Apesar da dominância do Pix e do cartão do crédito, o dinheiro em espécie ainda é uma realidade (mínima, é verdade) no Brasil. Mas este cenário pode estar prestes a mudar com a chegada iminente do Real Digital, a futura moeda tupiniquim que vai impactar cultura e operações financeiras por aqui em um futuro próximo.

A moeda em questão trata-se de uma moeda digital de banco central (CDBC na sigla em inglês) e, como o próprio nome sugere, será lançada, emitida e regulada pelo Banco Central (BC) brasileiro. De uma forma resumida, o ativo será uma versão digital do real físico — aquele em formato de cédula guardado na carteira ou debaixo de colchões, em alguns casos.

Para muitos pode soar como algo novo e inédito, mas vale frisar que o projeto vem sendo discutido há alguns anos internamente pela autarquia. Aliás, a adesão brasileira a essa modalidade acompanha o “boom” de CDBCs na gringa e é vista como uma tendência inevitável dado o avanço tecnológico recente.

De qualquer forma, por ainda estar em estágios embrionários, o Real Digital ainda é motivo de diversas dúvidas: “O que é?”, “Como vou poder usar?”, “É seguro?”, “Quando será lançado?”, entre outros questionamentos. Diante disso, o blog KaBuM! conversou com Bruno Alcântara Rodrigues, CEO da DSDX — primeira bolsa de valores de ativos financeiros digitais reais do mundo — e elaborou uma espécie de FAQ (perguntas frequentes, em tradução livre) para esclarecer tudo sobre a futura CDBC brasileira.

Bruno Alcântara Rodrigues, CEO da DSDX

Imagem: acervo pessoal

Os principais pontos desse bate-papo você confere abaixo.

Mas afinal, o que é o Real Digital?

Novamente, o Real Digital será uma versão digital do dinheiro físico tradicional que será emitida e regulada pelo Banco Central, e distribuída pelas instituições financeiras. A CDBC terá o mesmo valor do dinheiro tradicional — no caso, terá paridade 1:1 com o real — e sofrerá os mesmos impactos de inflação e valorização/desvalorização do dinheiro em espécie.

Esta versão digitalizada do real poderá ser utilizada para pagamentos cotidianos, como transações financeiras, pagamentos de boletos ou faturas de cartão de crédito e compras.

Então o Real Digital será quase a mesma coisa que o real físico?

Sim e não. Apesar de o Real Digital ser uma representação digital do real físico e ter como base a política monetária do dinheiro tradicional, ele estará em um outro ambiente — no caso, haverá uma rede própria (não física, é claro) para as operações da moeda.

“É como se fossem duas moedas, mas pareadas: o ‘real fit’ e o Real Digital — em forma de um criptoativo (token). Mas é importante destacar que ambas as moedas não estarão no mesmo ambiente”, destacou Alcântara.

Real Digital

Imagem: RHJPhtotos/Shutterstock

Há também um outro ponto importante da CDBC: o fim do intermédio de instituições bancárias. Atualmente as transações financeiras (seja via Pix, débitos automáticos ou outras modalidades) necessitam de uma autenticação bancária, uma vez que trafegam pelos sistemas financeiros.

Mas o Real Digital eliminará esse intermédio bancário, conectando o usuário diretamente a uma conta no Banco Central.

“Moedas comuns estão nas mãos dos bancos e são eles quem possuem conta no Banco Central. Mas com o Real Digital será diferente: a autarquia cortará o intermédio bancário e se conectará com o indivíduo de forma direta”, acrescentou o executivo.

Na prática, isso significa que os consumidores nem ao menos precisarão ter uma conta em determinado banco para operar com a CDBC. O que será necessário, no entanto, será uma carteira digital (wallet), onde serão alocados as quantias digitais.

O Real Digital pode ser considerado uma criptomoeda?

Não, não pode. Como lembra Alcântara, uma criptomoeda “faz sua própria emissão e não existe um dono ou lastro”. Nem ao menos existe um órgão regulador central desses ativos.

Criptomoedas China

Foto: Rodnae Productions/Pexels

Já o Real Digital será emitido e terá lastro do BC, além de sofrer impactos como o dinheiro comum. O próprio Banco Central já rotulou esse dinheiro digital como “criptoativo”. Mas não se deixe enganar: criptoativo, e não criptomoeda.

Qual o motivo dessa criação?

O Real Digital pode parecer algo inédito para muitos, mas vale frisar que diversos países já estão seguindo o mesmo caminho. Logo, a criação acompanha a tendência global de moedas digitais controladas pelo governo, como o yuan digital da China ou o CBDC da França. Outros países como Coreia do Sul, Japão e Canadá também estudam a formalização de versões digitais de suas respectivas moedas locais.

Yuan

Imagem: moerschy/Pixabay

“É uma curva inevitável. O mercado vive de comportamentos. O comportamento econômico do mundo tem entrado numa curva de descentralização muito rápida. Assim como teve mudanças do dinheiro analógico para o dinheiro tech, agora há uma nova mudança para o mundo digital. É um caminho de evolução natural do dinheiro”, pontuou Alcântara.

