Desde 2012, o mês de maio celebra o Dia de Conscientização Global da Acessibilidade, com o propósito evidente de ampliar a ciência de ações das indústrias voltadas ao aumento da inclusão de pessoas com deficiência (PcDs), não só no campo físico, mas também nas questões digitais.

Os games não são exceção a isso e, hoje, é praticamente impossível você encontrar algum exemplo de jogo que não tenha uma opção de acessibilidade: The Last of Us tem um modo voltado a pessoas daltônicas; God of War Ragnarok tem visualização em alto contraste – os exemplos são vários.

Captura de imagem mostra o menu de opções onde está contemplado o "modo aracnofobia", uma opção de acessibilidade em Star Wars Jedi Survivor

Imagem: Destructoid/Reprodução, via EA

O assunto volta e meia toma as redes sociais e, nesta data especial, o blog KaBuM! conversou com Christian Rivolta Bernauer, que preside o braço brasileiro da organização AbleGamers. A entidade global visa fomentar esforços de conscientização para que os games contemplem também PcDs e, segundo ele, apesar deste paradigma estar tomando uma forma mais robusta no mercado, ainda há espaço para mais – muito mais.

Acessibilidade nos games: onde estamos e para onde vamos

blog KaBuM!: As questões de acessibilidade sempre permearam os jogos, indo desde periféricos adaptados até opções específicas em menus de jogos. Para onde você acha que iremos, a partir daqui, para contemplarmos um público maior de pessoas, e abraçarmos mais e mais condições físicas e mentais para aumentarmos a abrangência do tema?

Christian Bernauer: Acredito que hoje ainda estamos em uma fase muito inicial da acessibilidade, então é preciso que essas funções de acessibilidade se tornem algo mais comum e em mais jogos, pois hoje elas existem de forma muito pontual ou apenas em títulos específicos. Quanto aos periféricos, é importante tornarmos essa tecnologia mais acessível em termos de custo. [Um ponto] onde ainda precisamos evoluir são em tecnologias assistivas para realidade virtual (VR) e mobile.

TM: Um dos desafios enfrentados por iniciativas como as do AbleGamers é o preço de periféricos especialmente adaptados – ou eles são caros, ou eles são inacessíveis do ponto de vista comercial, ou então eles são disponibilizados em mercados seletos, excluindo outros países. Como você acha que o mercado, como um todo, deve contornar essas dificuldades?

CB: Uma boa parte do custo de qualquer produto relacionado a videogames no Brasil vem dos impostos e, por conta disso, a AbleGamers Brasil trabalha em conjunto com o Deputado Federal Vinicius Carvalho (Republicanos). Ele propôs, no começo de maio, o PL 2299/2023, que visa a isenção de tributos federais para controles, acessórios e jogos adaptados para pessoas com deficiência. O projeto já foi apresentado na Câmara dos Deputados e agora aguarda despacho do Presidente da Câmara.

Outro ponto importante são iniciativas como o controle adaptável de Xbox da Microsoft e o Projeto Leonardo da Sony, que facilitam o acesso destes periféricos a pessoas com deficiência. Estamos vendo um movimento na indústria onde outras empresas começam a dar atenção para este público que foi negligenciado por tantos anos. E este é um público muito grande: segundo a Pesquisa de Games Brasil (PGB), cerca de 20% dos jogadores têm algum tipo de deficiência – e metade deles necessita de acessórios ou funções de acessibilidade para conseguir jogar.

Só no Brasil, estimam-se 25 milhões de pessoas com deficiência que jogam videogames. Somando Europa, Estados Unidos e Brasil, temos mais de 120 milhões de PcDs jogadores.

Access, o periférico de acessibilidade do PlayStation 5

O Access, controle acessível do PlayStation 5, outrora chamado “Projeto Leonardo” (Imagem: PlayStation/Reprodução)

TM: No que tange aos jogos, já vemos há tempos opções de acessibilidades mais generalistas – modos de exibição para daltônicos, por exemplo – mas aos poucos, novas opções aparecem nos títulos. O último Star Wars (Jedi Survivor) traz uma opção para usuários que têm aracnofobia. Acha que as iniciativas de acessibilidade nos jogos estão avançando para contemplar situações menos comuns?

