Crítica | Triângulo da Tristeza faz leitura da sociedade contemporânea com o melhor que o sarcasmo pode promover
Com estreia programada para 16 de fevereiro, o longa - escrito e dirigido pelo sueco Ruben Östlund - explora as dinâmicas de poder com o escárnioBy - Tissiane Vicentin, 9 fevereiro 2023 às 11:06
Vou começar o texto de forma rápida, porque sou do tipo que gosta de saber se vale a pena ou não assistir a algum filme e, em caso positivo, deixar a escolha de saber mais sobre o enredo para quem está lendo o texto: no caso, você mesmo. Assim, de forma resumida: sim, Triângulo da Tristeza vale a pena.
A seguir, destrincharei alguns dos pontos que mais me convenceram de que o longa vale os 149 minutos e já aviso: a crítica pode conter alguns spoilers de cenas específicas, que cito com intuito de trazer um motivo mais palpável e visual para o texto. No mais, segue o fio.
Indicado ao Oscar 2023, Triângulo da Tristeza concorre à categoria de Melhor Filme
Triângulo da Tristeza é um dos favoritos ao prêmio de Melhor Filme de 2023, além de outras indicações para Melhor Roteiro e Melhor Direção – e ao longo dos seus 149 minutos eu consigo traçar mentalmente os porquês de tais indicações.
Mas, comecemos pelo início. Na sinopse, encontramos o seguinte resumo: o enredo acompanha a história de Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean), um casal de influenciadores que é convidado para um cruzeiro de luxo ao lado de um grupo de pessoas muito ricas, bem longe do mundo e da bolha da qual eles fazem parte. A situação toma um rumo inesperado quando uma tempestade brutal atinge o navio.
Essas linhas descrevem bem pouco sobre o que é de fato o longa do sueco Ruben Östlund e de longe preparam os espectadores para as cenas que compõem o enredo.
Nos primeiros minutos da exibição, por exemplo, o espectador é agraciado pela arte da provocação. Tudo começa nos bastidores de um casting com modelos masculinos, os quais exibem seus estereotipados corpos sarados e rostos bonitos.
A primeira frase que me pegou (e já dá o tom da produção) foi a do entrevistador Lewis (Thobias Thorwid) ao percorrer o salão, puxando papo com os candidatos, e cujas palavras tentarei reproduzir (embora não com 100% de fidelidade):
— O que é preciso para ser um modelo? — questiona o entrevistador.
— Ter um corpo e um rosto bonito.
— Só isso?
— Sim.
Esse é apenas o pontapé de uma enxurrada de verdades mascaradas de ficção que mostram a essência satírica da produção, pincelada com o levantar de discussões contemporâneas (como papel de gênero, machismo, racismo, hierarquia de classes e relações entre pares e opostos numa estrutura capitalista) em um cenário onde as ambiguidades da essência humana são retratadas com toques de atualidade e estereótipos escolhidos a dedo — da modelo influenciadora digital que vive para ganhar likes e o “nerd da TI” que vendeu sua empresa e ficou podre de rico, aos realmente ricos que se apoiam em negócios duvidosos para erguer impérios aprovados pela dinâmica capitalista.
Os problemas nos quais o enredo se baseia não são novos, é verdade. Mas a forma como são expostos, na minha opinião, é a liga necessária para manter o público interessado.
Aproveito aqui para deixar uma menção honrosa à atuação de Charlbi Dean, que faleceu em agosto de 2022 decorrente de uma septicemia bacteriana. A atriz aparece no longa e, de forma graciosa, dá vida à Yaya. Podemos ver a sua transformação de uma modelo e influenciadora digital — incluindo todas as futilidades que podem ser constantemente atreladas a esses títulos, bem como o falso glamour por trás dessas profissões —, à queda da máscara que a torna uma pessoa real, com inseguranças e fragilidades.
Se coroado vencedor de Melhor Filme da noite, certamente será uma bela homenagem e uma forma de eternizar o trabalho de Charlbi.
