Há pouco mais de um ano, nascia o Rockets Audio, o mais novo estúdio de dublagem focado em videogames localizado em São Paulo. No portfólio da empresa estão trabalhos de dublagem em português para títulos grandes como Ghostwire: Tokyo e Atomic Heart, além de Squad 51, jogo brasileiro que foi localizado para o inglês. 

O Rockets Audio foi fundado por meio de uma parceria que soma mais de 20 anos de experiências no segmento, com profissionais que atuam na gestão e produção de projetos de áudio desse gênero desde o final dos anos 90: Carlos Cassemiro e Cristiano Prazeres. Em uma conversa com o blog KaBuM!, os sócios fundadores contaram um pouco sobre suas experiências no mercado de dublagem de games e suas participações em projetos de localização — uma jornada repleta de histórias interessantíssimas.

As mentes por trás do Rockets Audio

Carlos, por exemplo, começou em 1997 na Electronic Arts (EA), quando a marca começou sua operação no Brasil com jogos para PC, e ficou até 2006. “Eu entrei para cuidar da área de operações, que envolvia a parte de produção de disco, caixinha, gráfica, armazém, distribuição, tudo… E em operações tinha a parte que ficava a localização”, explica.

Carlos Cassemiro e Cristiano Prazeres, sócios fundadores do Rockets Audio

Carlos Cassemiro (à esq.) e Cristiano Prazeres (à dir.), sócios fundadores do Rockets Audio (Imagem: Divulgação)

O primeiro contato de Carlos com a dublagem para videogames foi com FIFA 99, um dos primeiros projetos localizados pela EA na época. “Não tinha nenhuma voz conhecida de narradores tradicionais de futebol, eram atores de dublagem mesmo”, conta o cofundador do Rockets Audio.

Antes da EA abrir uma produção própria, vale lembrar que seus jogos eram distribuídos por meio da BraSoft, desenvolvedora e publisher brasileira que localizava jogos de outros estúdios, incluindo os clássicos Grim Fandango e Escape from Monkey Island, ambos da LucasArts.

“Aí quando a EA entrou [diretamente no mercado brasileiro], ela começou a fazer [a localização] dos jogos dela: FIFA, Need For Speed… Tivemos um grande projeto que foi Harry Potter, que tinha elenco, muitas vozes, toda a questão artística, aprovações e tudo o mais”, conta Carlos. Nesse meio tempo, contudo, a companhia passou a representar algumas dessas publishers aqui no Brasil, como a LucasArts, CodeMasters, e até mesmo a Ubisoft.

Já Cristiano Prazeres trabalha com áudio há quase 25 anos — desde 1999. Ele conta que começou diretamente com videogames após sair de uma produtora, e em 2011, ele abriu seu próprio estúdio de dublagem de jogos, a Maximal Studio. “Em 2012 eu conheci o Carlos e o meu primeiro projeto de localização foi trabalhando junto com ele. De lá para cá, o resto da história”, ele conta. Na época, os dois trabalhavam em uma agência de localização, focando mais em tradução.

“Veja bem: de 1997 a 2012 ainda não existia algo muito formal de estúdios no Brasil que faziam dublagem de games”, explica Carlos. “Os estúdios que cuidavam de games eram estúdios de dublagem [convencionais]. Então a gente começou, a partir daí, a organizar um pouco melhor [o segmento] junto com essa agência”. Depois de começar a trabalhar com Cristiano, que tinha aberto o Maximal Studio, “juntou a fome com a vontade de comer”, diz o cofundador.

Pirataria, inteligência artificial e grande elenco (de desafios)

Embora os jogos de PC estivessem recebendo tratamento especial com textos e vozes em português, nos consoles a história era diferente. Os títulos exclusivos lançados para plataformas de fabricantes como a Sony ou a Nintendo não eram localizados, salvo raras exceções.

Um dos estúdios do Rockets Audio

Imagem: Rockets Audio/Reprodução

“Teve um grande um hiato aí de localização por causa da pirataria, na geração do Playstation 2. Os estúdios de desenvolvimento não investiam no Brasil. Não decolava”, lamenta Cristiano. “Eram [projetos] muito específicos que eram localizados, e que vendiam muito para compensar. Se vendia menos não valia a pena porque no dia do lançamento, chegava o jogo. E no dia seguinte, já tinha a versão pirata”, explica Carlos.

Quando chegou a geração do PlayStation 3 e do Xbox 360, no entanto, a narrativa começou a mudar. Como esses consoles eram um pouco mais difíceis de desbloquear, os games originais começaram a vender mais. A trajetória também nos mostra que houve um investimento maior no setor de videogames nessa época, com hardwares fabricados e discos prensados em solo brasileiro.

Todavia, o ponto de virada, segundo Carlos, foi o multiplayer online. Para participar de sessões online cooperativas ou competitivas com outros jogadores, era necessário que o console não fosse desbloqueado. Do contrário, a conta do usuário seria banida.

