A cena é bem familiar: você está lá, lendo a análise de um jogo que quer comprar, vendo um vídeo sobre seu game favorito ou afins, e, de repente, vem a famosa frase “elementos de RPG”. E é aí que, se você não é um fã do estilo, não vai entender o que isso quer dizer, e mesmo que seja, o que caracteriza os tais “elementos de RPG”? E por que eles estão tão presentes em games da atualidade?

Para responder a essa e outras dúvidas, vamos voltar ao começo de tudo, antes mesmo dos videogames se tornarem populares. Um tempo em que papel, caneta, matemática e muita imaginação dominavam uma geração.

O começo de tudo em 1974

RPG de mesa

Fonte: Wikipedia

Não existe um consenso sobre o primeiro RPG lançado, mas o primeiro a fazer imenso sucesso foi Dungeons & Dragons, criado por Gary Gygax e Dave Arneson. Inicialmente, ele foi concebido como um complemento para outro tipo de jogo bem famoso na época, o jogo de peças de miniatura chamado Chainmail. Antes, você tinha que andar com várias miniaturas pelo “campo de batalha” com diversos cálculos para definir quem venceria os combates, quem poderia avançar e basicamente realizar qualquer outra ação com seu exército. O D&D veio com a proposta de simplificar e, ao mesmo tempo, expandir essa ideia.

Na criação de Gary e Dave, teríamos um grupo pequeno de personagens, e cada pessoa controlaria um. A liberdade era total na forma de criar, de que raça esse personagem seria e como ele agiria. Para controlar toda essa liberdade, tínhamos o Dungeon Master, uma pessoa responsável por ditar a aventura, verificar as regras e arrumar soluções criativas para o que os jogadores escolhessem fazer.

E esse novo estilo de jogo foi batizado de Role-playing game (jogo de interpretação de papéis). Um nome que resume muito bem o que ocorre: você desempenha um papel dentro do contexto do jogo. Baseado nas regras, você cria um personagem, define suas forças e fraquezas, decide como ele será em sua personalidade e dita o que ele fará nas situações que encontrar.

Para deixar tudo isso mais justo e para que o jogo funcionasse, muita matemática era envolvida. Tudo era medido em pontos: sua vida, a força de sua arma, a defesa de sua armadura, etc. Se sua vida tinha 10 pontos restantes e o inimigo, após todos os cálculos, causou 10 ou mais de dano, você era derrotado, por exemplo.

E para calcular quem acertava ou errava ações, dados eram utilizados. O dado mais famoso é o D20, que basicamente é um dado com 20 lados. Claro que o jogo tem muito mais nuances, mas vou me manter apenas no básico para entendermos sua transição para os videogames.

A transição para os videogames e computadores

Baldurs Gate

Fonte: LevelSkip

Depois de ler a parte acima, com certeza muita gente pensou “muito legal ter essa liberdade, mas ficar fazendo contas para tudo não parece muito divertido”. E você está certo, tanto que muitos que jogam RPG de mesa até deixam as regras mais flexíveis para diminuir a quantidade de cálculos, mas isso varia de jogador para jogador. O fato é que, caso esses cálculos fossem automáticos, o jogo seria mais rápido e ágil.

Agora, pegue o conceito de um RPG sem os cálculos feitos à mão e observe seus elementos: controlar um personagem ou grupo; fazer missões como se fosse esse personagem; decidir o que ele vai fazer; equipar itens com pontos atribuídos a eles… isso não é, basicamente, a descrição de muitos jogos que você conhece?

Sim, RPGs, desde sua essência, mesmo que sem querer, possuem muitas semelhanças com coisas que gostamos de fazer em videogames. E é por isso que não demorou muito para que o primeiro jogo de RPG do mundo fosse lançado, já em 1975. Seu nome é pedit5, feito para o PLATO System (um computador feito pela Faculdade de Illinois). Nele, controlamos um guerreiro que atravessa uma dungeon matando monstros e acumulando dinheiro. Era bem rudimentar, mas para os padrões de 1975, isso era gigante. E aos poucos, o gênero foi se popularizando.

