Durante o penúltimo – e mais movimentado – dia do BIG Festival 2023, nossa equipe conseguiu se sentar com Takashi Tokita, diretor, produtor e designer da Square Enix e que, pela publisher japonesa, viu seu nome assinar títulos grandiosos desde 1985, desde o recente Live a Live até clássicos ainda mais memoráveis, como Parasite Eve, Final Fantasy IV e Chrono Trigger.

Franzino, pequeno em tamanho mas enorme em voz, “Tokita-san” é uma figura notável: ao mesmo tempo em que se desculpa por não dominar completamente o inglês, o homem se preocupa em entregar sua mensagem de forma que nenhuma barreira de idioma poderia impedi-lo – e com isso, pudemos conversar sobre diversos assuntos, desde o estado atual do gênero de RPG, se o lámen do Brasil é tão lámen quanto o da Ásia, as críticas posicionadas sobre Final Fantasy XVI e, talvez os assuntos mais evidentes que envolvam o seu nome, remakes de Chrono Trigger e Parasite Eve.

Foto mostra o diretor, designer e produtor de jogos Takashi Tokita, da Square Enix

Imagem: Rafael Arbulu/blog KaBuM!

Entrevista: Takashi Tokita, diretor da Square Enix

Os jogos de RPG têm ganhado uma evidência renovada até mesmo quando inseridos em outros gêneros – de games de outros gêneros até jogos de tabuleiro. Desde o momento em que você entrou para a Square Enix, em 1985, até hoje, você certamente viu algumas mudanças no setor. Por curiosidade, qual a sua visão do gênero atualmente?

Essa é uma pergunta interessante. Nós tínhamos menos tecnologia naquela época – o Famicon [o nome do “Nintendinho” no Japão] era o principal console e, hoje, temos tudo, até mobile – o que nos permite jogar games novos e também velhos: lançamos Chrono Trigger e vários Final Fantasy no celular, por exemplo.

Eu sempre pensei que o conteúdo é o entretenimento, então eu vejo o RPG como uma estrutura narrativa, para contar uma boa história, e a tecnologia atual nos permite fazer isso de toda maneira. Mas acima de tudo, ela tem que ser algo emocional, para que o jogador se sinta dentro do jogo. Independente de como o gameplay muda, isso é algo que o RPG sempre vai ter mais que os outros.

Final Fantasy XVI saiu recentemente e, mesmo que ele não seja “seu” jogo, necessariamente, você provavelmente viu algumas das críticas que o título recebeu – sobretudo nas mudanças de gameplay e abordagem narrativa mais “adulta”. É fato que a franquia toda deixou para trás um padrão antigo de gameplay em favor de mecânicas mais contemporâneas mas, de uma forma geral, você vê essas mudanças como algo positivo?

Eu na verdade ainda não joguei Final Fantasy XVI [risos]. Em meio a viagens, compromissos e visitar o Brasil [Takashi Tokita foi um dos palestrantes principais do BIG Festival], eu ainda não tive tempo. Mas olhando de forma prática, todo Final Fantasy teve mudanças, seja nos personagens, na narração, no gameplay…o nosso objetivo com a criação de um RPG é criar desafios – como criadores, nós queremos levar experiências. E isso vale para o gênero como um todo.

Ao longo da sua carreira, você experimentou usar elementos do RPG em outros gêneros – seja em um jogo com “pegada” de ação como Parasite Eve ou abordagens tradicionais como em Chrono Trigger. Como você lida com as diferenças de cada formato?

A vantagem do RPG é que ele usa as mecânicas para contar a história, e não o contrário. Então é um sistema que podemos aplicar em qualquer situação – Parasite Eve é mesmo um jogo de ação, mas muitos de seus elementos o diferenciam de outros títulos por causa disso. Nossos jogos são do tipo em que o jogador pode ajustar tudo – nossas criações envolvem um personagem principal, de Aya Brea [protagonista de Parasite Eve] a Clive Rosfield [de Final Fantasy XVI], mas a sua progressão, história, interações com NPCs, como eles se comportam em relação ao mundo…isso é para o jogador determinar.

Isso dito, você acha que há espaço para introduzir elementos de RPG em todos os jogos? Ou o gênero deveria permanecer como algo próprio?

