Entre as várias discussões que cercam o PL das Fake News (Projeto de Lei 2630/2020), a escolha de uma autoridade que será responsável pela fiscalização e aplicação de multas às plataformas que desrespeitarem as regras é uma delas. Entretanto, a possível nomeação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) como encarregada têm sido criticada por várias entidades, civis e setoriais de TIC.

Embora o atual texto não mais dispõe da criação de uma autarquia destinada a tal atividade por ter encontrado resistência entre os deputados da Câmara, a possiblidade de indicar a Anatel tem levantado posicionamentos contrários à ideia. É o caso da Coalizão Direitos na Rede, coletivo que reúne mais de 50 entidades de direitos digitais, e de entidades setoriais de TIC, que viram também conflito de competência entre as opções de indicação, como a Anatel e ANPD.

Anatel não é capaz de regular plataformas digitais

Na semana passada, o coletivo de direitos digitais assinou um posicionamento público contrário à indicação da agência como supervisora das plataformas digitais. No documento, a CDR listou vários pontos prejudiciais ao ampliar as atribuições do regulador das telecomunicações – desde a piora da própria internet no Brasil à própria atividade principal da agência, além de alertar sobre a falta de perfil e competência da agência para cuidar do tema.

“A Anatel não tem a expertise necessária nos temas de regulação de plataformas, além de ter falhado recorrentemente no cumprimento de suas atribuições no setor de telecomunicações. Atribuir a regulação das plataformas à agência poderá agravar esse cenário, prejudicando o avanço da conectividade significativa no Brasil e levando os interesses econômicos das plataformas e empresas de telecomunicações a prevalecerem sobre os interesses dos usuários. Ainda, a Anatel é historicamente refratária à participação da sociedade civil, o que é incompatível com o modelo de governança multissetorial e colaborativa da internet no país. O que precisamos é de um órgão independente com um conselho multissetorial deliberativo”, diz a nota da CDR.

As entidades apontam que a experiência da Anatel, ao contrário do que é auto divulgado em relação ao tema das plataformas digitais (fiscalização de produtos vendidos em sites, remoção de conteúdos por ordem do Tribunal Superior Eleitoral ou o controle do conteúdo de emissoras de rádio e TV), “nada dizem respeito à expertise para atuação em conteúdo disseminado na internet e muito menos a efetivação de direitos humanos no ambiente online”.

PL das Fake News: entidades criticam indicação da Anatel e ANPD fala em conflito de atribuições

Imagem: Sinclair Maia/Anatel – 2007, CC BY 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/>

“Ao revés, a Anatel não tem atuação próxima à pauta de conteúdo e não é afeita a matérias de direitos humanos que estão no centro desse debate, como a proteção do Estado Democrático de Direito e a proteção de crianças e adolescentes de violência nas redes. Para além disso, nem mesmo efetiva com a devida qualidade a atuação nas matérias de sua atual competência”, sustenta a nota.

Em adição à falta de competência, a nota da Coalizão ainda se apoia em uma série de problemas apontados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que identificou falhas da Anatel nas suas próprias atribuições. “A agência ainda tem tido atuação insuficiente na matéria de sua competência regulamentar. Considerando então o enorme poder econômico das empresas que prestam serviço na Internet, com poder de mercado inédito e altamente desafiador, e os impactos que geram nos mais diversos espectros do interesse público, especialmente no que diz respeito a direitos fundamentais, políticos e culturais, será temerário atribuir a Anatel a competência desta regulação, considerando diversas insuficiências no exercício de sua capacidade regulatória e fiscalizatória”, aponta a CDR.

ANPD chama atenção para atribuições da possível entidade supervisora do PL das Fake News e setoriais de TIC apoiam argumento

Além dos apontamentos da Coalizão, as entidades de Tecnologia da Informação e Comunicação, incluindo ABES, Abinee e Brasscom, também se posicionaram contra a nomeação da Anatel para exercer o papel de entidade supervisora, ao mesmo tempo que apoiam à análise feita pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), sobre as várias atribuições previstas para a entidade de supervisão das quais já existem e cabem à autarquia.

A nota assinada por 10 entidades do setor sustenta que há conflito de competência entre a Anatel e a ANPD, que zela pela proteção dos dados pessoais, fiscalização e aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Entre os pontos, as entidades identificam “a definição da base legal do consentimento para determinadas atividades de tratamento de dados pessoais — contrariando o regime da LGPD —; diversos dispositivos regulamentando a proteção de dados pessoais de crianças e adolescentes; e decisões automatizadas e o dever de explicar critérios da decisão de moderação de conteúdo, com referência equivocada ao artigo 20 da LGPD”, que já são atribuídas a um órgão.

A nota aponta “o que se deve buscar é que algoritmo de moderação se baseie em conteúdo abusivo, o que não deve-se confundir com o tratamento de dados pessoais ou formação de perfis do usuário; e perfilamento, incluindo sua definição conceitual e exigências de transparência e de fornecimentos de informações aos usuários sobre os parâmetros utilizados para determinar a exibição de anúncios e para fins de recomendação de conteúdo e de como alterar esses parâmetros.”

aplicativos no 5G

Imagem: Rami Al Zayat / Unsplash

Esse apoio à ANPD se refere aos pontos de um documento publicado pela autarquia, a qual propõe uma análise técnica sobre os pontos do PL 2630/20 que se sobrepõem a responsabilidades que já são dela por força da LGPD.

Assim como destacado pela nota de posicionamento das entidades de TIC, a Autoridade alerta para os diferentes artigos no PL das Fake News que tratam de consentimento, perfilamento, decisões automatizadas, proteção de dados de crianças e adolescentes, acesso a dados para pesquisa ou avaliação de riscos sistêmicos – atribuições previstas para a entidade de supervisão das plataformas digitais, mas que já existem para a ANPD.

“Os dispositivos mencionados estabelecem regras sobre proteção de dados pessoais, atribuindo competências de regulamentação, fiscalização e aplicação de sanções à ‘entidade autônoma de supervisão’, o que suscita potenciais conflitos com as competências legais da ANPD previstas na LGPD”, aponta a autarquia.

O órgão complementa que “nos termos da LGPD, a aplicação das sanções referente à proteção de dados pessoais compete exclusivamente à ANPD, e suas competências prevalecerão, no que se refere à proteção de dados pessoais, sobre as competências correlatas de outras entidades ou órgãos da administração pública. A eventual criação de um novo órgão regulador ou a atribuição de competências a outra entidade pública teria por efeito gerar uma fragmentação regulatória e uma sobreposição de competências com a ANPD”.

 

Via Convergência Digital

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