Trolls no time, quedas de energia ou lag na hora “H” da gameplay são alguns dos acontecimentos mais temidos por players de jogos online. Mas talvez nenhum deles supere o medo de ter a conta suspensa — o famoso “ban”, na gíria gamer — no game favorito.

Isso porque uma derrota aqui ou acolá são coisas naturais e que acontecem nas melhores famílias em qualquer joguinho. Mas quando se fala em banimento, o buraco é (bem) mais embaixo: ficar sem acesso a um título cujo “investimento” do player baseou-se em horas de jogatinas e centenas (ou milhares) de reais é de doer o coração.

É claro que criar uma nova conta e iniciar outra jornada do zero pode ser uma alternativa plausível para lidar com um ban. Mas nem todos estão dispostos a isso, visto que todo o progresso e dinheiro investido em conteúdos extras vão por água abaixo.

Mas além de serem algo que causam temor, os banimentos também são polêmicos. Muitos questionam as medidas punitivas das publishers e desenvolvedoras de jogos. Outros alegam que não conseguem se defender de uma suspensão aplicada e podem não entender bem o funcionamento de todo o processo.

E para esclarecer um pouco mais sobre direitos e deveres que circundam os bans em joguinhos, o blog KaBuM! conversou com Marcelo Mattoso Ferreira, sócio do escritório Barcellos e Tucunduva Advogados e advogado atuante no mercado de Games e Esports. O resultado desse bate-papo pode ser conferido abaixo.

Uma empresa pode me dar ban em um jogo?

Ban em jogos

Imagem: KongNoi/Shutterstock

Casos de banimento no universo gamer não faltam para comprovar que as empresas se utilizam da prática. Mas um dos principais questionamentos dos jogadores é se uma desenvolvedora ou publisher pode banir jogadores de sua respectiva propriedade intelectual. E de forma curta e grossa: pode.

É preciso frisar que a relação entre o jogador e uma fornecedora de jogos é similar a qualquer outra relação de consumo. E ao ingressar em um novo título, o player precisa acordar um contrato que é celebrado por ambas as partes. É neste documento — que muitos jogadores deixam de ler — que está registrado todas as políticas para uso do serviço (no caso, o jogo).

Isso significa que desrespeitar as políticas de uso da empresa — seja com nicks inapropriados, ofensas a outros jogadores, discursos de ódio, uso de programas de terceiros não autorizados, entre outros — pode sim render um ban ao player.

“Uma das premissas de uma desenvolvedora ou publicadora é manter a integridade do ambiente virtual proporcionado aos usuários. Com isso em mente, cabe à ela fiscalizar e punir jogadores infratores. Este “poder” não é arbitrário ou sem origem. Ele advém do contrato que é celebrado entre as partes. Toda plataforma possui seus termos de utilização, os quais, necessariamente, precisam ser aderidos pelos usuários. E lá, certamente, constam as regras e diretrizes que deverão ser seguidas por ambas as partes, sob pena de rescisão contratual”, pontuou Ferreira.

Apesar de ser algo legal, é importante frisar que o ban deve ser seguido de outros procedimentos, como aviso e o informe sobre o motivo da suspensão, bem como o direito à defesa do player banido — uma vez que a relação entre os envolvidos também é pautada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).

A suspensão de uma conta é algo definitivo?

Tela de game over para ilustrar ban em joguinho

Imagem: Sigmund/Unsplash

A política de uso, bem como regras e diretrizes, variam de jogo para jogo. E isso também é refletido em diferentes formas de punições: algumas optam por uma restrição inicial de chat, outras aplicam o ban temporário e há quem estabeleça uma penalidade mais rígida como suspensão definitiva e, em alguns casos, por IP.

Mas todos os casos cabe a defesa do player banido. Para monitorar a comunidade, empresas costumam automatizar ferramentas para detectar o descumprimento de suas políticas. É claro que existem os processos manuais, mas uma parte é feita por máquinas. E máquinas podem falhar.

Por conta disso, é altamente recomendável que um jogador banido injustamente entre em contato com a companhia e apresente argumentos (prints de tela, histórico, chat ou qualquer outra prova) para mostrar que o ban foi errôneo. Na maioria das vezes o banimento pode ser revisado e, se comprovada a falha, anulado.

Todavia, é importante reler as regras e diretrizes do jogo para ter certeza de que nenhuma política foi infringida. Do contrário, será difícil reverter uma suspensão sem acionar meios legais — calma que chegaremos lá.

Posso exigir reembolso ou transferência de conteúdos extras para outra conta?

V-bucks

Imagem: Divulgação/Epic Games

Essa talvez seja uma das principais dúvidas que rondam a cabeça de jogadores. Aqui no blog KaBuM!, já noticiamos casos em que players gastaram mais de R$ 80 mil em um joguinho e, perder uma conta dessa após tamanho “investimento” seria algo pra lá de frustrante.

Mas fato é que transferir recursos de uma conta banida não é algo obrigatório de uma empresa de games. Algumas devs/publishers até podem adotar a prática — o que de certa forma estimula a mais gastos in-game —, mas a maioria costuma ser contra ao ato.

“A maioria das devs/pubs vedam esse tipo de prática. Qual seria a lógica em permitir um usuário infrator transferir o seu conteúdo para uma nova conta? Na prática, se um usuário infrator pudesse transferir o seu conteúdo, ele não estaria sofrendo penalidade alguma. Pelo contrário, estaria se beneficiando de sua própria torpeza” destacou o advogado atuante no mercado de Games e Esports.

E, juridicamente falando, a não permissão ao reembolso ou transferências de bens está dentro da legalidade.

“Pela lógica jurídica, quando falamos em conteúdos virtuais, estamos falando em uma licença de uso que é cedida ao usuário para utilização dentro daquela conta. Nos casos em que o usuário infringe as regras do jogo, a licença de uso é totalmente revogada. Ou seja, ela deixa de existir, não havendo de se falar em transferência ou migração, já que ela não mais existe, juridicamente falando. O Judiciário já se manifestou inúmeras vezes sobre o tema deixando claro que as licenças de uso ficam vinculadas à conta e, em caso de suspensão da conta, as licenças são revogadas”, completou.

Posso recorrer à Justiça para recuperar minha conta?

Justiça

Imagem: Sora Shimazaki/Pexels

Por fim, um jogador que não concordar com a suspensão de sua conta poderá recorrer à Justiça na tentativa de recuperar a sua conta.

“Toda parte que se sinta prejudicada em uma relação jurídica pode recorrer ao judiciário para ter o seu direito acolhido, desde que possua argumentos minimamente plausíveis para tanto, além das provas que embasem suas alegações”, reforçou Marcelo Mattoso Ferreira.

Em um caso recente, um jogador de League of Legends processou a Riot Games após ter levado ban permanente em sua conta. Na ocasião, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJMT) entendeu que o player em questão, de fato, teve um comportamento tóxico.

No entanto, segundo a juíza Maria Aparecida Ferreira Fago (TJMT), a Riot não adotou todas as punições mais brandas antes do ban permanente, além de apontar para uma ausência de clareza na cláusula da empresa e alegar que a desenvolvedora falhou em conceder o direito de defesa do player. A decisão ainda cabe recurso.

Contudo, o caso em questão não é garantia que outras ações similares sigam pelo mesmo caminho. É preciso reforçar que, apesar de legal, entrar na Justiça para recuperar uma conta banida pode ser um processo delicado. O player deve estar ciente de que não infringiu nenhuma das diretrizes do jogo em questão e tem de provar isso, para evitar que o ban no game seja sucedido de uma derrota nos tribunais.

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