A lógica é relativamente simples: se houve uma mudança global tecnológica que converge para novos sistemas de pagamentos e investimentos, faz-se necessário uma mudança também do dinheiro tradicional.

Quais são os benefícios dessa futura moeda digital?

Importante lembrar que tudo ainda está no campo teórico, uma vez que a moeda ainda não foi implantada. Mas, bem, existem um punhado de pontos positivos que giram em torno da versão digital do real.

  • Menos cédulas no mercado

Segundo o Banco Central, apenas 3% dos recursos disponíveis para as operações financeiras no país estão na forma de papel-moeda. É pouco? É pouco. Mas querendo ou não, a emissão de reais físicos pode gerar um gasto considerável para a autarquia.

Logo, substituir as cédulas por versões digitais reduziria esse custo e, em tese, pouparia um montante que poderia ser usado para outras melhorias — como otimização das tecnologias financeiras ou mais investimentos em segurança, por exemplo.

  • Integração com o universo blockchain

Outro benefício apontado é a capacidade de integração do Real Digital com ferramentas e organizações características da rede blockchain, como contratos inteligentes, instrumentos de finanças descentralizadas (DeFi) e Organizações Autônomas Descentralizadas (DAOs).

  • Mais segurança

Por beber da fonte da segurança da rede blockchain, o Real Digital tende a ser mais seguro que as transações convencionais, segundo o BC. Será possível, por exemplo, utilizar a moeda para garantir a segurança na compra de um carro usado por meio de um contrato pré-pago.

Além disso, o Banco Central aponta que a CDBC vai auxiliar no combate a crimes financeiros como lavagem de dinheiro, já que os fluxos poderão ser rastreados — diferentemente do que acontece em situações de dinheiro em espécie.

“Enquanto houver moeda fit, a lavagem de dinheiro estará viva, já que muito dinheiro estará transitando de forma analógica. Com o Real Digital será muito mais difícil: o dinheiro vai transitar em um ambiente só. É como se a moeda transitasse ‘em um único app’, de mão em mão, mas em um só ambiente. Fica mais difícil, porque terá o rastro do dinheiro”, destacou Alcântara.

  • Isenção de taxas e mais agilidade

Assim como já acontece com o Pix, a versão digital do real deverá eliminar as taxas cobradas por instituições financeiras. Isso tudo aliado a mais agilidade nas operações — algo importante em tempos de modernidade líquida e tecnologias de ponta.

  • ‘Internacionalização’ do real

Também é dito que a nova moeda causará uma espécie de “internacionalização” do real, já que ela poderá ser usada em viagens no exterior ou em compras internacionais sem a necessidade prévia de conversão para outras moedas.

Será possível sacar o montante em Real Digital?

A página do Banco Central afirma que o Real Digital também poderá ser convertido em dinheiro em espécie. Contudo, Bruno Alcântara reforça que isso será um pouco mais complicado do que parece.

Ilustração de saque com o Real Digital

Imagem: Andrzej Rostek/Shutterstock

“A questão sobre o saque não é tão simples. Será preciso converter o Real Digital no real tradicional para que isso aconteça. Eles vão criar mecanismos para facilitar essa troca, mas no sistema financeiro tradicional serão duas moedas diferentes”, afirmou.

Qual é o atual estágio do Real Digital?

O Real Digital ainda está em estágios iniciais. No caso, o Lift Challenge consiste em um desafio em que empresas do setor financeiro apresenta projetos de possíveis usos da CDBC. Até o momento, o Lift Challenge conta com nove projetos das seguintes integrantes: Aave; Banco Santander Brasil; Febraban; Giesecke e Devriente; Itaú Unibanco; Mercado Bitcoin; Tecban; Vert e Visa do Brasil.

Vale frisar, no entanto, que o programa só vai terminar entre o fim de 2022 e o começo de 2023. Logo, ainda há muito caminho a ser trilhado — e possíveis novas propostas a serem consideradas.

A emissão da moeda já começou?

Infelizmente não. Por mais que o início das emissões estivesse programado para 20 de outubro, a Federação Nacional de Associações de Servidores do Banco Central (Fenasbac) confirmou “que não houve e que não está previsto a emissão do Real Digital dentro do escopo e da vigência do laboratório Lift Challenge: Real Digital”.

Segundo o BC, emissões de moedas fictícias podem ter ocorrido, mas essas não se tratam do Real Digital ou de um protótipo, e nem ao menos possuem valor monetário atrelado ao real. A expectativa é de que emissões de projetos mais concretos aconteçam no primeiro semestre do ano que vem.

Inclusive, quando os primeiros protótipos reais forem emitidos, a rede da CDBC também será inaugurada.

Quando o Real Digital será lançado?

É preciso reforçar que o prazo dependerá do avanço dos projetos, do patamar infraestrutural e tecnológico da rede, bem como de outros detalhes que podem adiantar ou postergar a chegada da CDBC. Contudo, a ideia do Banco Central é de lançar oficialmente o Real Digital em algum momento de 2024.

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