O governo do Reino Unido prepara-se para lançar, dentro de dias, um ataque publicitário multifacetado contra a criptografia de ponta a ponta em comunicações, de acordo com informações da Rolling Stone. Os planos, além de envolver táticas manipuladoras e fundos públicos, pretende mobilizar a opinião pública contra a decisão recente do Facebook de implementar a tecnologia no aplicativo Messenger, prevista (apenas) para 2023.

Criptografia de ponta a ponta: Governo britânico planeja matar privacidade de mensageiros

Imagem: Facebook/Divulgação

Ao tomar conhecimento, grupos de privacidade planejam uma contra-campanha, que segundo fontes, deve ter início ainda este mês. De acordo com documentos, uma das atividades da proeza publicitária consiste em colocar um adulto e uma criança como atores em uma caixa de vidro, com o adulto supervisionando “conscientemente” a criança enquanto o vidro se desvanece para o preto.

Uma das agências contratadas para a campanha publicitária de Boris Johnson é a M&C Saatchi — uma subsidiária da Saatchi e Saatchi, responsável pelos cartazes eleitorais “Labour Isn’t Working“, entre os mais famosos da história política do Reino Unido — para planejar a campanha, que será custeada com fundos públicos. “Contratamos a M&C Saatchi para reunir as muitas organizações que compartilham nossas preocupações sobre o impacto que a criptografia de ponta a ponta teria em nossa capacidade de manter as crianças seguras”, disse um porta-voz do Home Office, principal departamento do governo para imigração e passaportes, política de drogas, crime, incêndio, contra-terrorismo e polícia, em uma declaração.

A ofensiva contra a criptografia, que não é inédita em declarações de governos democráticos e agências de inteligência, se repete ano a ano. Independentemente de partidos políticos, sucessivos secretários do Ministério do Interior tomaram fortes posições anti-encriptação, alegando que a tecnologia, apesar de ser essencial para a privacidade e segurança on-line, diminui a eficácia da capacidade de vigilância em massa do Reino Unido, dificultando ainda mais o combate ao crime organizado e a capacidade de impedir ataques terroristas.

Criptografia de ponta a ponta: governo britânico planeja matar privacidade de mensageiros

Segundo o ex-CIA, Edward Snowden, “criptografia deve ser base para toda tecnologia”. Imagem: Aktionsbündnis Freiheit statt Angst/Flickr

O governo britânico tem estado entre os mais estridentes do mundo democrático na oposição a criptografia de ponta a ponta — provocando até mesmo um retrocesso entre alguns antigos funcionários de segurança. Não diferente, o FBI americano também tem apresentado argumentos semelhantes, cujas declarações têm sido amplamente desmascaradas por tecnólogos e libertários de ambos os lados do Atlântico.

Criptografia de ponta a ponta: “a maioria do público nunca ouviu” e “as pessoas podem ser facilmente influenciadas”

A nova campanha resgata um dos ‘cavaleiros do info-apocalipse’ — o combate à exploração infantil on-line por meio do banimento da tecnologia criptográfica para civis. Uma apresentação atribuída à M&C Saatchi observa que “algumas plataformas de mensagens, incluindo a WhatsApp” já utilizam criptografia de ponta a ponta, mas querem se opor a sua própria extensão”.

Sob os planos atuais, a “próxima campanha publicitária dirigida à proposta de criptografia de ponta a ponta do Facebook”, segundo resposta da Home Office à Freedom of Information (FOI), custará aos cofres públicos do Reino Unido nada menos que £ 534 mil.

Na apresentação produzida com foco em recrutar potenciais parceiros de coalização sem fins lucrativos, incluem propostas de ações com uma série de ataques veiculados pela mídia, esforços de uma campanha de instituições de caridade e agências de aplicação da lei do Reino Unido, além de chamadas ao públicos para ações de contato direto com empresas de tecnologia e múltiplas acrobacias no mundo real — algumas inventadas para deixar o público “inquieto”. Entretanto, não está claro se essas propostas foram aprovadas para campanha final. Tanto a Home Office quanto M&C Saatchi não responderam aos pedidos da Rolling Stone para comentar o caso. Um porta-voz da National Society for the Prevention of Cruelty to Children (Sociedade Nacional para a Prevenção da Crueldade contra Crianças em tradução livre), um dos parceiros da campanha mencionadas na apresentação, respondeu que a questão “seria melhor direcionada ao escritório de imprensa do Home Office, creio”.

Boris Johnson

Imagem: UK Prime Minister/Twitter

Um dos slides dessa apresentação chama atenção, observando que “a maioria do público nunca ouviu” sobre criptografia de ponta a ponta — acrescentando que isso significa que “as pessoas podem ser facilmente influenciadas” sobre o assunto. Além disso, o mesmo slide observa que a campanha “não deve iniciar o debate sobre privacidade versus segurança”.

