[Review] The Devil In Me fecha série Dark Pictures Anthology com terror brando e sem muito brilho
Quarto título da franquia de horror da Bandai Namco se perde em meio à jogabilidade com bugs e narrativa desnecessariamente confusaBy - Rafael Arbulu, 1 dezembro 2022 às 12:15
Um serial killer, um hotel e muita gente morta: o quarto episódio da franquia The Dark Pictures Anthology, da Bandai Namco, traz aos holofotes o fim da sua primeira temporada com The Devil In Me, uma novela interativa de horror que foge do padrão estabelecido por sua própria marca, evitando temas folclóricos e aspectos sobrenaturais em favor de uma narrativa mais minimalista e (semi) realista.
Embora confuso em vários pontos, o jogo lançado em novembro acaba cumprindo o seu papel, contando a sua versão extremamente exagerada de eventos reais, mas pecando com bugs estranhos que derrubam a sua imersão – algo imperdoável em um gênero de jogo que, literalmente, a história e a atenção na tela são primordiais ao sucesso. Já aviso: esse será um dos reviews mais estranhos, já que temos muita coisa boa para falar do jogo, mas a conclusão não será lá essas coisas…
The Dark Pictures Anthology: The Devil In Me
Enredo
O maior trunfo de The Devil In Me é também uma de suas falhas: estamos falando de um jogo que segue uma ramificação diferente dos games de horror – a novela interativa. Trata-se de um subgênero onde as ações dos personagens progridem na tela automaticamente, influenciadas pelas decisões que você toma conforme vai avançando no enredo, ao invés de progredir numa história fechadinha por meio da ação direta. Em outras palavras: menos Resident Evil, mais Until Dawn.
Eu, particularmente, gosto muito, haja vista que isso permite uma ramificação extremamente variada de possíveis finais, ao mesmo tempo em que força o jogador a prestar muita atenção no enredo. E The Devil In Me tem isso de sobra.
O jogo se aproveita da história real do suposto “primeiro” serial killer dos Estados Unidos: Henry Howard Holmes foi um empreendedor que matou várias pessoas antes de ser condenado e enforcado em maio de 1896. Algumas de suas vítimas foram mortas em um edifício multiuso onde ele tentou abrir um hotel. Na realidade, ele nunca conseguiu tirar o negócio do papel; no jogo, o hotel existe em pleno funcionamento.
Esse mesmo panorama é aproveitado no prólogo de The Devil In Me, com o próprio Holmes recebendo um casal em lua de mel em seu estabelecimento. Aqui, você já tem uma boa ideia do que esperar, com decisões relativamente simples (ou isso, ou aquilo) que trazem desfechos diferentes aos personagens envolvidos.
Depois disso, o jogo dá um salto temporal, e um arquiteto contemporâneo convida uma equipe de filmagem para uma estadia na réplica que ele criou da obra de Holmes – a equipe, porém, não sabe das inúmeras armadilhas que a esperam no local.
O que se sucede a partir deste pano de fundo é justamente o que se espera de um filme de terror com altos níveis de interação: controlando vários personagens, você decide os eventos que virão a seguir – implicando a sobrevivência ou a morte de quem está na tela. É possível salvar todo mundo, matar todo mundo, resgatar uma parte, o assassino sobreviver, o assassino morrer…enfim, uma sorte de possibilidades para todos os gostos.
O problema é que, durante o “grosso” do enredo, as coisas podem ficar estranhamente confusas, com personagens mudando de alianças sem motivo aparente ou o jogo forçando uma progressão narrativa que tem muito pouco a ver com a decisão que você tomou momentos antes.
A meu ver, pareceu uma tentativa de deixar as coisas mais imprevisíveis, mas o resultado final é só…desnecessário. Não necessariamente ruim, mas sim uma sensação de que, não fossem certas inconsistências, partes da história poderiam transcorrer da mesmíssima forma – talvez até melhor.
Felizmente, é uma curva: ao mesmo tempo em que a qualidade do enredo desce, ela também sobe lá pelo último terço do jogo, fechando The Devil In Me em uma ascendente.
Visual
Até mesmo a melhor das histórias perde muito de sua capacidade de imersão se o jogo for…bem…”feio”. Felizmente, The Devil In Me é um primor gráfico: a Bandai Namco e o estúdio Supermassive Games investiu pesado na tecnologia de captura de movimentos, mostrando versões computadorizadas do elenco de atores com uma reprodução bastante fidelizada da vida real.
O maior destaque fica para o próprio H.H. Holmes: tal qual sua contraparte real, o personagem foi reproduzido com bastante respeito às fotos e imagens do assassino norte-americano, valorizando expressões faciais bastante coerentes e imitando até mesmo efeitos de ambiente, como o imenso bigode dele se movendo contra as correntes de ar.
O jogo de luz e sombra também traz um show à parte aqui: no prólogo, o hotel onde a história se desenvolve é bastante iluminado – um aspecto comum à cidade de Chicago no século XIX. Após o salto temporal no início do jogo, há uma troca bem fluída para um ambiente mais noturno, invertendo os ambientes abertos do começo para áreas de intensa escuridão e apenas alguns feixes de luz de luar contra cortinas e móveis, dando um tom de incerteza e uma sensação de desconforto com algo que pode ou não acontecer na próxima cena.