Ainda falando sobre as dificuldades enfrentadas nesse segmento, Cristiano revela que o trabalho em si não é tão desafiador, mas com a evolução tecnológica, o investimento em cibersegurança cresceu muito mais, incluindo equipamentos de firewall e outros recursos de proteção para que as informações não vazem.

Às vezes, também acontece de o cliente exigir um equipamento específico de gravação para o estúdio, e muitas dessas ferramentas não existem no Brasil. Por último, mas não menos importante, Carlos cita ainda a inteligência artificial (IA) como uma tecnologia para se ficar de olho. 

“Pode impactar a gente e a forma com a qual trabalhamos com os atores. A gente acredita que nada substitui os nossos atores… a interpretação e a emoção humana”, diz. “É muito difícil. Mas a velocidade com que os jogos são desenvolvidos e do jeito que as coisas estão indo, a gente não sabe. Estamos acompanhando, nos mantendo informados e acompanhando para ver o que vai acontecer e como reagir”.

Regulando o mercado

Cristiano e Carlos também desempenharam papéis importantes na regulação da dublagem de jogos no Brasil. Quando questionados se existe uma demanda para que, em jogos de franquias grandes — como Harry Potter, por exemplo —, os dubladores dos filmes sejam os mesmos nos games, os sócios fundadores do Rockets Audio esclareceram que tudo depende muito da equipe que está gerenciando o projeto.

A dupla citou Marvel’s Avengers como exemplo. Eles trabalharam no projeto de dublagem do jogo lançado em 2020, e trouxeram parte do elenco dos filmes, mas a outra parte foi feita com um elenco novo. “Tudo depende do que o cliente pede”, diz Cristiano. “Os clientes sabem, inclusive, das dificuldades envolvidas”, completa Carlos. 

Em seguida, ele mencionou que Os Cavaleiros do Zodíaco: Alma dos Soldados, foi um trabalho bastante complexo de organizar — embora não tenha participado do projeto. Por outro lado, Carlos revela ter trabalhado em três games da franquia Batman: Arkham: “Na época o cliente pediu as vozes originais. Isso gerou uma necessidade, e a gente teve que trabalhar com o elenco do Rio [de Janeiro], que tem métricas diferentes [dos dubladores] de São Paulo”.

Ainda que existissem discussões para que os procedimentos de trabalho fossem parecidos e as oportunidades fossem equivalentes para os dubladores de ambos os estados, a tentativa de regular o mercado gerou certo atrito. Apesar de não ter entrado em detalhes, Cristiano relata que o Maximal Studios começou a implantar um “padrão mundial” nessa época. “Tem uma lógica atrás, uma matemática que funciona. Não é criado da nossa mente. E mundialmente se pratica assim mesmo. A gente trouxe isso porque discutindo, ela faz sentido, ela funciona, e remunera bem”, explica Carlos. Essas métricas internacionais, por sinal, já eram trazidas pelos próprios clientes. “Eles já traziam para a gente como era para ser trabalhado aqui”.

Quanto a Harry Potter, o sócio fundador relata que na época, foi foi sugerido usar o elenco original do filme no jogo. Porém, existia uma dificuldade de logística que era bem mais complicado e que iria encarecer demais o projeto. Por isso, a maioria das vozes do game eram diferentes das dos do filmes. “O que a gente procura é: se tem sequência do jogo, mantemos as mesmas vozes. Não trocamos as pessoas. Só se realmente for uma situação muito extrema”.

Decolando na dublagem de jogos e além

Se Cristiano e Carlos já estavam em um estúdio consolidado antes, por que fundar outro — no caso, o Rockets Audio? “Um dos motivos de a gente ter saído de uma multinacional mais burocratizada, digamos assim, é justamente para entrarmos no mercado de novo e fazer coisas diferentes. Gostamos de novos desafios”, explica Cristiano.

Logotipo do estúdio Rockets Audio

Imagem: Rockets Audio/Reprodução

Com seis funcionários e inúmeros freelancers que prestam serviços diversos, o Rockets Audio atualmente também é muito forte no mercado de audiobooks. “Fazemos projetos de ensino de línguas de espanhol e de inglês. Atendemos uma boa parcela do mercado nesse segmento”, revela Cristiano.

“A empresa cresceu bastante. Hoje em dia, a gente faz o serviço completo: desde a pré-produção até a análise. Todo o material chega quadrado e a gente ajuda a arredondar: revisa, traduz se precisar antes de gravar, ajusta os áudios, prepara tudo… faz escolha de elenco”, destaca Carlos.

“A gente conseguiu trazer esse expertise e organizar aqui com algumas ferramentas que nós desenvolvemos. E então, conseguimos otimizar o processo, desde a pré-gravação em si, até a pós em alguns casos… porque tem cliente que pede o projeto já pronto”, ele complementa.

