ChatGPT na educação? Acredite, pode ser vantajoso para todos
Há preocupação de pais, professores e pesquisadores de educação, mas se vai ser útil ou prejudicial vai depender da forma como o utilizarmosBy - Alessandra Montini, 10 março 2023 às 14:50
Você se lembra como fazia os trabalhos escolares? Se tem 40 anos ou mais, certamente passou horas em bibliotecas para pegar referências e datilografar uma dissertação sobre algum tópico específico. Se está na faixa dos 30 anos, com certeza pesquisou em várias páginas na internet para digitá-lo. Mas pode ter certeza que seus filhos contarão com o apoio de ferramentas de inteligência artificial para isso, utilizando comandos de voz ou palavras-chave para obter as informações necessárias.
Sim, estou falando do ChatGPT, esse chatbot desenvolvido pela OpenAI que utiliza redes neurais e machine learning (aprendizado de máquina) para entregar uma nova dinâmica de interação entre humanos e máquinas. Trata-se de um assunto polêmico. Por meio de simples comandos, a plataforma é capaz de produzir textos diversos, desenvolver questionários, escrever roteiros, corrigir códigos de programação e resolver equações matemáticas. Em suma: tudo – e mais um pouco – que um estudante precisa para seus afazeres escolares.
É um fenômeno impressionante. Lançado em novembro de 2022, o ChatGPT alcançou a impressionante marca de 100 milhões de usuários em apenas dois meses de atuação, naquilo que já é considerado o maior crescimento de uma aplicação na história da tecnologia – o TikTok, queridinho dos adolescentes, precisou de nove meses para chegar a essa marca. Ou seja, não é apenas uma trend passageira e muitas organizações já se movimentam para adotar essa ferramenta em suas rotinas.
Mas e as instituições de ensino? Como elas ficam nessa história?
É evidente que o surgimento do ChatGPT traz novos desafios para escolas e estudantes. A possibilidade de um robô fazer um trabalho completo sobre qualquer assunto com riqueza de detalhes assusta professores e coordenadores pedagógicos. Como saber se o aluno estruturou, de fato, aquele conhecimento aprendido em salas de aulas?
É algo semelhante ao que ocorreu no início da expansão da internet, na virada do século. Havia a genuína preocupação de plágio, uma vez que a pessoa poderia copiar trabalhos completos ou, na melhor das hipóteses, fazer uma colagem com diferentes conteúdos – sem se debruçar sobre o tema e desenvolver seu próprio raciocínio. O receio era tanto que muitos professores chegavam a exigir o trabalho escrito à mão para forçar o aluno a ler sobre o tema pelo menos.
Hoje, o perigo do “copia e cola” segue existindo, mas em vez de barrar a internet na sala de aula, a própria tecnologia criou métodos para inibir essa prática. Com o ChatGPT não vai ser diferente.
Desafio é estimular a busca por conhecimento
O ChatGPT já mostrou que consegue escrever textos inteiros de diferentes tamanhos com certo nível de detalhes e complexidade. Não faltam exemplos na web, para alegria das agências de marketing e tristeza para redatores. A questão é que na área de educação, escrever (no sentido de criar e produzir) um trabalho é muito mais do que simplesmente digitar. Envolve, sobretudo, a capacidade de articular ideias e argumentos em um pensamento lógico. Em suma: desenvolve o conhecimento.
Porém, se o aluno simplesmente pede um trabalho escolar e a ferramenta entrega, como ele vai aprender sobre aquele determinado tema? Pior, como identificar se a pessoa utilizou dessa artimanha? Nos Estados Unidos, um professor até conseguiu flagrar, com apoio do próprio ChatGPT, um aluno que “pediu” um texto sobre o filósofo David Hume. Contudo, sem a identificação de citações, não passa de uma simples suspeita.
O fato é que a tecnologia facilita muitas coisas em nossas vidas – para o bem e para o mal. Antes mesmo do ChatGPT, já existia um sistema complexo de venda e compartilhamento de trabalhos escolares em diversos sites e grupos de redes sociais. Resta às escolas e professores criarem métodos capazes de identificar essas práticas ruins e valorizarem o bom trabalho e a evolução de seus estudantes.
ChatGPT pode ser a peça que faltava para a revolução escolar
Vale aquele velho ditado: “se não pode vencê-los, junte-se a eles”. Ou, no caso, saiba como fazer com que essa ferramenta traga mais benefícios do que obstáculos para o desenvolvimento da educação no Brasil. Nos últimos anos, o país trava um intenso debate sobre a presença da tecnologia dentro do processo educacional. A pandemia de Covid-19, por exemplo, pegou instituições de ensino desprevenidas.
Não se trata apenas de colocar soluções digitais à disposição de alunos e professores, mas sobretudo de como garantir que elas contribuam para o aprendizado e o ganho de conhecimento. O problema é mais cultural e pedagógico do que tecnológico. É preciso repensar todo o paradigma da educação e a forma como encaramos a sala de aula – e é aí que o ChatGPT pode se tornar um aliado das escolas.
Já imaginou, por exemplo, utilizar essa plataforma de inteligência artificial para repassar aos alunos a famosa “decoreba” de fórmulas, equações e regras gramaticais, deixando-os livres para desenvolverem novas habilidades cognitivas, como desenvolvimento argumentativo, criatividade, inovação, entre outros atributos tão em alta no mundo em que vivemos? Pois é, a revolução da educação que tanto foi debatido nos últimos anos pode ter encontrado a peça que faltava para finalmente acontecer.
Entendo – e compreendo – a preocupação de pais, professores e pesquisadores de educação com o ChatGPT. Porém, como toda tecnologia, ele não passa de uma simples ferramenta. Assim, se vai ser útil ou prejudicial vai depender da forma como utilizarmos. O importante é permitir esse amplo debate para compreender os dois lados dessa moeda. Somente assim é possível extrair todos os benefícios que pode oferecer e, quem sabe, iniciar uma nova era na forma como enxergamos a transmissão de conhecimento.
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Alessandra Montini é diretora do LabData da FIA – Laboratório de Análise de Dados; consultora em Projetos de Big Data e Inteligência Artificial, Professora de Big Data; Inteligência Artificial e Analytics; professora da Área de Métodos Quantitativos e Informática da FEA; Coordenadora do Grupo de Pesquisa do CNPQ: Núcleo de Estudo de Modelos Econométricos e Núcleo de Estudo de Big Data; e parecerista do CNPQ e da Fapesp.
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