Como o streaming de jogos está revolucionando a indústria gamer
Com a premissa de mais alcance e mais acessibilidade, o streaming de jogos promete uma verdadeira "democratização" dos gamesBy - Igor Shimabukuro, 1 dezembro 2021 às 10:20
E se montar um PC Gamer caríssimo, comprar um videogame de última geração ou adquirir o smartphone do ano não fossem mais requisitos para uma boa jogatina? Há quem diga que este cenário é utópico, mas essa é a premissa dos serviços de streaming de jogos, que prometem desencadear uma verdadeira revolução na indústria gamer.
Neste modelo de negócios baseado em planos de assinatura, o usuário paga uma determinada quantia por mês e garante acesso a um extenso catálogo de jogos que, por rodarem em nuvem, não necessitam de hardware de ponta ou espaço de armazenamento nos dispositivos (em alguns casos). O único requisito é uma boa conexão de internet.
Exemplos não faltam. Xbox Gaming Cloud (xCloud), GeForce Now, PS Now, Shadow, Luna… É como se esses serviços de streaming de jogos fossem a “Netflix do universo de videogames”. Já tem um console? Ótimo. Não tem? Então rode alguns dos principais títulos diretamente de um celular ou computador.
E para melhor compreensão do que real impacto destes serviços dentro da indústria de jogos, a equipe do blog KaBuM! conversou com dois grandes experts do mercado: Fernanda Domingues, especialista em games há 24 anos e professora de e-Sports na FIA, e Carlos Silva, Head of Gaming na GoGamers e coordenador na Pesquisa Game Brasil (PGB).
Menos pré-requisitos, mais acessibilidade
Um dos pontos unânimes entre os entrevistados certamente foi a visão de democratização dos games com a chegada dos streaming de jogos em nuvem. Isso porque adquirir um computador/notebook de última geração ou um console atual não é nada barato, ainda mais no Brasil, que sofre com a oscilação do dólar e uma taxa altíssima de impostos.
Conectando os pontos, a ideia é relativamente simples: sem a necessidade de aquisição de dispositivos mais caros, mais usuários conseguirão ter acesso ao produto. Naturalmente, isso vai ampliar o alcance dos títulos, o que deve ser favorável tanto para as publishers quanto para os players.
“O streaming de jogos em nuvem representa uma verdadeira revolução tecnológica. Essa nova tecnologia elimina a necessidade de baixar os jogos, permitindo que eles sejam disputados na nuvem, usando qualquer dispositivo — inclusive o celular. Num país como o Brasil onde celulares, consoles e PCs custam uma fortuna, esses lançamentos revolucionam e democratizam o acesso aos games”, pontuou Domingues.
E, bem, ela está mais que certa. Consoles como PlayStation 5 ou Xbox Series X/S podem ultrapassar facilmente a faixa dos R$ 5 mil. Os preços dos computadores não ficam para trás, uma vez que a atual crise dos chips tem aumentado o valor das placas de vídeo — item extremamente necessário para as jogatinas.
Em contrapartida, indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) referentes ao segundo trimestre deste ano destacaram que o rendimento médio do brasileiro ficou em R$ 2.433. Não é preciso grandes conhecimentos em matemática para observar um grande problema de acessibilidade.
Mas isso pode ser facilitado com planos mensais. Para Silva, a população já se acostumou com o modelo de negócios baseado em assinatura — vide Netflix, Spotify, Amazon Music, entre outros. Logo, levar este molde para um mercado com potencial imenso e que cresce a cada ano pode ser um facilitador para atrair ainda mais gamers.
“Se olharmos para o cenário de consumo digital, veremos que é algo muito caro. Comprar console ou PC é caro e os produtos físicos também são. Esses recursos [streaming de jogos] tendem a revolucionar o consumo de games e as pessoas estão mais propensas a usar esse tipo de serviço porque já virou algo comum. A popularização do serviço e essa democratização dão acesso a muito mais pessoas que hoje têm essa dificuldade”, destacou o executivo.
Impactos no setor
Mas além da questão de acessibilidade — que está diretamente ligada aos impactos financeiros —, os serviços de streaming de jogos também surtirão efeitos em todo o cenário: aos players, aos desenvolvedores de games e às publishers.
Para os gamers, as principais mudanças serão a forma de consumir os jogos. É certo que atualmente os produtos digitais já tomaram o lugar dos itens físicos, mas isso deverá ser refletido em uma ampliação do consumo multiplataforma. Começar um título no PC, continuar no console e finalizar no smartphone será uma realidade.
E com isso, cresce a necessidade dos desenvolvedores de encontrarem um equilíbrio para as diferentes exigências. Ou seja, eles terão de agradar tanto o consumidor de PC que exige um produto high-end, quanto ao consumidor mobile que espera que jogos mais robustos rodem em seus smartphones sem maiores problemas.