Definitivamente, há espaço para ambas as abordagens. Se pegarmos, por exemplo, o combate baseado em turnos ou o sistema de ação em tempo real, eu mesmo tenho uma preferência por lutas em turnos. Para mim, ele traz mais ações que você não pode repetir, no sentido de que você tomou uma decisão e não pode voltar atrás nela, estrategicamente falando. Para mim, é mais desafiador.

Mas o mais importante é fazer com que o gameplay “case” bem com a história, então podemos dizer que a ação em tempo real também é uma ótima receita a ser seguida. E isso vale para qualquer gênero, não só o RPG.

Falando nele, aliás: Parasite Eve é um dos jogos mais lembrados da Square Enix quando o assunto é “remakes”. Considerando que jogos similares – como Resident Evil da Capcom – vêm ganhando remake atrás de remake, há espaço na indústria para um retorno do “seu” game de terror, seja um remaster, remake ou, quem sabe, até uma sequência completa?

Quando eu estava produzindo Parasite Eve no Japão [setembro de 1998], nós criamos uma experiência mais baseada na progressão, com câmeras fixas, mas introduzindo elementos de RPG da época, como batalha por turnos. Pela minha experiência, algo assim provavelmente seria um projeto com um visual next gen, tipo um filme…seria um projeto bastante desafiador.

Eu não sei se a Square Enix já pensou nisso, mas eu prefiro me preocupar apenas com novos projetos, novas IPs. Eu posso até pensar na ideia às vezes, mas sempre direciono meu foco para novas ideias. Se eu gostaria de jogar um Parasite Eve na geração atual? Talvez, mas não é algo que eu esteja fazendo agora.

Mas você toparia comandar um projeto desse? Ou mesmo de Chrono Trigger, como vimos um fã produzir recentemente?

Aceitaria sim, mas veja: um jogo de RPG, da forma que eu vejo, é como se fosse um prato de lámen: na prática, a receita é sempre a mesma – você tem o macarrão, o molho e os temperos – seja ele feito aqui no Brasil ou no Japão. E os dois são muito válidos.

Mas existe a ideia de se comer algo “igual” depois de anos sem experimentá-lo, ou então feito por uma abordagem diferente da original, que pode trazer sensações especiais, diferenciadas, mesmo que o produto seja o mesmo.

Um remake de Chrono Trigger [ou Parasite Eve] seria algo mais atraente a quem jogou os títulos originais pela nostalgia, os pais da geração de jogadores atual. Os mais novos dificilmente poderiam descrever a sensação de “nostalgia” porque, bem, porque eles não jogaram os originais – ou jogaram depois, por emulação ou algum relançamento.

Projetos assim têm que ser revisados antes de qualquer coisa, para expressar a emoção certa, no jogador certo. Não dá para dizer como seria sem estar ativamente trabalhando nisso.

Finalmente, já que estamos falando sobre Chrono Trigger: você com certeza sabe dos rumores sobre o jogo ter ou não um remake – especulações sobre isso aparecem de tempos em tempos. Isso é algo que a Square Enix quer explorar? Se isso acontecer, você faria algo ultra realista como foi com Final Fantasy VII ou seria melhor uma arte mais livre, como em Octopath Traveler?

No Japão, as duas principais franquias de RPG são, obviamente, Final Fantasy e Dragon Quest. Esses são os que os fãs de lá mais pedem. Muitas pessoas têm enormes lembranças de Chrono Trigger, é algo com um apelo emocional para as gerações mais velhas [Chrono Trigger foi originalmente lançado em março de 1995], que jogava no Super Famicon [Super NES].

Para fazer algo assim hoje, teríamos que repensar as visualizações cinemáticas, porque hoje a história é contada em uma mistura de gameplay e filme. Eu não sei dizer como seria pois eu não posso afirmar como todas as pessoas querem jogar um certo produto – é bem difícil saber por qual das duas vias eu seguiria porque as duas têm seus méritos.

Quando pensamos em jogos como Live a Live [que Tokita também dirigiu], os jogadores têm uma ampla variedade de escolhas, e isso é algo muito importante em um RPG. Mas também pode ser um problema, pois outras pessoas preferem algo mais dinâmico, como os Final Fantasy mais novos.

Então eu realmente não saberia como fazer isso agora…

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