Os tipos de RPG nos videogames

Shin Megami Tensei 3 Nocturne

Fonte: Medium

Claro que os videogames e computadores antigamente possuíam várias limitações, e fazer um RPG completo neles não seria uma tarefa fácil. Na verdade, por muito tempo foi praticamente impossível. Afinal, imagine? O conceito todo de um RPG era uma aventura épica extensa e com diversas possibilidades, onde você escolhe como agir. É algo muito complexo de ser feito.

Por isso, com o passar dos anos, vários estilos derivados dessa experiência central dos RPGs foram surgindo, cada um emprestando pontos dos jogos de mesa e adaptando-os em seus gameplays. Com isso, o gênero foi se derivando em vários subgêneros com seus próprios detalhes e qualidades.

Alguns exemplos são:

• CRPG: Os chamados Computer Role-playing Game, apesar do nome parecer muito genérico, possuem características bem próprias. Geralmente são jogos mais difíceis e que não perdoam um personagem construído da forma errada; utilizam câmeras isométricas e costumam se aproveitar de ser um jogo para computador ao seu máximo, utilizando várias teclas para várias ações, menus ou partes do jogo que exigem digitação e o uso extensivo de mouse. Fallout 1 e 2 são dois bons representantes dos CRPG antigos, mas eles continuam até hoje, se modernizando e melhorando. Um exemplo bem recente de um CRPG moderno é Wasteland 3.

• Dungeon Crawler: Dungeons, ou calabouços em sua tradução, são uma característica presente em praticamente todos os RPG, até os de mesa. Elas consistem em locais fechados, geralmente protegidos por monstros e armadilhas, onde você deve explorar para encontrar a recompensa no final. Existem jogos, porém, que focam apenas na exploração de dungeons e nada mais, e esses são os Dungeon Crawlers. Em jogos do tipo, você explora uma ou mais dungeons o jogo inteiro, e sai delas apenas para vender itens (e às vezes nem isso) e partir para a próxima dungeon. O exemplo mais famoso de um Dungeon Crawler é Diablo.

• RPG de Estratégia: Esse é um tipo de RPG que se parece com um tabuleiro de xadrez. Nele, controlamos personagens com características, vantagens e desvantagens diferentes, e os movemos por um tabuleiro para enfrentar adversários. Como o próprio nome diz, não basta apenas mover os seus personagens para perto do inimigo e atacá-los, as estratégias envolvem o tipo de terreno, a vantagem de uma arma ou personagem, entre muitos outros. Um exemplo: um arqueiro funciona muito melhor em uma altura superior, e tem desvantagem contra um inimigo que esteja muito próximo, então não adianta mandá-lo para a linha de frente. Jogos famosos do estilo são Final Fantasy Tactics, XCOM e Warcraft 3.

• MMORPG: Apesar do nome complicado, esse é o mais simples de se entender: são RPGs online. Cada um tem o seu foco diferente, mas a base deles é nos permitir viver outra vida em outro mundo e fazer amizades online. Os melhores representantes do estilo possuem muita liberdade e ferramentas para interação muito bem feitas. Grandes representantes do estilo são World of Warcraft, Final Fantasy XIV e Guild Wars 2, mas temos jogos para vários gostos nesse estilo.

• JRPG: Esses são os famosos RPGs japoneses. Ok, você pode estar pensando que isso é uma definição muito genérica, mas garanto que não é! O que ocorre é que os RPGs ficaram muito famosos lá no Japão também, que tem uma cultura muito diferente. Além disso, como naquela época o mundo não era tão globalizado como hoje, tanto o ocidente como o oriente começaram a criar seus jogos baseados no estilo. Porém, o Japão foi moldando um estilo totalmente particular de RPGs, com histórias cada vez mais extensas e se tornando complexas, e personagens criados com os valores japoneses de amizade, lealdade e honra em mente, e com piadas ou gags visuais tipicamente japonesas. Pela diferença cultural, muitos RPGs japoneses foram pioneiros em discutir assuntos bem sérios e adultos em consoles, já que, no ocidente, os videogames eram vistos como brinquedos e os jogos mais adultos ficavam para os computadores. Enquanto isso, lá no Japão tínhamos histórias sérias e adultas disponíveis para o NES e outros consoles da época. Representantes famosos do estilo são a série Final Fantasy, série Dragon Quest, série Pokémon e a série Persona/Shin Megami Tensei.