Enquanto há um desconhecimento sobre quais ações serão de fato empregadas na campanha, espera-se que a fase de abertura já aconteça daqui a alguns dias. De acordo com a apresentação, a ação soará como resultado de ações práticas e das instituições de caridade para crianças, enquanto minimiza qualquer papel do governo.

As notas de apresentação ainda detalham: “para o dia do lançamento, publicaremos uma nota de imprensa anunciando que a maior instituição de caridade infantil do Reino Unido e as partes interessadas se reuniram para exortar as empresas de mídia social a colocar a segurança das crianças em primeiro lugar”. Além de ser dirigida a uma “lista acordada de veículos de mídia”, incluindo programas no formato talk show como o Loose Women e o This Morning para transmissão; o projeto menciona que está “explorando uma parceria” com o tabloide The Sun, o segundo jornal mais vendido no Reino Unido.

Há também uma descrição de como ela será encenada: “uma caixa de vidro é instalada em um espaço público. Dentro da caixa, há dois atores; uma criança e um adulto. Ambos estranhos. A criança senta-se brincando com o celular. Na outra ponta da caixa, vemos um adulto sentado em uma cadeira também em seu telefone, digitando por fora. O adulto ocasionalmente olha para a criança, conscientemente. Intermitentemente ao longo do dia, o ‘vidro de privacidade’ se ligará e a caixa de vidro, anteriormente transparente, se tornará opaca. Os transeuntes não poderão ver o que está acontecendo lá dentro. Em outras palavras, criamos uma sensação de mal-estar ao esconder o que a criança e o adulto estão fazendo on-line quando sua interação não pode ser vista”.

Um contador digital dividirá o espaço público, que contará 14 milhões em um período de 24 horas , que contará 14 milhões em um período de 24 horas — suposto número acreditado pelo governo de exploração em potencial acobertados pelo resultado da expansão da criptografia de ponta a ponta.

Criptografia de ponta a ponta: Governo britânico planeja matar privacidade de mensageiros

Imagem: Etienne Girardet/Unsplash

O Home Office já enfrentou críticas em relação aos papeis nos bastidores dos planos de comunicação. Provavelmente a nova campanha deve desencadear preocupações semelhantes, uma vez que a proposta da M&C Saatchi leva o envolvimento direto do público às respectivas empresas de mídia social. “Estamos explorando uma série de ativações que poderiam desencadear ações tanto da coalizão quanto do público… Há espaço para isso envolver uma ativação das mídias sociais onde pedimos aos pais que escrevam para Mark [Zuckerberg] através de seu status no Facebook”, leia-se no documento. O objetivo-chave seria “forçar o Facebook a avaliar seu senso de responsabilidade”, observa o texto.

Criptografia: a tecnologia protege segurança pessoal quanto a segurança nacional

A revelação desta segunda foi recebida com críticas de defensores da criptografia. Segundo eles, trata-se de um “alarmismo” que poderia colocar tanto crianças quanto adultos vulneráveis em risco ao minar a privacidade on-line. “A campanha de alarmismo do Home Office é tão desonesto quanto perigosa”, disse Robin Wilton, diretor do Internet Trust na Internet Society. “Sem criptografia forte, as crianças estão mais vulneráveis online do que nunca. A criptografia protege a segurança pessoal e a segurança nacional … o que o governo está propondo coloca todos em risco”.

A criptografia pode proteger não só as liberdades civis e os direitos individuais, mas a soberania e a independência de países inteiros, a solidariedade entre grupos que lutem por causa comum, e o projeto da emancipação global. Pode ser usada para enfrentar não só a tirania do estado contra o indivíduo, mas a tirania do império contra estados menores. — Julian Assange em Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet, 2013

A tecnologia que criptografa as comunicações de ponta a ponta está presente de forma padrão em aplicativos como WhatsApp, mensageiro controlado pela Meta, bem como iMessage (da Apple) e em aplicativos independentes e de código aberto, como Signal e nos chats secretos do Telegram (ativado manualmente pelo usuário).

Criptografia de ponta a ponta: governo britânico planeja matar privacidade de mensageiros

Imagem: Signal/Divulgação

O anúncio sobre os planos da Meta de estender a tecnologia ao aplicativo Facebook Messenger foi anunciada em novembro passado, desde então, ao que tudo indica, se tornou um dos principais focos dos esforços de anti-encriptação no Reino Unido. Adicionalmente a um plano para apelar pessoalmente a Mark Zuckerberg, visando-o “como um pai, não como um homem de negócios”.

Uma carta vai “delinear as preocupações dos pais, compartilhando os novos sentimentos obtidos na fase 1″, além de considerar um porta-voz munido da cópia da correspondência que se apresentará pessoalmente na sede da Meta, em Londres, sugerindo um pedido para “falar com Mark”, o CEO da holding.

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