Em recorde histórico, discos de vinil superam vendas de CDs: você sabe como usar um?
Levantamento mostra que antigo formato tem 71% do setor musical, mas nem todos sabem como usar um vinil, então preparamos algumas dicasBy - Rafael Arbulu, 13 março 2023 às 12:54
O relatório anual da Associação da Indústria Fonográfica dos EUA – a RIAA – revelou que os discos de vinil fecharam o ano de 2022 com 71% do mercado musical do país, vendendo 41 milhões de unidades versus 33 milhões de CDs. É a primeira vez que o vinil supera o CD em 36 anos: a última vez que isso ocorreu foi em 1987.
O formato vem se destacando com muita força nos últimos anos pois, em meio à crescente adoção do streaming musical por meio de plataformas digitais, o vinil – formato inventado em 1931 e dado como “morto” em meados de 1991 – tem vivido um ressurgimento desde o começo dos anos 2010, majoritariamente pelo interesse de colecionadores e outros especialistas audiófilos.
O vazio que separa os dois formatos no relatório mais recente é ainda mais evidente do ponto de vista financeiro: enquanto os discos compactos venderam “apenas” US$ 482,6 milhões (algo perto de R$ 2,52 bilhões), o vinil atingiu a marca de US$ 1,2 bilhão (R$ 6,28 bilhões).
A superação em si não é bem a novidade: desde 2020, ano a ano, o vinil tem vendido mais que o CD, mas o final de 2022 revelou uma tendência mais intensa – o formato mais antigo ampliou sua pegada de mercado em 17%, ao passo em que os CDs tiveram queda de 18%.
Obviamente, os meios digitais, mais convenientes e acessíveis, ainda são o líder de mercado: segundo a RIAA, o streaming – capitaneado por Spotify, YouTube Music, Apple Music e empresas similares – corresponde a 92,3% de todo o setor (abrangendo mídias físicas e digitais, sem distinção). Em “dinheiros”, isso corresponde a um faturamento de US$ 15,9 bilhões (R$ 83,21 bilhões) em 2022. A projeção de crescimento, no entanto, foi menor: entre 6% e 8%, chefiada por mudanças em planos de assinaturas de algumas dessas plataformas.
“De uma forma generalizada, o ano de 2022 foi impressionante para o crescimento-sobre-crescimento sustentado de mais de uma década após a explosão do streaming no cenário musical. Continuando essa longa jornada, o faturamento de fontes de assinatura de streaming agora corresponde a dois terços da indústria.” – Mitch Glazier, CEO e chairman da RIAA
Ah, sim. E falando sobre números, as músicas baixadas – e por “baixadas” não nos referimos às que você tem direito ao pagar uma plataforma de streaming…estamos falando das baixaaaaadas, entende? – caíram fortemente, sinalizando o “canto do cisne” para o formato: foram apenas US$ 495 milhões (R$ 2,59 bilhões) de faturamento. Sim, é um valor final maior que os CDs, mas considere que as músicas obtidas via download caíram 20% na contagem ano-a-ano, e cerca de 85% em relação ao seu auge, em 2012.
Como ouvir um vinil
Para vocês que ainda não sofrem com a calvície e as crises de meia idade, o vinil era o formato padrão para se ouvir música entre os anos 30 e 90. Antigamente correspondendo a 12 polegadas de diâmetro, os discos foram eventualmente se encolhendo até chegarem aos famosos “long plays” (LPs) – estes são os modelos mais famosos e que provavelmente você se lembra da casa do seu avô.
Entretanto, a atual ressurgência do modelo não é uma atividade muito simplificada de se curtir – ou, ao menos, não tão fácil quanto alguns cliques e seu cartão de crédito para assinar o Spotify: ele requer atenção e investimento. Não chamaríamos isso de “difícil” – afinal, é jogar o disco no aparelho e posicionar a agulha para a música começar a tocar – mas ainda assim, ele dá um certo trabalho.
Essencialmente, tudo começa na busca pelo aparelho: as antigas “vitrolas” já foram há muito substituídas por máquinas de reprodução similar, mas com recursos bem mais tecnológicos. Felizmente, esta parte já passou por um certo barateamento, então, assim como os PCs, existem modelos com preços astronômicos, mas também aqueles mais modestos.
A boa notícia: mesmo as máquinas antigas, desde que bem cuidadas, ainda podem funcionar bem – se você procurar em sebos e lojas especializadas em artigos antigos, facilmente encontrará qualquer vitrola da Aiwa ou Gradiente. Até mesmo brechós e leilões de e-commerce ou das entidades governamentais oferecem itens do tipo de tempos em tempos.
Agora, se você quiser uma máquina mais contemporânea, sem uso e com garantia, não tem jeito: tire o escorpião do bolso, pois as mais baratas, disponíveis em magazines e livrarias especializadas como no e-commerce, não saem por menos de R$ 400 no modelo mais simples.
Mas o que eu tenho que procurar?
Indo pelo mais barato ou mais caro, certifique-se de alguns detalhes importantes: a máquina tem que ter cápsula removível da agulha e braço tem que ter o contrapeso. Máquinas antigas tendem a ter essas partes fixas de fábrica, o que pode complicar a sua vida na assistência técnica. Com os itens removíveis e a facilidade de pós-atendimento das empresas mais novas, elas acabam levando a vantagem ainda que sejam mais caras.