Além dos estilos, temos uma segunda definição muito clássica: se o RPG é por turnos ou é um RPG de ação – isso demonstra o estilo de combate do jogo. Um RPG por turnos é um onde você e seus inimigos podem se mover e realizar ações apenas em seu turno, e quem age primeiro é ditado pelo atributo de iniciativa, velocidade ou derivados. Já em um RPG de ação, tudo acontece em tempo real, sem nenhuma pausa em seu combate. Alguns jogos misturam os dois estilos, mas um deles sempre vai ser dominante.

Mas e os elementos de RPG?

The Witcher 3

Fonte: Eurogamer

Com o avanço da tecnologia nos games, muitas coisas foram se tornando possíveis com os anos. Se antes o RPG era rudimentar e permitia apenas uma parte da experiência, depois tivemos jogos que eram um RPG de mesa completo, mas com tudo automatizado, rodando em seu PC. Alguns games, como Baldur’s Gate, tinham até mesmo as mesmas fichas de RPG para personagens que a versão de mesa, e os cálculos do combate eram mostrados no menu com valores em D20, como se ele rolasse dados por trás dos códigos sem você perceber. Outros permitiam realmente a experiência de um RPG em sua raiz: se tornar um personagem e viver uma história longa e complexa cheia de escolhas, morais ou não, para você se sentir na pele dele.

Mas esses avanços na tecnologia também permitiram que você misturasse estilos. Em seu núcleo, qual o princípio de vários games? Se tornar mais forte para vencer os desafios até chegar ao final, não? Com o tempo, muitos perceberam que isso era o que RPGs entregavam há anos: formas divertidas de se ficar mais forte e de demonstrar isso ao jogador, fazendo com que eles se sentissem recompensados.

Os desenvolvedores perceberam que poderiam fazer um jogo com espadas, mas lutar com a mesma espada sempre após horas poderia perder um pouco a graça. E se eles implementarem, então, um sistema em que os jogadores recebem espadas mais fortes como recompensa? E se o jogador ficasse mais forte também? E como transmitir isso para quem joga? Bem, existem outras maneiras, mas uma bem simples e funcional é com níveis. Quem não se sente feliz ao subir um nível em algo, afinal?

Percebendo isso, vários desenvolvedores decidiram usar alguns dos sistemas de RPG em seus jogos, e esse uso pode variar dependendo da intenção. Alguns jogos possuem uma árvore de habilidades para comprarmos elas com experiência que ganhamos no jogo, outros possuem armas com níveis, alguns até mesmo apenas se baseiam no foco em narrativa e liberdade dos RPGs, mas sem níveis, experiência ou armas com atributos.

O fato é que isso se tornou tão comum que hoje em dia muitas franquias adaptaram esses elementos aos seus jogos, e é essa mistura que leva a indústria sempre à frente, adaptando e criando por meio dessas adaptações. Apenas se lembre de que, quando pegar uma habilidade nova ou uma arma com atributos em um jogo, tudo começou lá atrás com papéis, canetas, calculadoras e dados.

RPG’s ajudaram a moldar a indústria

The Elder Scrolls V Skyrim

Fonte: Bethesda

Dito tudo isso, fica bem claro a importância do gênero e a quanto tempo ele já existe. E isso é ótimo! Com todo esse tempo de estrada, foi permitido que os RPG’s recebessem muitos fãs, que depois pegariam esse gênero que tanto amam e os levaria a novas direções.

Por isso, hoje temos RPG’s para todos os gostos e de todos os tipos, em videogames ou não, e até mesmo outros jogos pegam elementos deles para melhorar a experiência. Portanto, se você nunca deu uma chance ao estilo, ou até mesmo experimentou mas não achou divertido, dê uma nova chance! Procure algum com um tema que te agrade, ou de um subgênero que possa te interessar, quem sabe você não descobre um novo estilo de jogos favoritos?

E então, gostou de saber mais sobre RPG’s? Tirou alguma dúvida? Tem mais alguma? Deixe aí pra gente nos comentários!

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