Já para as publishers, será uma ótima oportunidade de mercado para crescerem ainda mais no segmento e atraírem mais jogadores aos seus serviços. Talvez mais que isso: uma questão de “sobrevivência”.
“Se as publishers quiserem garantir seu mercado terão de participar […] E elas não vão perder um mercado potencial desse tamanho. Pode apostar”, cravou a professora.
Indo mais além, Carlos Silva destaca que outro grande impacto deve ser visto no setor logístico. Como não haverá mais produto físico circulando, as empresas terão que investir em servidores e data centers para comportar a demanda. Neste ponto, um desenvolvimento de infraestrutura será vital.
Pandemia impulsionou o streaming de jogos
É bem verdade que muitos desses serviços de streaming de jogos já estavam disponíveis lá fora. Mas nos últimos meses, eles não só desembarcaram com a corda toda aqui no Brasil, como ganharam mais evidência no mundo todo. E um dos motivos, na verdade, pode ter sido a pandemia de Covid-19.
Silva menciona que “eventos esportivos, obras cinematográficas e outros tipos de entretenimento” foram paralisados durante a pandemia, mas o consumo de games e e-Sports não. Com isso, o segmento ganhou ainda mais holofotes (aqui e lá fora), o que desencadeou um avanço acelerado no setor.
“As marcas também viram essa capacidade. Nunca se viu tantos patrocinadores, bancos e grande empresas investindo nos games. Esse potencial foi impulsionado por conta da pandemia, marcas e do próprio público engajado”, destacou.
Dificuldades e conflito de interesses
Claro, nem tudo é um mar de rosas. Embora tenha a premissa de ampliar o alcance dos títulos para mais pessoas, o streaming de jogos tem um pré-requisito muito bem definido: uma boa conexão de banda larga. Do contrário o usuário vai sofrer com a alta latência (o famoso “lag”) e a experiência tende a ser bem ruim.
E a qualidade da internet é um dos problemas do Brasil. Os poucos serviços disponíveis no mercado nem sempre oferecem a qualidade esperada. Para piorar, há restrições em algumas áreas que impedem uma maior cobertura e os preços oferecidos podem não ser os mais adequados para comportar toda a população.
“O que é preciso é que o brasileiro tenha mais acesso a tudo isso: conexão de internet, preços acessíveis (da própria conexão), etc. Com isso evoluindo, o resultado é mais pessoas e mais investimento. Se você tiver uma boa experiência, você vai querer continuar naquilo. E os jogos querem criar esse engajamento recorrente”, destaca Silva.
Felizmente, há uma luz no fim do túnel. Mesmo que com um pouco de atraso, o 5G finalmente parece que vai engrenar no país. A expectativa é de que isso leve certo tempo, é verdade, mas uma vez implementada, a tecnologia deve trazer melhorias para diversos setores. Inclusive para o de games.
“A chegada do 5G com certeza vai ajudar e, por outro lado, novos servidores devem surgir. Sempre que há um update no mercado de games, que é um mercado global gigante de quase US$ 180 bilhões, a infraestrutura ao seu redor melhora”, comenta Domingues.
E os servidores terão um papel importante nisso. A lógica é bem simples: quanto mais deles, mais players simultaneamente na mesma região, menos tempo de espera nas filas e menos chances de o serviço lotar. Como consequência, os jogadores podem esperar por um serviço muito mais otimizado.
Por falar em serviço otimizado, as próprias empresas de streaming de jogos terão que lidar com algumas rupturas e adotar ideias que apoiem a integração do mercado em prol dos jogadores. Isso porque o modelo de negócios, querendo ou não, vai culminar em alguns conflitos de interesse curiosos.
O GeForce Now, por exemplo, reforça que o serviço não exigirá um computador super potente com uma placa de vídeo de ponta. O “pequeno” detalhe é que a marca também vende GPUs high-end e terá que lidar com a contradição de vender um produto que torna-se um concorrente de seu outro produto.
Além disso, é bem possível que ex-exclusivos da Sony que chegaram ao PC possam ser incorporados em alguns desses serviços de streaming. Em uma das hipóteses, se o serviço rodar em um navegador do Xbox, jogadores da Microsoft poderão finalmente colocar as mãos em títulos da Sony. Interessante, não?
Embora Carlos acredite que isso, de fato, possa gerar conflitos de interesses, o foco terá de ser no consumidor. O gamer hoje quer jogar onde quiser e quando bem entender e “as empresas que entenderem isso rapidamente terão grandes chances de fazer sucesso”.
Streaming de jogos: a revolução gamer
No fim das contas, a “revolução gamer” talvez seja uma boa maneira de explicar o processo do streaming de jogos. Essa quebra de paradigmas envolverá rupturas entre as companhias, mudanças para os desenvolvedores, desenvolvimentos para os serviços globais de infraestrutura e tecnologia e, claro, mais opções para os gamers.
O atual panorama já mostra como a indústria está mudando e se adaptando aos novos moldes. E aquele que não der a devida atenção a isso, poderá deverá ficar para trás.
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