Quando analisamos o terceiro episódio de The Last of Us, falamos da importância de desenvolver personagens e relações, e como isso faz a produção da HBO Max se destacar do jogo no qual é baseado. A animação brasileira Perlimps vem para mostrar exatamente isso, só que de uma forma que, apesar de incrivelmente óbvia, consegue ser elegante e aprofundada.

O blog KaBuM! teve acesso ao screener da produção assinada por Alê Abreu (O Menino e o Mundo), que sete anos após perder a corrida pelo Oscar para Divertidamente, vem com uma criação com nuances mais acentuadas, mas que escondem um detalhismo que abraça a todos os públicos, além de passar referências importantes para o clima geopolítico atual.

O enredo é a parte mais fácil de ser resumida: Perlimps é uma animação co protagonizada por Claé e Bruô – respectivamente, uma raposa (que jura ser um lobo) autoproclamada “agente secreto do Reino do Sol”; e um mix de urso com vários outros animais e que é, veja só “agente secreto do Reino da Lua”.

Por diversas idas e vindas, os dois – membros de povos rivais – acabam se encontrando em uma missão comum: evitar que “os Gigantes” tragam um período de conflito conhecido como “A Grande Onda”. Com o pano de fundo estipulado, a ideia é mostrar como dois rivais podem encontrar na improvável parceria uma maneira de formar um elo especial que os ajude a impedir que um mal tome conta do lugar onde vivem.

Não, não é nada novo. Uma busca rápida na memória e podemos lembrar de incontáveis filmes, em incontáveis gêneros, que seguem essa mesma premissa: um par de protagonistas virtualmente opostos, frente a um perigo maior que ambos, mas a ser superado pela soma deles. Ora, basta voltar ao exemplo de The Last of Us para termos algo exatamente nesses moldes – ou você acha que Joel e Ellie são amistosos desde o início?

A animação em si, tecnicamente, também não segue os primores da alta tecnologia, preferindo apostar nas progressões de quadro mais simples e cortes bem óbvios: a movimentação dos personagens parece um jogo chibi do PlayStation 3, caso você precise de um comparativo.

Imagem mostra cena da animação brasileira Perlimps, de Alê Abreu

Imagem: Buriti/Globo Filmes/Reprodução

Só que o mais interessante é o fato disso tudo ser intencional: à primeira vista, os primeiros 10 minutos de Perlimps passam uma falsa percepção de que essa se trata de uma produção simplista, para um público simplista. A direção de Alê Abreu se destaca nesse ponto – à medida em que introduz elementos de aprofundamento narrativo, a animação de pouco menos de uma hora e meia de duração consegue abraçar os cinéfilos mais aficionados (que ao perceberem um detalhe mais forte, passam a buscar outros com mais atenção) e casuais (que, em um ritmo bem cadenciado, conseguem acompanhar a evolução de cada personagem).

Os clichês visuais também são bastante utilizados – com intenção: Claé se apresenta com um tom vermelho alaranjado bem forte – uma cor bem quente que ressalta o quanto ele é o mais “espevitado” e agitado dos dois, ao passo em que Bruô tem tons de azul bem escuros, quase pretos, evidenciando a personalidade mais espiritualizada do personagem.

Isso impacta também os tais “Gigantes”: eles demoram um pouco a dar as caras, mas quando o fazem, eles são…metálicos, brutos e, fazendo jus ao nome, atropelam tudo por onde passam.

Nesta obviedade, existe um simbolismo não apenas interessante, porém necessário: dois protagonistas que lutam contra entidades que buscam destruir suas casas – representadas aqui como bosques e florestas – facilmente podem ser compreendidos como uma alegoria para as políticas ambientais que vemos tomar conta no mundo: o garimpo na Amazônia, o avanço do aquecimento global…se houvesse algo voltado ao derretimento das geleiras, Perlimps daria um ótimo documentário ficcional, retratando os avanços da urbanização excessiva dos Gigantes no território natural protegido dos dois protagonistas.

E o elenco trabalha muito bem essa ideia: um trio simples – Stênio Garcia faz a narração e ambientação como o “João de Barro”, aparecendo só em voz no início e com o personagem mais à frente no filme. Ele funciona como um observador que media a interação do espectador com o filme, enquanto Giulia Benite empresta sua voz a Bruô e Lorenzo Tarantelli vive Claé.

Imagem mostra cena da animação brasileira Perlimps, de Alê Abreu

Imagem: Buriti/Globo Filmes/Reprodução

Garcia, obviamente, dispensa apresentações, e com bom motivo: na posição de narrador, o eterno “Bino” foge da cilada do conhecido meme ao se apresentar como um personagem sábio, de orientação e inteligência. Todas as suas cenas servem como uma “passagem de bastão” – seu personagem meio que entra, já saindo, a fim de que as duas estrelas tomem conta.

E os dois fazem isso muito bem: Benite, mostrando que é bem mais do que a Mônica de Turma da Mônica: Laços, entrega um personagem que, pela voz, não nos deixa determinar seu estado de espírito, tamanha é a calma e a conexão de Bruô com os aspectos mais abstratos da vida. Contrastando com isso, Tarantelli se prestem do “jovem Sheldon” para entregar um Claé que é impetuoso demais, “ligado nos 220v” ao ponto de, por vezes, meter os pés pelas mãos.

Tudo muito óbvio, à primeira vista, mas apresentado de uma forma que simplesmente funciona, prendendo atenções do começo ao fim simplesmente por flertar com a curiosidade do espectador: Claé e Bruô vão se entender? Os gigantes vão vencer? São perguntas simples que o filme responde bem…dentro do seu próprio tempo.

Ao final de tudo, Perlimps é uma proposta intencionalmente simples, mas com várias camadas de atenção a detalhes que, fosse qualquer outra superprodução hollywoodiana, teriam grandes chances de passarem despercebidos. Aqui, nada é escondido, e nada é jogado “na cara”: tudo tem um ritmo, um tempo e um propósito.

Em resumo: é cinema, pura e simplesmente. Ainda bem.

Perlimps estreia nos cinemas brasileiros em 9 de fevereiro de 2023.

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