[Crítica] Novo ‘Missão Impossível’ é a redenção dos filmes de ação e traz a melhor divisão entre partes do cinema
Flertando com temas como IA sem apostar em patriotismo bobo, ‘Missão Impossível: Acerto de Contas’ pode ser o melhor filme de ação do anoBy - Rafael Arbulu, 6 julho 2023 às 12:23
Quando comentei com alguns amigos que estava a caminho do cinema para ver Missão Impossível: Acerto de Contas, alguns torceram o nariz: “credo, mais um?”; “afff…’Parte 1’, ainda? Já deu, né?” foram algumas das reclamações que ouvi e, sinceramente, eu também achava isso parcialmente correto. Convenhamos, eu adorei o último (Efeito Fallout), mas oito filmes (“Acerto de Contas” é dividido em duas partes) me pareceu demais.
E uma das coisas mais bacanas do meu trabalho, ao menos para mim, é quando eu “pago a língua”, como diz a expressão popular, e acabam me provando errado: o novo ‘Missão Impossível’ não é apenas mais um blockbuster, mas é um blockbuster necessário para a franquia – e, de longe, um dos melhores filmes de ação da década.
O mesmo filme, com novos perigos
O pano de fundo do novo Missão Impossível é relativamente simples de entender: uma inteligência artificial (IA) desenvolvida para facilitar certos processos militares ganha consciência e, ao perceber que a humanidade é o problema, se volta contra seus criadores. Sim, sabemos que você já viu isso, mas antes que você comece a gritar que O Exterminador do Futuro já havia feito isso com a “SkyNet” em 1984, saiba que as coisas rapidamente se separam aqui.
Ao contrário da franquia de James Cameron, a nova aventura protagonizada por Tom Cruise – que mais uma vez retorna como o agente secreto Ethan Hunt – não apela para a tecnologia mirabolante. Logo no início, o enredo do filme mostra todos os seus elementos primários: tem uma IA, essa IA ganha consciência suficiente para controlar todos os aspectos da sociedade militar, mas ela também sabe que há uma forma de desligá-la…ou controlá-la e agora ela quer impedir isso.
Isso estabelece uma corrida armamentista moderna onde todas as nações buscam por essa forma de controle: os EUA, outros países, a própria IA…e a “Força Missão Impossível” (IMF), o time de Cruise (que traz de volta Simon “Benji” Pegg, Ving “Luther” Rhames, Rebecca “Ilsa Faust” Ferguson, além de receber a “novata” Hayley “Grace” Atwell) – todos buscam a “chave” – o aparato tecnológico que lhes permitirá desafiar o que pode vir a ser uma nova ordem mundial, tal qual seria a promessa de uma “Guerra Fria” que envolvesse o ChatGPT, por algum motivo.
Há também a presença de Gabriel, vivido por Esai Morales: o antagonista (humano) primário por vezes parece estar a serviço da IA vilanesca (aliás, referida pelo filme todo como “A Entidade”), e por outras vezes, dá sutis sinais de que ele próprio também almeja controlá-la. Gabriel também tem relações com o passado de Ethan Hunt – na verdade, um passado explorado pela primeira vez na franquia, já que o vilão remonta de uma época em que o personagem de Tom Cruise sequer era um agente da IMF e, segundo o protagonista, é a principal razão de ele se juntar à equipe.
Apesar dos tropeços, enredo acerta ao apostar nas consequências da política militar
Como eu disse, o novo Missão Impossível não se vale da “complicada tecnologia da IA” para direcionar sua narrativa – fosse esse o caso, seria um escapismo barato: “vamos colocar um vilão que ninguém entende e a gente explica do jeito que der” é, infelizmente, um tropo muito comum em muitos filmes, mas não aqui.
A Entidade em si é fácil de entender: imagine todas as conspirações envolvendo a inteligência artificial generativa, dê uma roupagem militar e você vai pegar o “grosso” da coisa.
O real trunfo é misturar a ação e a política: a Entidade tem a capacidade invadir – e anular – qualquer sistema eletrônico ou conectado em rede que exista. Essencialmente, se está na internet, é um alvo para ela. Considerando que a IMF liderada por Tom Cruise é uma força secreta cheia de gadgets, você pode perceber como o time se vê dando voltas ao redor dele próprio quando, de repente, suas principais armas são usadas contra eles.
Isso fica especialmente evidente em uma cena aparentemente inócua, quando Benji (Pegg) começa a confeccionar as características máscaras faciais que aparecem por toda a franquia. A máquina inexplicavelmente “falha”. O filme não dá motivo para isso acontecer – e até vimos algo parecido em edições anteriores – mas aqui, existe uma pequena justificativa implícita: e se foi a Entidade? E se não foi?
Essa dúvida permeia toda a ação do filme, que vê a IMF ser, mais uma vez, desautorizada pelo governo dos Estados Unidos e concorrer – com seus ex-gestores e com outros governos do mundo – pelo controle da inteligência artificial. Ethan, no entanto, é o único a querer destruí-la, por reconhecer que o poder que A Entidade confere aos seus operadores é grande demais para ser concentrado nas mãos de um só país.
Ação não é desmedida, mas bem controlada
Aqui entram alguns tropeços: Missão Impossível: Acerto de Contas começa tentando não apostar nos combates em si e, talvez de uma forma exagerada, tenta puxar para o lado mais “elegante” dos filmes de agentes secretos. Não como se fosse algo nas linhas de “James Bond”, mas honestamente, salvo raríssimas exceções, o primeiro soco saiu com cerca de uma hora de filme.
