Um grupo de desenvolvedores na América Latina quer fazer do espanhol o principal idioma em programação, no lugar do tradicional inglês. Parece ousado? Talvez, mas a iniciativa tem ganhado muitos adeptos.

“Quando comecei, tudo era em inglês”, contou Primitivo Román Montero, em entrevista ao portal Rest of World. “Era bem difícil ter de traduzir constantemente para entender [as palavras] no meu idioma”, lembra o desenvolvedor, que começou os aprendizados no Instituto Superior Tecnológico de Tepeaca, no México, onde concluiu a graduação em 2007.

Essa dificuldade mencionada por Montero é uma realidade não apenas para falantes de espanhol, mas também para brasileiros — os desenvolvedores que fazem parte da América Latina, não possuem o inglês como idioma principal e, muitas vezes, tampouco o tem como idioma secundário.

Fora a dificuldade no dia a dia, grande parte dos recursos de estudo para linguagens de programação (especialmente as que estão mais populares, como Python) também estão em inglês.

Ou seja, o inglês se torna um pré-requisito para todos que querem adentrar no mundo da TI, mas nem sempre (para não dizer quase nunca) estudar esse idioma é uma possibilidade acessível a todos — o que já estabelece barreiras iniciais tanto para o jovem aspirante quanto para as empresas, que precisam lidar com escassez de profissionais.

Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), o Brasil forma 46 mil pessoas com perfil tecnológico por ano, mas seriam necessárias 70 mil para atingir a necessidade do mercado. Logo, o déficit é de 24 mil formandos na área de TI.

E a previsão para o futuro do mercado brasileiro não é mais animadora: a organização estima que, até 2024, a demanda por profissionais do setor vai crescer ainda mais, alcançando 329 mil profissionais e outros 92 mil da “TI in House”. Ou seja, a demanda será de 421 mil.

Outro estudo feito pela empresa de serviços de TI Everis, com sede na Espanha, aponta que 55% das companhias na América Latina afirmam ter dificuldades em encontrar o funcionário ideal, enquanto especialistas estimam que o número de novas vagas para a região será de 10 milhões até 2025.

Projeto Lenguaje Latino: programação em espanhol

Na foto aparece o rosto de uma mulher de perfil, bem como suas mãos, sendo uma posicionada no mouse pad de um notebook, enquanto a outra está segurando um celular; a tela do notebook exibe código de programação; ela representa as mulheres na tecnologia

Imagem: Christina @ wocintechchat.com/Unsplash

Foi por conta das dificuldades que teve ao longo da sua trajetória como programador que, em 2015, ele iniciou o projeto Lenguaje Latino: uma escola de programação open-source baseada em espanhol, cujo principal objetivo é justamente auxiliar futuros desenvolvedores não falantes de inglês (e cuja língua materna é o espanhol) a se desenvolverem no ramo.

Há outras iniciativas do tipo como a Laboratoria, uma organização do Peru que possui escritórios em toda a América Latina e tem como intuito ajudar mulheres no aprendizado da programação e também a conseguir empregos na área. Para isso, a organização fornece bootcamps intensivos que costumam durar seis meses — tudo em espanhol.

Gabriela Rocha, cofundadora e COO da Laboratoria, conta ao Rest of World que o ensino de inglês faz parte do currículo, mas com foco no instrumental, ou seja, que foca na parte que abrange o técnico e não necessariamente ensina o idioma para os estudantes. Ela conta que apenas 14% dos alunos têm nível avançado de inglês, sendo que 50% possuem nível intermediário e 36% nível iniciante.

Apesar de observar um número crescente de oportunidades de programação em espanhol na região, que não exigem inglês, ela afirma que os empregos que são considerados “os melhores” ou até mesmo mais requisitados pela maioria das pessoas que querem entrar na área — e o que ela chama de “setor da alta tecnologia” — ainda exigem inglês. São empresas como Google, Uber e outras gigantes da TI.

“Provavelmente começaremos a ver uma lacuna maior entre os tipos de oportunidades [de emprego] que as pessoas obtêm com base na necessidade de falar inglês, e isso sem dúvida terá consequências negativas para o talento, para o mercado de trabalho, para a inovação e para a competitividade das empresas”, afirma Gabriela.

Essa lacuna mencionada pela executiva cresce ainda mais quando falamos sobre outros recortes (como sociais, de gênero e raça) e a diferença cresce à medida que os cargos aumentam: é quase impossível encontrar uma pessoa em cargo de liderança se ela não possui fluência no inglês, especialmente se tratando de grandes corporações, onde os salários são maiores.

Via: Rest of World

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