticas e sondagem de terrorismo doméstico, de acordo com o tribunal.

O documento diz que mais de 23 mil consultas foram feitas sobre pessoas suspeitas de invadir o Capitólio em 6 de janeiro de 2021.

Longo histórico de uso indevido da lei de espionagem

Embora a legislação não deva ser usada para espionar norte-americanos, o governo tem se utilizado dela rotineiramente para vigiar ativistas, jornalistas e outros dissidentes norte-americanos sem um mandado.

A pressão para que o poder de polícia seja finalizado tem aumentado desde as revelações de Snowden; os recentes documentos judiciais acrescentam ainda mais argumentos para o lado dos opositores à Seção 702. Embora esteja programada para expirar até o fim do ano, isso ainda poderá mudar caso o Congresso a renove.

“Esses abusos vêm ocorrendo há anos e, apesar das recentes mudanças nas práticas do FBI, essas violações sistemáticas da privacidade dos americanos exigem uma ação do Congresso”, disse o senador norte-americano Ron Wyden (D-OR) em um comunicado. “Se a Seção 702 for reautorizada, deve haver reformas estatutárias para garantir que os controles e equilíbrios estejam em vigor para pôr fim a esses abusos.”

 

Via The Register

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