A polissemia do Triângulo e a ambiguidade humana
Na escrita, podemos classificar “polissemia” como a arte de usar uma palavra para criar uma potencial confusão. Isso porque uma palavra polissêmica possui mais de um significado a depender do contexto — e é desse artifício que acredito que Östlund usou para criar o seu “Triângulo da Tristeza”.
Não, a película não mostra um triângulo em sua forma poligonal, mas ao correr dos minutos forma-se um triângulo que eu classificaria como escaleno: com seus lados distintos que se unem para formar o triângulo pseudoamoroso que segue boa parte da narrativa e é onde, inclusive, se encontra o epicentro das críticas — visto que o tal triângulo é formado justamente a partir de uma tragédia (ou seria uma tristeza?) que subverte as lógicas aplicadas em uma sociedade convencional (ou, ao menos, a lógica aplicada à nossa sociedade como é estabelecida hoje).
Além disso, a sátira nos é apresentada em três atos — tal qual as três pontas da figura geométrica que intitula o filme —, mas não quero me estender aqui para não tirar a experiência em descobrir a essência de cada um desses blocos.
Seguimos, então.
Posso dizer também que, apesar de conter a palavra “Tristeza” em seu título — o que justifica a classificação de drama atrelada ao longa e é algo que descreve o sentimento atrelado às falas das personagens —, o filme também possui um elemento cômico que, na minha opinião, é crucial a obras que querem fazer uma leitura crítica sobre comportamentos sociais: o sarcasmo.
Ah, esse tom que Östlund nos oferece em momentos milimetricamente calculados para, então, inserir aquele requinte de sadismo inerente à condição humana — ou, basicamente, aquele prazer que sentimos ao ver um personagem que julgamos “mau” se dando “mal”, por assim dizer.
Esse sentimento, por exemplo, pode ser claramente visto na cena da noite em que a tal da tempestade atinge o navio e cujas consequências são vistas em um balé orquestrado de gente passando mal, embalado por cenas com enquadramentos ligeiramente (e propositalmente) tortos, acompanhado de uma clássica sinfonia e uma discussão aparentemente sem motivo sobre filosofias políticas entre o Capitão do navio, Thomas Smith (interpretado por Woody Harrelson, na imagem abaixo), e Dimitry, um dos ricaços passageiros (Zlatko Burić) que estão a bordo.
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A Tristeza, aliás, não vem embalada com o rolar de lágrimas que a palavra, em sua essência, poderia induzir nos filmes dramáticos. Mas, sim, na forma de reflexão, seja com a percepção da crua realidade incluída no escárnio da ficção, seja na identificação de cenas que poderiam ser cômicas, se não fossem trágicas.
Triângulo da Tristeza: vale a pena assistir?
Östlund, para mim, costurou o longa de forma primorosa. Se você já viu e gostou de filmes como o hispano-argentino “Relatos Selvagens”, ou o premiado sul-coreano “Parasita” — os quais possuem, cada qual dentro da sua proposta, esse mesmo senso crítico construído com pitadas de sarcasmo e comédia, sem mencionar as cenas que beiram ao absurdo —, Triângulo da Tristeza pode te surpreender.
Como nem tudo são flores, deixo uma ressalva: não vou dizer como acaba, claro, mas se eu pudesse apontar algo que me incomodou um pouco seriam as cenas de encerramento — as quais eu definiria como “o ápice da provocação que deixou aquele gosto agridoce”.
Veja bem: não chega a ser um anticlímax, com aquele característico sabor de frustração. Mas os últimos minutos trazem um sentimento ambíguo, apesar de seguir a linha das provocações postas ao longo de todo o roteiro. E tal ambiguidade de sentimentos, no entanto, não diminui a minha recomendação de assistir à trama.
Triângulo da Tristeza chega aos cinemas brasileiros oficialmente na próxima quinta-feira, 16 de fevereiro. No entanto, é possível assistir a sessões especiais a partir de hoje (9) e, por conta da Semana do Cinema, inclusive, é possível encontrar ingressos para exibições do longa por R$ 10 em salas selecionadas de todo o Brasil.
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O blog KaBuM! pôde assistir ao filme Triângulo da Tristeza em uma sessão especial para a imprensa, a convite da Diamond Films.
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