Carisma, interatividade e coragem para se expor a milhares de espectadores. Por mais que a introdução pareça uma resposta pronta para alguma entrevista de RH, ela elenca apenas alguns dos pontos necessários para tornar-se um streamer, a nova profissão do momento.

É claro que, desde décadas atrás, Medicina, Engenharia e Direito talvez sejam as áreas de atuação mais desejadas pelo brasileiro comum. Mas com o crescimento robusto dos games e do entretenimento no geral, os criadores de conteúdos por lives têm ganhado (e muito) espaço no mercado.

Streamer: o que é, onde vivem e do que se alimentam…

Antes de tudo é preciso entender o que é essa tal profissão “streamer”. A palavra é usada para definir o profissional que trabalha com live streaming — transmissão em tempo real, em tradução livre. A atividade já vem sendo exercida há alguns anos, mas a busca por entretenimento durante a pandemia provocou um boom no setor.

E quando se fala em “entretenimento”, abrange-se uma infinidade de conteúdos: lives de jogatinas, reacts de vídeos do YouTube (alô, Casimiro), produções musicais, passeios mundo afora ou mesmo transmissões focadas na conversa com os espectadores (viewers). Acredite se quiser, mas existe gente que ganha dinheiro ao falar “Mario” em sua stream.

Setup de um streamer

Três principais plataformas de streaming acumularam quase 30 bilhões de horas assistidas em 2020, de acordo com a 123scommesse – Imagem: Thomas De Braekeleer/Unsplash

Nem mesmo é preciso mostrar sua carinha para o público — embora possuir uma webcam possa ser um grande passo para atrair o carisma do chat. Basta entrar em uma das plataformas (como Twitch ou FB Gaming, por exemplo) pelo PC ou dispositivo móvel, iniciar a transmissão e pronto. Simples, não?

Na verdade, não. No papel ou para quem não conhece a vida de um streamer, a profissão é tida como algo simples — ganhar dinheiro jogando ou conversando pode até parecer moleza. No entanto, existe uma série de coisas por trás da atividade que talvez não seja do conhecimento da comunidade.

Por conta disso, o blog KaBuM! resolveu conversar com Enrico Bianco Landi, streamer e caster oficial de Rocket League no Brasil, e Stephany “Stesereia” Aragão, streamer e influenciadora, para saber um pouco mais do cotidiano e dos desafios por trás da profissão.

Às vezes por necessidade, às vezes por opção

Assim como em qualquer outra profissão, iniciar as atividades como streamer pode ser consequência de diversos fatores. Há quem decida mudar de área e virar o seu “próprio chefe” ou quem sempre tenha sonhado em trabalhar com lives. Existem ainda casos de pessoas muito famosas ou boas em determinados jogos que ganharam seguidores (e apelos para a atividade) antes mesmo de iniciar transmissões.

A primeira opção parece ser o caso de Landi. Formado em Publicidade e Propaganda, o criador de conteúdo de 25 anos chegou a atuar com design gráfico e programação antes das streams. Após sair da agência em que trabalhava em 2020, ele decidiu que era o momento certo para “entrar de cabeça” nas lives.

“Enquanto trabalhava com design gráfico eu já tinha vontade de trabalhar com criação de conteúdo. Inclusive, na época, eu fazia covers de músicas para o YouTube. Quando fui demitido, estava certo de que queria fazer isso [criação de conteúdo]. Então, investi muito em equipamentos de áudio para poder gravar as músicas, mas, ao mesmo tempo, acabei investindo indiretamente em equipamentos de stream”, contou Bianco.

Bianco Landi, streamer da Twitch

Imagem: Reprodução/BiancoLandi

Com isso, mesmo que fosse um gamer casual — segundo suas próprias palavras — e que tivesse mirado na produção musical, Bianco acabou adentrando o universo de streaming de jogos. Começou com Valorant e Rocket League, mas hoje ele joga diversos outros títulos.

A situação é um pouco diferente da vivida por Stesereia. Mesmo que estivesse trabalhando na área de marketing, a streamer já vivenciava o cenário gamer: além de exímia jogadora, a streamer, também de 25 anos, ficou conhecida por fazer cosplays de personagens de animes e jogos. Foi como realizar um velho sonho.