Infelizmente, nem mesmo o maior dos investimentos está totalmente livre de bugs – e apesar de não serem numerosos, os de The Devil In Me são suficientemente notáveis para quebrar a imersão: em algumas cenas, os modelos dos personagens se mantém em posições completamente inumanas, cortesia, por exemplo, de um braço que não voltou ao normal na cena anterior; ou então algum móvel cuja cor saltou demais aos olhos por causa da iluminação citada mais acima.
São pequenas coisas, mas que me fizeram pausar o jogo para entender o que estava acontecendo com o bug e não com a história.
Som
A sonoridade é um tema importante, que traz um bom complemento ao visuais de The Devil In Me. A trilha sonora abusa de efeitos especiais de pequena percepção, sempre deixando você questionar se está ouvindo alguma coisa mais distante, ou se é apenas uma impressão sua – mantendo você constantemente em um estado de incerteza.
A música em si não tem nada de muito especial, considerando que ela não traria muita praticidade aqui: salvo por alguns momentos de apresentação de cenário – a câmera panorâmica que apresenta o hotel no começo do jogo, por exemplo -, as canções deste título não servem a nenhum outro propósito.
O destaque fica mesmo na dublagem e nos efeitos sonoros: engrenagens que trocam as paredes de lugar e o acionamento de armadilhas são perfeitamente sincronizados com os gritos e sustos tomados pelos personagens, sem nenhum tipo de atraso que deixe as coisas “fora de lugar”. Há cenas em que a união entre o som e a imagem é muito bem costurada, criando um espectro audiovisual bastante soturno e verdadeiramente assustador.
Combine isso à atuação do elenco de personagens do jogo e você tem em mãos uma experiência sensorial bastante robusta e completa.
Gameplay
Não há muito o que dizer da jogabilidade de um título que, por vezes literalmente, progride sua movimentação por conta própria: 99% de The Devil In Me contempla apenas a tomada de decisão, com algumas pitadas de movimentação de cenário aqui e ali.
É um nicho bastante fechado de jogos mais voltados à história – um que vem sendo popularizado por títulos como Until Dawn além da própria franquia The Dark Anthologies, felizmente. Mas ainda assim, é algo que exige muita paciência por parte do jogador.
A diferença entre este horror e aquele apresentado por Resident Evil, mais acima, não foi mencionada à toa: na franquia da Capcom, a tomada de ação é mais dinâmica – você corre, anda, chuta, atira, ataca, foge. Toda uma série de verbos de ação que fazem com que você sinta no controle uma variedade maior de movimentos, o que dita a sua experiência pelo senso estratégico. Vale mais a pena gastar sua munição matando os inimigos à frente, ou contorná-los na corrida até que você esteja em segurança?
Essa mesma premissa se apresenta em The Devil In Me de forma diferenciada: seu único poder aqui é fazer esta ou aquela escolha, e ver a trama se desenrolar de acordo com o que você decidir. Literalmente, é uma novela, com detalhes interativos (e muitas mortes, neste caso). Não é nem menos, nem mais, já que uma simples decisão sua pode trazer implicações permanentes à história. Mas os menos pacientes poderão acusar tudo isso de falta de dinamismo, haja vista que não é bem “você” quem está agindo na tela.
Colocar o jogador na posição de observador de decisões, porém, é algo bastante acertado do ponto de vista narrativo: você vê as consequências das suas escolhas na tela, e se ajusta para seguir a história em frente de acordo com o que acabou de acontecer. A graça está em voltar ao mesmo ponto numa próxima partida e tentar seguir o outro curso.
Realmente, não é tão dinâmico quanto correr e atirar, mas ainda assim, é um formato bastante detalhado de jogo.
Conclusão
The Dark Pictures Anthology: The Devil In Me é ótimo. É um jogo muito bom mesmo. O problema é que ele é “só mais um” se comparado aos seus predecessores. A Bandai Namco preparou a franquia como se fosse uma grande série de TV, moldada a la American Horror Story, com grandes arcos diferentes contemplados em cada jogo.
Entretanto, The Devil In Me se preocupou tanto em ser diferente de seus anteriores que acabou saindo como um produto à parte em meio a um grupo de iguais: a ideia de abandonar temas folclóricos ou mitologia suméria (como visto em House of Ashes, o terceiro episódio da franquia) e favorecer um enredo mais “pé no chão” pode ter sido boa na teoria, mas sua execução prática deixou um pouco a desejar.
É um jogo bom? Sim. Mas também é bem inferior aos seus predecessores – e considerando que este é o episódio que “fecha” esta primeira temporada (e sabe lá quando os cinco jogos confirmados da segunda sairão), a experiência acaba sendo bem agridoce para quem esperava um desfecho mais magnífico.
The Dark Pictures Anthology: The Devil In Me está disponível para PlayStation 4 e PlayStation 5; Xbox One e Xbox Series S/X; e Windows (PC).
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