CB: As funções de acessibilidade estão se tornando cada vez mais criativas e abrangentes para que possam atender as mais diversas necessidades. É importante entender que cada pessoa, independentemente de ter uma deficiência ou não, pode encontrar dificuldade ou bloqueio em algum ponto do jogo. Nesse sentido, as funções de acessibilidade dão liberdade e conforto para que cada um possa jogar o jogo da melhor maneira possível e que mais lhe convenha. Quando discutimos acessibilidade, a palavra-chave é sempre “dar opções para o jogador”.

Esse exemplo da aracnofobia é muito interessante pois envolve situações de saúde mental – um assunto cada vez mais debatido e importante. Temos vários jogos que permitem que a pessoa não se exponha a algum conteúdo emocional forte, que possa estragar sua experiência. Temos jogos que removem sangue, cenas muito impactantes, linguagem imprópria, violenta ou de conteúdo sexual.

“Iniciativas como o controle adaptável de Xbox da Microsoft e o Projeto Leonardo, da Sony, facilitam o acesso de periféricos a pessoas com deficiência. Estamos vendo um movimento na indústria onde outras empresas começam a dar atenção para este público que foi negligenciado por tantos anos. E este é um público muito grande: segundo a Pesquisa de Games Brasil (PGB), cerca de 20% dos jogadores têm algum tipo de deficiência – e metade deles necessita de acessórios ou funções de acessibilidade para conseguir jogar.” – Christian Bernauer, presidente da AbleGamers Brasil

TM: E quanto às ofertas tradicionais, pessoas que têm dificuldades motoras estão vendo as empresas desenvolverem seus produtos com a acessibilidade em mente – vide Nintendo com a capacidade de se usar o Joy Con do Switch com uma só mão. Acha que isso vai se tornar um padrão que, eventualmente, pode quebrar paradigmas nas outras empresas?

CB: Com certeza! As empresas estão cada vez mais interessadas em atender o público de gamers PcDs. Vejo três motivos principais para isso acontecer: o tamanho do mercado, a obrigação legal que as empresas têm de fornecer produtos e serviços acessíveis – no Brasil, temos o Estatuto da Pessoa com Deficiência, enquanto os EUA têm o ‘American with Disabilities Act’ (ADA). Finalmente, o ponto mais importante na minha opinião, é que essa é simplesmente a coisa certa a se fazer. Antes de terem deficiências, PcDs são pessoas que querem se divertir, jogar e participar como todo mundo e as empresas precisam fornecer meios para isso.

“Só no Brasil, estimam-se 25 milhões de pessoas com deficiência que jogam videogames. Somando Europa, Estados Unidos e Brasil, temos mais de 120 milhões de PcDs jogadores.”

TM: Mesmo nas opções padronizadas, coisas simples como ajustes de dificuldade podem beneficiar pessoas com algum impedimento, seja motor ou psicológico. Vide Mass Effect, que tem modos de progressão específicos para quem quer avançar na história, mas tem dificuldade de reação na parte de gameplay, como tiros e mira. Como, para você, podemos levar isso para mais longe?

CB: Esse ponto é muito importante, já que levanta uma discussão que precisamos ter: “modo de dificuldade fácil” e “acessibilidade” são duas coisas muito diferentes, mas que as pessoas às vezes confundem. Um jogo fácil não é necessariamente acessível, até porque a dificuldade é algo muito relativo e pessoal.

Além disso, uma pessoa com deficiência pode querer buscar um alto desafio, mas precisa que certas funções dos jogos estejam adaptadas para que ela possa superá-lo. Nesse sentido vemos em ‘Guardiões da Galáxia’ um alto grau de customização nas configurações do jogo, que permitem que o jogador crie para si a experiência que ele deseja.

Este é um ótimo exemplo de implementação de acessibilidade desenvolvido com conhecimento criado pela AbleGamers.A Square Enix, que produziu o jogo, participou do curso de ‘Accessible Player Experience’ (APX) da AbleGamers, que aborda formas de criar jogos cada vez mais acessíveis. Essa certificação internacional é um grande diferencial para empresas de jogos que queiram desenvolver games mais acessíveis e também é ministrado por nós no Brasil, para que possamos nos tornar referência nesse sentido e realmente trazer a acessibilidade à tona – e não só a facilidade.

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