“Fiz a minha primeira live há três anos, mas já queria ser streamer há muito tempo. Jogo League of Legends desde 2014 e, na época, eu fazia cosplay. Todo mundo sempre falou para eu fazer live, até porque não existiam tantas mulheres no cenário”, relembrou a streamer.

Ste Sereia, streamer da Twitch

Imagem: Divulgação/Acervo pessoal

As motivações de Bianco ou de Ste até podem ter sido diferentes, mas os primeiros passos de ambos parecem convergir para um denominador comum: não foi fácil.

Apoio dos familiares nem sempre é uma realidade

Por ser uma atividade bem diferente dos trabalhos convencionais, a profissão de streamer pode não ser muito bem compreendida, especialmente por quem não viveu nesta era digital desde o começo.

“No começo, o apoio da família foi difícil. Diziam: ‘você tem que sair de casa, trabalhar de segunda a sexta’ e que ‘stream não é trabalho’. Na época em que dependia de pais pra comprar as coisas nunca deu certo”, revelou Ste.

No caso de Bianco, a realidade foi um pouco diferente. Embora tenha recebido suporte, a família do criador de conteúdo só foi entender que o trabalho era “pra valer” quando os primeiros cifrões entraram no bolso de seu filho.

“Pela parte financeira, meus pais só foram entender quando eu cheguei e disse que eu tive o meu primeiro pagamento da Twitch. Neste momento que meus pais entenderam o motivo de eu fazer stream. O primeiro não foi um grande pagamento, mas já foi alguma coisa”, disse.

“Mas receber suporte de família e amigos pode ser difícil em qualquer profissão”, podem estar pensando alguns. De fato, isso é inegável. Mas a situação é muito mais complicada ao tentar explicar uma atividade nem tão popular assim e que tem como foco entreter os espectadores.

Na verdade, isso é apenas uma fração das reais dificuldades enfrentadas pelos streamers.

Bastidores por trás das lives

Um dos principais desafios é justamente a “obrigatoriedade” de lidar com o público todos os dias, independentemente do que tenha acontecido em sua vida pessoal. Em alguns casos, inclusive, ficar ausente das plataformas pode significar perder parte de seu público.

“O streamer lida com diversos receios. Por exemplo, não tem aquela coisa de pegar um atestado de cinco dias por ter testado positivo para Covid-19. Se você passa cinco dias sem live, são cinco dias que seu público vai precisar ir para outras transmissões e você pode estar sujeito ao público te abandonar porque gostou de outra pessoa”, revelou Stephany.

Além disso, falta um entendimento de que nem sempre o streamer quer jogar ou reagir a um determinado conteúdo. Também não é sempre que o criador está em um “dia bom” e cobrá-lo por determinado comportamento pode não ser a melhor opção.

“Às vezes você não está em um dia bom, mas ‘precisa’ estar sempre feliz, fazendo comentários, sorrindo. O chat não está atento somente ao jogo, mas também está vendo sua câmera, sua reação”, destacou a influenciadora, complementando também a existência de indivíduos maldosos, focados em ataques direcionados.

Ilustração de jovem streamer

Interação diária com o público, horas de trabalho e 100% de autonomia são alguns dos desasfios de um streamer – Imagem: AronPW/Unsplash

Para Bianco, o desafio pessoal do streamer também é valioso. Para os que têm as lives como única ocupação, há a questão de flexibilidade de horário e de dias para trabalhar. Mas embora isso pareça algo mais fácil, pode tornar-se uma verdadeira armadilha para quem não tiver comprometimento.

“Quando não tem ninguém cobrando a gente a galera acha que é mais fácil, mas é muito mais difícil. Se é algo que depende só de você, você tem que fazer por si mesmo. Ter essa disciplina é um grande passo para fazer dar certo, mesmo em dias que não está tão bem ou que está cansado”, pontuou Bianco.

Existe ainda um desafio “extra” para streamers mulheres. Infelizmente, a comunidade gamer — assim como todos os outros setores — ainda sofre com comportamentos machistas e de desigualdade de gênero. Querendo ou não, isso acaba exigindo um esforço a mais da criadora em meio a um cenário dominado por homens.