O processo de pós-gravação, de acordo com Carlos, pode ser algo simples (como um controle de qualidade, por exemplo), ou algo mais complexo, como a finalização do trabalho como um todo. Isso significa que o estúdio fica responsável por todo o processamento e sincronização, e apenas entrega os áudios do jeito que o jogador escuta no jogo.

Tudo depende, é claro, da publisher. Quanto mais completo for o trabalho, mais material de apoio a distribuidora entrega para o estúdio de dublagem, incluindo cinemáticas para que os dubladores possam assistir enquanto gravam e assim, entender melhor o contexto das falas. Em contrapartida, empresas como a CD Projekt Red e a Blizzard, geralmente enviam apenas o script e uma biografia dos personagens.

Isso não acontece de propósito. O que ocorre é que muitas vezes o áudio original em inglês ainda nem foi gravado quando o trabalho de dublagem em outros idiomas tem início. “Tudo depende da agenda de produção do jogo”. Em casos assim, “o diretor tem que ser mais fera”, segundo Carlos. Isso porque o profissional encarregado pelas gravações não tem referência, e precisa entender os personagens e discuti-los com os atores.

O sócio fundador, inclusive, ressalta que a Blizzard tem um cuidado enorme com o trabalho de dublagem, já que eles se preocupam muito com os jogadores: a empresa acompanha todas as gravações e envia sempre um linguista junto (que opina e ajuda bastante). Então, mesmo que uma dublagem desse tipo tenha mais retakes que o normal, “você vê que o resultado é diretamente proporcional ao sucesso que o jogo faz, né?”, finaliza Carlos.

Quer ser dublador de games?

“Não adianta só gostar de videogame”, adianta Carlos. Para quem deseja trabalhar com dublagem de jogos, Cristiano indica fazer o curso de ator e depois, cursos de idiomas e/ou treinamentos em localização. Ele também ressalta que existem outros cargos em estúdios de dublagem, como gerente de projeto, controle de qualidade, técnico de áudio, etc. 

“Você não tem pessoas formadas para trabalhar nesses outros postos. E é complicado porque você precisa contratar pessoas que não tem esse conhecimento e treiná-las. Pra gente, como empresa, isso acaba sendo um obstáculo”.

Entrevista com os sócios fundadores do estúdio Rockets Audio

Imagem: blog KaBuM!/Jessica Pinheiro

Embora a dublagem de jogos não seja sindicalizada em São Paulo, Cristiano reitera que o Rockets Audio trabalha apenas com atores que possuem DRT, um registro profissional que indica que a pessoa é capacitada e tem autorização legal para trabalhar com atuação.

Para dublar videogames, portanto, não é obrigatório ter uma DRT, mas é recomendado, pois o documento facilita a busca por trabalhos de dublagem. “Apesar de ser chamado dublagem, o processo com videogames é bem diferente da dublagem tradicional, como se fosse um filme ou um anime”, sugere Carlos.

Isso não significa que um é mais difícil e o outro mais fácil. Basicamente, são apenas distintos, e a diferença reside no processo: quando o ator precisa dublar um filme, a imagem é exibida enquanto ele sincroniza as falas. 

Enquanto isso, na dublagem de jogos, a grande maioria dos trabalhos oferece apenas o áudio como referência, e o script — não tem vídeo algum, o que ressalta ainda mais a importância de um diretor preparado nesse segmento. Além disso, as falas são feitas de maneira independente: muitas vezes os dubladores gravam os áudios todos separados uns dos outros, sem muito contexto.

Orgulhos do passado, mas de olho no futuro

Aproveitando o papo, os sócios fundadores falaram também sobre os projetos em que mais gostaram de trabalhar. Cristiano cita The Last of Us: Parte II (dublagem que ele gerenciou enquanto era do Maximal Studios) como sua obra-prima de todos os tempos, mas destaca Atomic Heart como o maior orgulho do Rockets Audio.

Já Carlos cita a franquia The Sims como um projeto do coração. Mesmo que tenha sido um trabalho só com texto, há um carinho enorme porque, na época do lançamento do primeiro game, ele trabalhava com suporte técnico e recebia feedback dos consumidores. Entre as dublagens mais recentes, o destaque fica para a parceria feita com a Blizzard: “Foi legal em todos os aspectos porque era bem estruturado e centralizado”.

Pensando no futuro, a dupla também revela as franquias com as quais sonham em trabalhar um dia: a realização máxima para os dois é gerenciar um game da franquia Grand Theft Auto e demais títulos da Rockstar Games, que geralmente recebem apenas legendas em português brasileiro. Cristiano e Carlos, inclusive, se adiantaram imaginando vozes com sotaque caipira para Red Dead Redemption — e eu não sabia que queria tanto isso até este momento.

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