A sétima entrada da franquia “Transformers”, intitulada “O Despertar das Feras”, traz a franquia de brinquedos da Hasbro às telonas em mais uma produção da Paramount com ares megalomaníacos, ainda que, desta vez, sem o nome do diretor Michael “meu-currículo-é-explosões” Bay e com a missão duríssima de revitalizar uma série filmográfica combalida desde…bem, desde sempre.

E, bem, o filme falhou na missão. Grosseiramente. Ao unir a linha principal de veículos automotivos que se transformam em robôs gigantes à parte auxiliar (animais grandes que…viram robôs gigantes), o novo Transformers ambiciona cativar diversos fãs dos bonecos e quadrinhos em uma só mídia – mas o roteiro fraco e a progressão narrativa esburacada acaba perdendo todos.

Começando do início, Transformers: O Despertar das Feras começa com os “Maximals” (a linha dos animais que mencionei acima) lutando para defender seu planeta “estranhamente-similar-à-Terra-mas-que-não-é-a-Terra” de uma ameaça super poderosa (aqui, representada por Omicron, uma espécie de divindade maquinada que devora planetas – pense em Galactus, da Marvel, só que em forma de robô). Aqui, o dispositivo narrativo se chama “chave trans warp”.

Logo de cara, já temos o primeiro problema: este prólogo, deveras longo, falha em determinar a real ameaça de Omicron e a real importância do artefato, simplesmente porque esse é literalmente o começo de quase todos os outros Transformers já lançados. a função da chave trans warp é a de abrir um portal no espaço e tal portal permite que os robôs que dão nome ao filme voltem para casa.

Percebeu a semelhança? Troque “chave trans warp” pela “All Spark” do primeiro filme e você tem exatamente a mesma coisa.

Imagem mostra cena de Transformers: O Despertar das Feras

Imagem: Paramount Pictures/Divulgação

As similaridades permeadas entre todos incluindo o mais recente filme da franquia persiste pela maior parte do longa, com a narrativa sendo propriamente iniciada com um ser humano em situação dificultosa (aqui, Noah Diaz, vivido por Anthony Ramos) que “meio que” tropeça em um Transformer em uma situação tosca (ele queria roubar um carro, o carro era o Transformer disfarçado).

Paralelamente, uma garota em situação questionável (Elena, vivida por Dominique Fishback) “meio que” tropeça em um pedaço do artefato em questão em seu trabalho na curadoria de um museu, atraindo a atenção dos Transformers e seus inimigos…que aqui não têm bem um “nome” e estão mais para “os minions do Omicron”. Ao menos, Megatron teve a dignidade de chamar seus capangas de “Decepticons”.

Os dois se juntam e pimba! Temos aí uma redação básica de roteiro que vamos chamar de “filme”.

E honestamente, estaria tudo bem se o problema fosse só a reciclagem de uma história que se repete em todos os filmes da franquia (convenhamos, Velozes e Furiosos faz o mesmo há 10 filmes: um crime acontece, Vin Diesel, carros, nesta ordem). Mas em Transformers: O Despertar das Feras, a desvantagem de se reciclar um roteiro é que você também recicla seus buracos – e isso é o que o filme mais tem.

Desta vez, o “Transformer amigo dos humanos” não é o eternamente mudo Bumblebee, mas sim o excessivamente falante Mirage. Dublado ou legendado, o personagem (representado por Pete Davidson, do Saturday Night Live, nos EUA; e Douglas Silva, o eterno “Acerola”, no Brasil) tem um diálogo que o faz sempre soar como “o parça de todos mas que ninguém gosta” – o tipo de pessoa que, no bar, renderia olhares de “ah, não, ele veio mesmo…” de 8 em 10 dos presentes.

Imagem mostra cena de Transformers: O Despertar das Feras

Imagem: Paramount Pictures/Divulgação

A introdução de Mirage serve também para exemplificar um problema visto no filme todo: a continuidade de Transformers não é lá essas coisas, mas as falas dos personagens no novo filme matam qualquer semblante de referência às produções anteriores – em um momento, Mirage solta um “COMO ASSIM ELES VOAM?” sobre o que eu só posso descrever como uma femme fatale Transformer inimiga.

Bom, sim, eles voam. Desde o primeiro filme, na verdade: o vilão secundário Starscream era literalmente um avião de caça que atirou em Shia LaBeouf e Megan Fox.

E adivinha só: a mera ideia de ignorar a continuidade e tratar cada filme de Transformers como um reinício também é mal executada aqui, já que em diversos momentos, há referências a outros filmes da saga – Optimus Prime chega a mencionar “uma garota que foi boa” com Bumblebee “há alguns anos”. Alguém aí assistiu Bumblebee em 2018?

E aí? Vamos referenciar os filmes anteriores? Ou vamos ignorar tudo e estabelecer – pela sétima vez – uma nova linha do tempo? Não dá para ter os dois, galera.

Outro problema reside no anacronismo da situação: ambientado em 1994, o filme é permeado por situações que…não aconteceram no referido ano. Tem música na trilha sonora que saiu anos depois, e um pedacinho do início mostra um clipe do julgamento do ex-jogador OJ Simpson – que aconteceu em outubro de 1995.

Imagem mostra cena de Transformers: O Despertar das Feras

Imagem: Paramount Pictures/Divulgação

Talvez, no entanto, o maior exemplo desses buracos venha no final do filme. Eu obviamente vou navegar com todo o cuidado possível aqui para evitarmos spoilers – e sinceramente acho que não há nada problemático no parágrafo a seguir, mas por desencargo de consciência, considere este um aviso.

Na última sequência de ação do longa, Transformers: O Despertar das Feras vê os dois grupos protagonistas (carros e animais) unirem forças para derrotar os inimigos e deter Omicron. Tem uma torre que o gorilão robótico Optimus “Primal” (não “Prime”, esse é o outro Optimus) descreve como tendo “a potência de uma supernova”. Por causa disso, eles não podem fazer uma coisa sugerida no plano de ataque – uma “supernova”, para quem não é da astronomia, é essencialmente a explosão de uma estrela muitas vezes maior que o Sol. Evidentemente, algo assim destruiria a Terra. Os heróis então mudam de plano, decidem atacar os inimigos primeiro e…procedem a fazer exatamente aquilo que “não podiam fazer”.

Ah, e a implícita consequência? Não queimou nem a grama do chão da região montanhosa onde a sequência ocorre. E assim como o começo do filme é igual a todos os seus predecessores, o final dele também segue o mesmo raciocínio.

Imagem mostra cena de Transformers: O Despertar das Feras

Imagem: Paramount Pictures/Divulgação

Em resumo: Transformers: O Despertar das Feras traz pouco mais de duas horas de um roteiro quebradiço, que progride a tropeços e tem zero desenvolvimento de personagens, falha em cativar o público e entrega o que qualquer filma da franquia faz de melhor – explosões, tiros e a sensação de impacto advinda de porradas trocadas entre monstros gigantes.

Se você ir à sala de cinema para assistir o filme sabendo que é isso que vai encontrar, provavelmente tirará algum entretenimento. Se esperar algo mais que isso, vai se decepcionar bastante.

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