Harpia: TCU libera contrato do Ministério da Justiça para sistema de espionagem
Medida cautelar foi derrubada por relator ao alegar que "irregularidades [encontradas no contrato] são sanáveis”; especialistas temem violação de direitos e liberdades democráticasBy - Liliane Nakagawa, 13 junho 2022 às 8:30
Após manter o veto em janeiro de 2022, o qual suspendia a aquisição do sistema de espionagem Harpia pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, Tribunal de Contas da União (TCU) autorizou a retomada do contrato para aquisição do sistema à pasta nesta quinta-feira (9).
O relator do processo no Tribunal, Bruno Dantas, derrubou a medida cautelar, que era de caráter provisório até a responsável pela ferramenta ser ouvida e o tribunal decidir sobre o mérito da questão, e autorizou a retomada do contrato com a adoção de algumas medidas, entre elas constar no documento sobre a auditabilidade e funcionalidades do software.
De acordo com o Tribunal, a Justiça “encaminhou ofício à empresa contratada com os questionamentos sobre os recursos de auditabilidade e controle do software, obtendo como resposta documento no qual foi demonstrado que a solução Harpia possui mecanismos de controle da ferramenta auditáveis”.
A cautelar que havia suspendido o acordo em novembro de 2021 foi derrubada pois “as irregularidades [encontradas no contrato] são sanáveis”, segundo Dantas.
Aquisição da ferramenta Harpia também preocupa
O alvo do processo foi uma licitação da pasta criada para contratar o software Pegasus, da NSO Group, que acabou suspensa do pregão após o caso ser encaminhado à Corte pelo Ministério Público, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e grupos organizados da sociedade civil se oporem à compra do sistema de espionagem em agosto, um mês após do Ministério da Justiça cogitar a aquisição de ferramentas de vigilância, incluindo o próprio Pegasus, em pregão eletrônico.
O software Harpia, da empresa homônima, entrou na disputa após a desistência da NSO Group do processo licitatório em maio passado, acusada de ser usado contra civis, incluindo jornalistas, advogados e ativistas e líderes mundiais, além de ser processada pela Apple em novembro de 2021, ação que proibiu a proprietária do spyware israelense de usar produtos e serviços da marca para desenvolver e implantar hacks contra clientes.
Embora o Pegasus tenha ganhado repercussão como ferramenta de vigilância como serviço, o sistema Harpia também levanta preocupações. Segundo especialistas ouvidos pela Abraji, ambos os softwares de espionagem podem violar o direito à privacidade e impactar o exercício do jornalismo no Brasil.
Em e-mails disparados ao TCU em agosto, quando houve pedido de suspensão do Pregão Eletrônico 3/2021, no qual estava previsto a contratação do Pegasus, uma campanha pedia para que fosse barrada a compra de qualquer sistema de espionagem que viole direitos e liberdades democráticas.
“Nenhum governo está autorizado por seu povo ou pela Constituição a espionar pessoas ou organizações. Isso desequilibra a correlação de forças e dá ao governo um poder incomparável, impossível de ser detido. A privacidade, a intimidade e os sigilos telefônicos e telemáticos são garantidos por lei no Brasil, e só podem ser violados em casos muito específicos, sob ordem judicial”, explicou professor e pesquisador do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Rogério Christofoletti.
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