“O pessoal sempre fala que para mulher é mais fácil, mas se você pegar as estatísticas da Twitch, que é uma das maiores plataformas de streaming do mundo, vai ver que nenhuma mulher figura no top 10. É sempre formada por homens. Em contrapartida, diversos estudos gamers apontam que a maioria do público é feminino. É complicado”, relatou Ste.

Afinal de contas, dá pra ganhar dinheiro nesse meio?

Ilustração de dinheiro para representar o novo sistema do Banco Central

Transmissões ao vivo em plataformas podem render uma boa grana, porém, depende – Imagem: joelfotos/Pexels

Essa pergunta é bem relativa. Vazamentos de diversos dados pessoais de streamers da Twitch revelaram pagamentos que chegam a casa dos milhões. Logo, sim, é possível ganhar dinheiro sendo streamer. Mas essa, infelizmente não é a realidade da maioria dos criadores de conteúdo.

Falando especificamente da Twitch, há como iniciar a monetização do seu canal desde que os seguintes requisitos sejam cumpridos:

  • fazer transmissão de mais de 500 minutos por mês;
  • fazer transmissão de uma semana, pelo menos, de conteúdo exclusivo;
  • obtenção de 3 ou mais espectadores simultâneos ativos por stream;
  • conquista do mínimo de 50 seguidores.

Posteriormente, o streamer pode ganhar dinheiro tornando-se um afiliado da Twitch — o que requer novas metas estipuladas pela empresa —, ou mesmo pelas inscrições (subs) e bits (moedas da Twitch). As doações (donates) apenas utilizam a plataforma, mas não têm qualquer vínculo com o site.

Dito isso, a menos que você seja um novo Casimiro ou Gales da vida, a situação será complicada. No caso de BiancoLandi e Stesereia, com 13,6 mil e 92,6 mil seguidores, respectivamente, a resposta parece clara: nas atuais condições, ainda não é possível sustentar-se apenas com o dinheiro das lives.

Tanto que Ste alia as transmissões com outro emprego em outro período. Já Bianco, por exemplo, exerce a função de caster de Rocket League. Com raras exceções, a situação deve ser a realidade de outros streamers de pequeno e médio porte.

Streamer é a “profissão do futuro”?

Apesar dos pesares, ambos os entrevistados concordam que a ocupação de streamer tem tudo para crescer (ainda mais) daqui pra frente. Para Bianco, certos requisitos lançados para plataformas do setor podem ajudar a explorar o real potencial do segmento.

“Antes, todo mundo fazia live, o que, de certa forma, acabava generalizando a prática de fazer transmissão. Hoje em dia está mais difícil, mas isso pode ser bom, pois deixa só quem quer realmente quer fazer acontecer. Eu enxergo que pode ser uma profissão com projeção legal para o futuro, mas existem diversos desafios”, disse o streamer.

Stesereia também vê a ocupação com um grande potencial no longo prazo, especialmente após a compreensão de que o entretenimento, de fato, tornou-se um trabalho. Contudo, ela deixa um alerta para quem está interessado em dar o primeiro passo: não será fácil.

“As pessoas se perguntam ‘por que eu vou trabalhar fora o dia inteiro sendo que uma pessoa consegue ficar o resto da vida ganhando dinheiro em cima de um vídeo, por exemplo?’. A comunidade também pensa nisso e quer isso. Mas pode ser uma realidade diferente quando estiverem do lado de cá. Talvez vejam que a escalada é muito longa e que será difícil”, finalizou a streamer.

Não menos importante, os streamers apontam dois fatores essenciais para ingressar nessa jornada: disciplina e perseverança. O primeiro será necessário para lidar com todas as responsabilidades sendo o “seu próprio chefe”, enquanto o segundo será essencial para não desistir da jornada mesmo quando a situação estiver difícil.

Muitas outras virtudes serão necessárias na escalada, mas estar ciente de que fará algo que gosta será um ponto-chave para o sucesso. Os interessados em saber um pouco mais do dia a dia dos entrevistados, podem seguir as contas @biancolandi e @scapitu no Twitter.

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