O que a proposta de regulamentação de plataformas digitais pode trazer de benefício à cibersegurança?
Conforme a digitalização avançou nas últimas décadas, novos desafios surgiram para a sociedade como um todo – o que exige, por sua vez, atualização de códigos, regras e normasBy - Alessandra Montini, 12 maio 2023 às 19:13
Enquanto produzia esse texto, um intenso debate entre políticos, membros da sociedade civil, empresas e autoridades acontecia nas altas esferas do poder. No meio das polêmicas, troca de acusações e negociações está a votação do projeto de lei 2.630/20, popularmente conhecida como “PL das Fake News”. Hoje, todas as atenções estão voltadas para as propostas que abordam a disseminação de conteúdo nas plataformas, mas o texto também pode trazer ramificações benéficas para a cibersegurança.
A preocupação com as informações que trafegam pela web e, consequentemente, as estratégias de segurança e conservação ocupam a lista de prioridades de gestores e profissionais dentro das organizações. Os recentes vazamentos ocorridos em corporações em todo o mundo (inclusive no Brasil) também ligaram o sinal de alerta. Como diz o velho ditado popular, “é melhor prevenir do que remediar” quando o assunto é proteção de dados pessoais e sensíveis.
Não à toa, um estudo conduzido anualmente pela Deloitte indica que praticamente nove em cada dez gestores (88%) planejam investir em soluções de segurança digital ao longo de 2023 – quase metade (42%) admite que essa quantidade será maior do que o total investido em todo o ano passado. Até porque menos de 28% deles acreditam que o nível de proteção de suas estratégias seja alto ou muito alto. Ou seja, há a intenção de reduzir riscos e, principalmente, há espaço para crescimento dessa estratégia em todo o mundo.
Entretanto, onde o PL das Fake News pode se encaixar nisso tudo? Ainda que o foco do debate atual não esteja na cibersegurança em si, o simples fato de o projeto de lei tramitar faz com que desperte o interesse de usuários, empresas e poder público. Conforme a digitalização avançou nas últimas décadas, novos desafios surgiram para a sociedade como um todo – o que exige, por sua vez, atualização de códigos, regras e normas.
Por isso, o projeto de lei 2.630/20 também trará desdobramentos para o planejamento estratégico de segurança digital das organizações. A tendência é dificultar ainda mais a ação de cibercriminosos no ecossistema da internet. Confira os principais benefícios esperados com a aprovação da nova lei.
1 – Reforço de arcabouço jurídico
A PL das Fake News vem na esteira de uma sequência de leis aprovadas para regulamentar as ações de pessoas e empresas na internet. O Marco Civil da Internet, sancionado em 2014, e a Lei Geral de Proteção aos Dados Pessoais (LGPD), em vigor desde 2020, são leis que surgiram para estipular regras e normas de conduta – cada uma refletindo o espírito do seu tempo, evidentemente. O surgimento de mais uma lei reduz os eventuais “buracos” que bandidos e golpistas conseguem encontrar para se safarem de seus crimes digitais.
2 – Combate à fraude e golpes
Sim, tentar enganar pessoas e empresas para obter vantagens financeiras indevidas é crime há muito tempo. A questão é que o avanço da internet facilitou a ação de pessoas que utilizam esses recursos para aplicarem golpes e fraudes diversos. A desinformação, por exemplo, é apenas uma extensão de velhas práticas já conhecidas no e-commerce, como uso de propaganda falsa, sites enganosos e tentativas de phishing. Como a PL das Fake News pretende combater essa prática, suas sanções também podem se estender a essas ações.
3 – Ampliação do compliance
A expressão compliance ganhou espaço entre as organizações brasileiras com a sanção da LGPD em 2018 e sua entrada em vigor dois anos depois. Ficou claro que era necessário criar políticas de boas práticas e normas de conduta para a utilização de dados pessoais dentro da estratégia de cada companhia. O novo projeto de lei recoloca o tema em debate, ampliando a atuação da governança corporativa. Em suma: é necessário ter cuidado não apenas com a coleta e tratamento dos dados, mas também com a forma como eles serão trabalhados e distribuídos posteriormente à comunidade.
4 – Definição de cada papel, inclusive das plataformas digitais
Pode-se discutir se atende a demanda atual ou não, mas o fato é que o PL busca delimitar o papel, responsabilidades, direitos e deveres de cada ator envolvido no processo de digitalização. Usuários que disseminam conteúdos de ódio responderão na justiça, assim como cibercriminosos que utilizam subterfúgios para aplicar seus golpes. Mas também impõe limites às próprias plataformas que abrigam todas essas questões. Elas podem (e devem) contribuir para uma internet mais segura e respeitosa.
5 – Transparência nas decisões
Por fim, o texto do projeto de lei preza pela transparência na comunicação e nas informações utilizadas. Ou seja, o procedimento de monitoramento, investigação e eventual suspensão de um determinado conteúdo na web precisa estar claro para todos os usuários. Quanto mais cristalino, menor as dúvidas existentes e, principalmente, mais preocupação para quem deseja cometer crimes – certamente pensarão bem mais antes de praticarem tais atos.
É necessário criar um ambiente digital seguro
Como todo projeto de lei, é claro que o PL das Fake News possui pontos de melhoria e precisa passar por intenso debate público antes de ser aprovado pelo Congresso Federal e sancionado pelo Governo Federal. Mas é um passo importante que precisa ser dado. Nos últimos anos, o ecossistema digital infelizmente se notabilizou mais pela impunidade a golpistas e fraudadores do que propriamente por ações que inibem essas práticas. A União Europeia já teve um avanço semelhante com a DSA. Cabe a nós fazer o mesmo por aqui e promover um ambiente digital cada vez mais seguro e acolhedor para todos.
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Alessandra Montini é diretora do LabData da FIA – Laboratório de Análise de Dados; consultora em Projetos de Big Data e Inteligência Artificial, Professora de Big Data; Inteligência Artificial e Analytics; professora da Área de Métodos Quantitativos e Informática da FEA; Coordenadora do Grupo de Pesquisa do CNPQ: Núcleo de Estudo de Modelos Econométricos e Núcleo de Estudo de Big Data; e parecerista do CNPQ e da Fapesp.
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