Existem outras diferenças também – se a máquina funciona por correia ou motor, por exemplo: na prática, não há muita distinção entre as duas, mas as “belt driven” – correia – tendem a ser mais chatinhas para manutenção, e como isso é mais sobre o gosto do usuário (os mais “audiófilos” preferem a correia), você pode ignorar se quiser apenas ouvir música.
Finalmente, verifique se a vitrola é integrada ou unitária: as integradas são aquelas que vêm com outras funções (rádio AM/FM e reprodutores de fita K7 embutidos nas mais antigas, entradas USB, wi-fi e conectores digitais nas mais novas). As unitárias correspondem às exclusivamente “giradoras de disco” e, neste caso, você precisará de um amplificador de som – obviamente, vendido separadamente.
A boa notícia é que você pode até já ter um amplificador de som em casa, sem nem saber: qualquer mini system ou aparelho com entrada de áudio phono – ele é igualzinho ao P2 dos fones de ouvido cabeado, só que tem outra função. Como a vitrola normalmente vem com um cabo do tipo, se você tiver o conector, então conseguirá pular essa etapa tranquilamente.
Vitrola já foi: posso começar a ouvir?
Não. Segura as pontas aí: lembra quando falamos do contrapeso do braço? É aqui que ele entra: por padrão, cada fabricante trabalha com a sua própria recomendação de peso, e é você quem fará essa regulagem no aparelho.
Aqui, não temos muito como dar qualquer dica haja vista que as instruções serão mais detalhadas no manual, que muda de máquina para máquina, mas existem algumas regrinhas gerais: sempre tente deixar o braço no “ponto zero” – imagine que ele “flutua” no ar, segurado apenas pela cabeça, lá no fundo da máquina, no conector principal, e vá ajustando daí.
Se o braço ficar muito para cima ou muito para baixo, você pode acabar forçando ele, a agulha, o disco, ou os três – obviamente, não queremos isso.
Há também que se pensar na regulagem anti deslize – essencialmente, aquilo que “segura” a agulha e a impede de “patinar” para o centro do disco. Normalmente, isso se faz com um chamado “disco virgem”, ou “disco branco”. É um vinil usado para testes desse fim: você bota ele para girar e avalia o movimento da agulha. Se ela fugir da marcação do disco e ir para o centro rápido demais, então o peso está desajustado. Vai alterando até ela obedecer o disco.
AGORA SIM, você pode…
…botar o disco e começar a curtir
Feito tudo isso, finalmente chegou a hora do seu toca-discos…tocar um disco. Presumindo que você já tenha um vinil ou mais em mãos, tudo o que você precisa fazer é posicioná-lo no pino central do prato e ligar a vitrola. A agulha essencialmente vai riscar as ranhuras presentes no disco e isso funciona como a “leitura” do que deve sair em formato sonoro.
Obviamente, essa é uma simplificação mais grosseira, mas ninguém precisa entrar no “tecniquês”, certo?
Agora, se você quer aumentar sua coleção de discos, vale o cuidado: sempre que possível, pergunte ao vendedor se a masterização do disco é a mesma do CD. Se sim, fuja. O processo de gravação de um LP (vinil) é bem diferente do de um CD, por várias razões: o LP, por exemplo, foi feito pensando na música ambiente, enquanto o CD já considerava o uso de fones de ouvido. Tecnicamente, o CD é o mais próximo do som real, mas o LP é o que cria uma ambientação mais gostosa.
Desde a sua ressurgência, porém, algumas gravadoras têm praticado a safadeza de masterizar o LP do mesmo jeito que se faz com um CD: na prática, isso deixa o seu disco com um som que não respeita essas nuances, além de degradar mais rapidamente, forçando você a repor o disco antes do esperado e, como toda tecnologia que entra na “moda”, as empresas do setor buscam qualquer desculpa para encarecer um produto.
Para se ter uma ideia: qualquer loja pratica uma faixa de preços bem abrangente – você pode encontrar discos a valores a partir de R$ 30, mas também pode achar coisas acima de R$ 600. Normalmente, estamos falando de itens dignos de coleção, como uma edição rara de um encarte específico de uma banda que não existe mais, por exemplo. O problema é: quem decide o que é um “item de colecionador” é o mesmo sujeito que coloca o preço nele.
Discorde o quanto quiser disso, argumente que é uma questão de gosto, mas no final da discussão, por mais certo que você esteja, o lojista não vai baixar o preço.
Nessas horas, os sebos e lojas de segunda mão tendem a ser a “salvação do rolê”, com LPs bem conservados a preços mais módicos por todo o lote. Há sim, tem quem venda por “lote” também, onde você geralmente consegue negociar os descontos mais bacanas.
De uma forma geral, ouvir um disco de vinil é algo para quem sabe que vai gastar – e não liga muito para isso desde que tenha a experiência. Mas mesmo pagando por ela, você ainda vai encontrar gente que vai querer se aproveitar do seu desejo e empurrar coisas mais caras que o necessário, ou coisas que você nem precisa em primeiro lugar.
Com essas dicas, você ao menos tem uma base para evitar os golpes mais óbvios, e saberá também o que procurar com um pouco mais de profundidade.
Se você fez isso, conte pra gente como foi a experiência!
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