Testadores de jogos da Nintendo relatam anos de assédio sexual
Em declarações, uma contratada de uma empresa terceirizada pela Nintendo relata o que sofreu nos quase dez anos em que trabalhou para a empresaBy - Luiz Nogueira, 17 agosto 2022 às 9:47
A Nintendo, assim como diversas empresas que criam jogos, contratam profissionais para testar esse games à procura de bugs e outras questões que podem impedir o lançamento do título e estragar a experiência dos jogadores.
Para isso, a empresa usou uma companhia terceirizada, chamada Aerotek, que contratava pessoas para o serviço. Essa era uma estratégia da companhia de jogos que a tornava uma das que mais lucravam com a prática – o que torna os testadores peça fundamental do processo de criação de um game.
No meio desses profissionais, como divulgado pelo Kotaku, havia Hannah, um nome fictício para identificar uma das funcionárias. Ela estava no cargo há quase uma década, mas decidiu deixar o emprego há dois anos após diversas ocorrências de assédio e problemas com a empresa.
Segundo ela, no início, tudo estava tranquilo. Os funcionários até haviam criado um grupo no Microsoft Teams chamado “The Laughing Zone” para compartilhar memes entre si. As coisas começaram a desandar quando um tradutor recém-chegado à empresa foi adicionado.
Isso porque ele, logo no início, enviou uma publicação do Reddit explicando o motivo pelo qual o Vaporeon é o melhor Pokémon para se ter relações sexuais. Hannah ficou enojada com os comentários, mas ele não parou por aí.
Em seguida, quando a conversa foi para o “Genshin Impact“, ele tentou justificar por qual motivo não havia problema em se sentir atraído pela Paimon, uma personagem de aparência, voz e personalidade infantil.
Hannan, incomodada com tudo isso, juntou os comentários e levou à administração da Aerotek. No entanto, isso não surtiu efeito, já que, ao contrário dela, que era uma funcionária terceirizada, o homem era funcionário direto da Nintendo e, portanto, a Aerotek não tinha como intervir na demissão dele.
“[O teste de produtos] realmente parecia uma casa de fraternidade às vezes”, disse um ex-testador que trabalhou com a Nintendo em 2017.
Diferenças de salário
A questão aqui, além dos casos de assédio no grupo, é que as mulheres não eram contratadas para cargos mais altos ou para receber salários melhores. Hannah descobriu que, após trabalhar nove anos para a Nintendo, seu salário chegou a US$ 16 por hora e que, um empreiteiro mais jovem de seu departamento estava ganhando US$ 19 por hora.
Depois de muita luta e reivindicação, o salário de Hannah foi aumentado para US$ 18 por hora – ainda assim, abaixo do que seu colega ganhava.
A situação ficou ainda pior quando os amigos de Hannah a culparam por ter exposto seu colega de trabalho que mandou as mensagens no grupo do Microsoft Teams. A Aerotek também a pediu para ser menos “sincera” depois que ela relatou o incidente. Por outro lado, a única punição para o homem foi participar de um treinamento para evitar assédio sexual.
Mas ele não era o único a perseguir as funcionárias. Hannah afirma que, em seus quase dez anos de Nintendo, sofreu incidentes inapropriados suficientes para uma vida. Ela saiu do emprego porque sentiu que seu local de trabalho não dava o devido suporte e não a protegia do comportamento sexualmente inadequado dos homens.
Em 2020, por exemplo, Hannah relatou que ela e outra funcionária sofriam assédio vindo de um funcionário da Nintendo e de outros colegas da Aerotek. Ela chegou a ser alvo de perseguição e chorava em sua mesa, além de ter ataques de pânico todos os dias.
“Havia um homem que estava constantemente fazendo piadas e comentários realmente grosseiros, mas era amigo de todos lá. Todo mundo o amava”. No entanto, isso parecia ser apenas uma “máscara” para esconder suas atitudes.
“Ele disse literalmente que me faria ser demitida se eu denunciasse”, declarou Hannah.
Funcionários com cargos mais altos na Nintendo
Mas parece que essa atitude não se restringe apenas a funcionários de níveis operacionais da Nintendo. Esse é o caso de Melvin Forret, que trabalha no departamento de testes da empresa desde os anos 1990, o que o tornou chefe da divisão de testes.
É ele quem decide quem vai retornar depois do término de um projeto. Por conta disso, para ser chamado para um novo período de testes de um novo game, basicamente é necessário manter uma boa relação com Forrest.
Ao Kotaku, várias fontes relataram que ele fez diversos comentários inapropriados em relação a testadoras durante diversas ocasiões. Como citado por Chris Ollis, um ex-testador contratado que trabalhou para a Nintendo até 2014, Forrest era conhecido por ir “atrás de todas as garotas contratadas”. Algumas pessoas ainda aconselhavam as mulheres a ficarem longe de sua mesa.
Em novembro de 2010, Ollis conta uma situação bastante desagradável envolvendo outro funcionário. Ao ser chamado para uma festa da qual a Nintendo era patrocinadora em Seattle, Eric Bush, um dos supervisores da empresa, se inclinou e disse a ele para perguntar a uma contratada qual a cor de sua calcinha.
Discriminação pela sexualidade
Hannah, que é lésbica assumida, também disse que enfrentou diversos comentários inapropriados relacionados à sua sexualidade. Quando algum homem tentava uma aproximação e ela falava que não iria acontecer nada, eles diziam que “isso era meio triste”.
Uma outra testadora passou por algo parecido enquanto era contratada pela Aerotek. Durante os intervalos do trabalho, ela e uma outra testadora namoravam e, quando se encontravam, ficavam de mãos dadas. Com isso, várias vezes ambas eram chamadas no escritório de contratação e advertidas sobre as políticas de “não tocar” existentes na empresa – e que não eram aplicadas a casais heterossexuais.
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