Antes disso, as sequências de ações são mais voltadas a algumas perseguições que, embora bem justificadas, são executadas de uma forma estranha – especialmente para uma corrida entre várias viaturas BMW e Alfa Romeo contra…um Fiat Cinquecento que, em um momento em que o carro “morre”, somos introduzidos a uma metáfora sobre…homens broxando?
Não que seja um problema, mas considerando que você tem a polícia local, a CIA e mercenários terceirizados no seu encalço em carros bem mais equipados que o seu, ver um “casal de pessoas lindas” (Cruise e Atwell protagonizam a cena) fazendo piadas sobre como “isso acontece com todo mundo” e “tá tudo bem, só respira e relaxa” enquanto o mundo cai à sua volta foi…estranho.
Felizmente, esse é o menor dos males em um filme com pouquíssimos males: o ritmo de ação é bem estabelecido e, mesmo nas cenas mais mentirosas, a direção e fotografia não pesou a mão de forma gratuita. Tudo é exageradamente justificado e controlado.
E a forma como isso se amarra no enredo é de um primor que deveria ser caso de estudo para filmes de ação futuros: a todo momento, Hunt (Cruise) se mostra dividido e cansado. Isso porque o filme reconhece que seu universo já é velho – mesmo o começo estabelece que Ethan Hunt começou sua carreira “há 30 anos”, com menções ao vilão Gabriel e, ao introduzir o antagonista de forma mais enfática, o inevitável confronto entre ele e o herói não é “socado” nas sequências.
Isso porque a narrativa busca deixar Ethan Hunt desconfortável: o longa nunca explica os detalhes da relação entre os dois, mas como quase tudo na vida de um homem, “tem mulher no meio” – Gabriel matou alguém importante para Ethan no passado e, hoje, Hunt se vê dividido entre acabar com o seu algoz de vez, ou preservar sua vida ao capturá-lo inteiro e fazê-lo contar segredos pelo bem da missão. Adicione a isso as entradas dos outros membros da equipe e você tem um pano de fundo coeso, que mostra que até mesmo super agentes são falíveis e vulneráveis.
Isso dito, mais uma vez a história se comprova: por qualquer razão, Tom Cruise tem que ter sequências em que ele corre feito um lunático. Eu contei quatro só nesse filme, mas sério, a coisa toda já virou até meme…
Quase três horas passam rápido, mas preparam o terreno para a sequência
O ponto mais alto de Missão Impossível: Acerto de Contas, ao menos para mim, reside em dois pontos paralelos: o primeiro é a longa duração do filme – duas horas e quarenta e três minutos. Confesso aqui que estava com medo durante a sessão: filmes de ação são especificamente desenhados para progredirem rápido, ou arriscarem a necessidade de explicar algo que fãs do gênero ou não entendem, ou não querem perder tempo entendendo.
Convenhamos, Velozes e Furiosos ensina que, às vezes, por mais mentiroso que seja, a gente só quer ver uns carros explodindo e alguns tiros sendo disparados.
Embora esse escapismo social exista aqui, ele não é exagerado, mas cadenciado: eu só fui perceber que já estávamos na segunda metade do filme quando um outro jornalista pegou no celular para ver o horário – “Caramba, mas já?”, foi o que pensei quando consegui enxergar a tela dele. Isso foi prova de que o filme tem uma progressão bem executada – as quase três horas não são arrastadas, mas cuidadosamente armadas.
O outro ponto é a forma como ele se divide. A “moda” de se dividir filmes em várias partes não é bem nova – Guerra e Paz, O Senhor dos Anéis, praticamente qualquer franquia cinematográfica da Marvel…ora, mais uma vez citando Velozes e Furiosos, o décimo filme da franquia terá três partes e pelo menos um spin off, dizem.
Um dos problemas com isso é o “corte” entre o final da primeira parte e a introdução ao que vem depois: facilmente, um diretor pode cair no lugar comum de achar que um fim súbito deixaria o público ansioso para o restante, quando na verdade ele pode muito bem irritar a audiência.
Missão Impossível não erra aqui: mesmo sendo apenas a primeira parte, existe uma pequena “finitude” quando o filme chega ao fim do relógio. A situação primária que ele estabelece é resolvida, mas agora percebemos que há consequências que devem ser exploradas no segundo filme.
Alie a isso o fato de que a relação entre Hunt e Gabriel foi pincelada, mas não aprofundada, e temos um “meio enredo” se escrevendo sozinho na “Parte Dois”, que deve sair em meados de 2024.
O veredito é só um: vá ver Missão Impossível: Acerto de Contas
Eu particularmente adoro filmes de ação – mesmo os piores me permitem um certo escapismo quando se tem as expectativas devidamente controladas: ninguém espera o próximo “Melhor Filme do Ano” no Oscar de uma produção assim, mas isso não deixa a experiência menos aproveitável.
Em Missão Impossível: Acerto de Contas, tudo faz sentido, de uma forma exagerada. São três horas de um filme com – já dizia a poetisa carioca Valesca Popozuda – “tiro, porrada e bomba”. Mas mesmo a “mentirada” cinematográfica tem que ter bom senso e coesão, e isso, este filme entrega em baldes, com ótima atuação e narrativa justificada em temas contemporâneos, mas sem que você precise ser um expert no assunto.
Definitivamente, vale a ida ao cinema.
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