Ensino de IA aplicado a humanos: como essa lógica pode impactar nos desafios da educação?
Se crianças e jovens estão acostumados com a utilização da tecnologia para descobrir novas possibilidades em séries, filmes e jogos, por que não testá-la na construção do conhecimento?By - Alessandra Montini, 14 abril 2022 às 19:17
Graças aos serviços de streaming, hoje podemos deitar em nossos sofás, assistir às séries e filmes que gostamos e, a partir dessa experiência, descobrir outros títulos que não teríamos a oportunidade de conhecer. Quem possui Netflix conhece muito bem essa possibilidade. Isso acontece graças à utilização de Inteligência Artificial e deu tão certo que essa lógica está sendo replicada em outras áreas, principalmente na educação.
Não foi um movimento fácil. Afinal, trata-se de um setor extremamente tradicional e reticente aos riscos que a inovação pode trazer. Grande parte do nosso conhecimento é adquirido em salas de aula, que nos preparam não apenas para o mercado de trabalho, mas também contribuem para uma formação crítica enquanto cidadãos cientes de seus direitos e deveres na sociedade.
Evidentemente, isso em um cenário considerado ideal. A realidade, porém, é bem distante e conta com mazelas que minam a qualidade de ensino no Brasil. O baixo investimento e estrutura inadequada estão no topo da lista. Assim, fechar os olhos aos benefícios que o avanço da tecnologia pode proporcionar à educação é mais perigoso do que sua implementação nos processos de aprendizado.
Até porque é preciso reconhecer que o mundo mudou bastante nas últimas décadas – e as diferenças geracionais são cada vez mais fortes. Não dá para replicar estratégias de ensino que funcionavam há vinte, trinta ou quarenta anos e imaginar o mesmo resultado hoje. Se crianças e jovens estão acostumados com a utilização da tecnologia para descobrir novas possibilidades nas séries, filmes e jogos, por que não testar isso na construção do conhecimento?
É justamente neste ponto que Inteligência Artificial e Educação se encontram. Diante da capacidade de processamento de dados e informações do primeiro, é possível adotar novas estratégias e planos para o segundo. Fica mais fácil, por exemplo, perceber os níveis de aprendizado de cada aluno e, com isso, identificar formas de potencializar cada um deles com medidas individuais em vez de soluções abrangentes para toda a classe.
No fim, o que se espera é justamente a personalização do ensino com o conceito de adaptive learning. Sim, é a mesma visão que o varejo, a medicina e a mídia possuem atualmente: personalizar a jornada de seus usuários/consumidores.
Porque no fundo o que realmente importa é se a experiência está sendo positiva para a pessoa. Quanto mais ela gostar do que está vivenciando, mais irá consumir, seja produtos, serviços ou, no caso, o conhecimento passado pelos professores.
O segredo passa pela análise dos dados
No exemplo dos streamings, como funciona a Inteligência Artificial? A tecnologia analisa os filmes e séries que estamos acompanhando, extrai essas informações e cruza com seu catálogo para recomendar outros títulos parecidos ou com a mesma temática. Com a educação é a mesma coisa: as plataformas são capazes de identificar formatos e assuntos em que os alunos demonstram mais facilidade de aprendizado e mostram essa possibilidade aos professores.
Portanto, a grande novidade que a IA traz para a educação é a capacidade de extrair, processar e cruzar informações da jornada do estudante, transformando isso em insights para a tomada de decisão dos docentes. Em outras palavras: a tecnologia faz um levantamento completo da capacidade de aprendizado da pessoa, com seus pontos positivos e de melhoria, incluindo não só as disciplinas, mas também métodos.
Um bom professor é capaz de fazer isso? Em um atendimento individual sim, uma vez que ele estará acompanhando de forma exclusiva o avanço da criança e adolescente. Mas pensa na realidade das escolas, com trinta, quarenta ou até cinquenta alunos. É inviável oferecer um atendimento qualificado para todos eles.
A não ser que uma máquina faça todo o serviço operacional de levantar os dados mais importantes a partir dos testes, avaliações e até do tempo dedicado a cada tema proposto em sala de aula. A lógica é simples: se o aluno passa mais tempo para fazer um exercício de física do que de biologia, é evidente que ele encontra mais dificuldades na primeira disciplina do que na segunda.
Pandemia impulsionou mercado de IA na educação
O avanço da tecnologia fez com que as primeiras experiências da Inteligência Artificial nas salas de aula surgissem até antes da pandemia de Covid-19. Entretanto, eram casos isolados e o setor se envolvia em um debate sobre as fronteiras dessas ferramentas no processo de aprendizado. O avanço do novo coronavírus, conteúdo, obrigou as instituições de ensino a repensarem isso.
Não havia outra escolha: ou as escolas adotavam as soluções tecnológicas ou interrompiam as aulas de vez. O ensino remoto, feito com o apoio de aplicativos de videoconferência, tornaram-se comuns. Plataformas específicas para educação se multiplicaram no mercado, justamente para oferecer essa capacidade analítica a partir da experiência dos estudantes.
Não à toa, pesquisa da consultoria Global Market Insights prevê que o mercado de inteligência artificial na educação deve movimentar US$ 20 bilhões em 2027, enquanto que em 2020, no primeiro ano da pandemia, esse valor era de US$ 1 bilhão – um crescimento médio anual de 40% graças à proliferação de dispositivos inteligentes e a intensa aceleração digital em todo o mundo.
Os próximos passos
A presença da Inteligência Artificial na educação já é um fato consumado. Brigar contra ela é ser Dom Quixote contra os moinhos de vento. Mas isso não significa que não há desafios e problemas que precisam ser pontuados pelos professores e instituições de ensino. A tecnologia, por si só, não resolve todos os problemas. É necessário disponibilizar toda uma estrutura por trás para que os resultados esperados possam aparecer.
A capacitação técnica do corpo docente é uma das questões a serem resolvidas. Os professores precisam saber como utilizar essas soluções e, principalmente, identificar como elas podem potencializar o seu trabalho. Além disso, há a questão social. Não são todos os estudantes que têm condições financeiras de arcar com soluções digitais. É dever das instituições e do poder público encontrar alternativas para isso.
Caso contrário, o fosso da educação entre as classes sociais vai apenas aumentar em vez de diminuir com o apoio da tecnologia. Se o objetivo é que a pessoa possa aprender da mesma forma e com o mesmo prazer que assiste a sua série favorita, a experiência precisa ser positiva em todos os sentidos. Quando compreendermos isso, as aulas serão tão ou mais interessantes do que acompanhar as histórias dos nossos personagens favoritos.
—
Alessandra Montini é diretora do LabData da FIA – Laboratório de Análise de Dados. Formada pela Universidade de São Paulo (USP), Doutora em Administração pela FEA (2003), Mestra (2000) e Bacharel (1995) em Estatística pelo Instituto de Matemática e Estatística IME-USP. A executiva é Consultora em Projetos de Big Data e Inteligência Artificial, Professora de Big Data; Inteligência Artificial e Analytics, Professora da Área de Métodos Quantitativos e Informática da Faculdade de Economia; Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo – FEA, Coordenadora do Grupo de Pesquisa do CNPQ: Núcleo de Estudo de Modelos Econométricos e Núcleo de Estudo de Big Data e ainda parecerista do CNPQ e DA Fapesp.
Comentários