A forma como o conteúdo de games e esports é consumido não é muito diferente de como acontece com os esportes tradicionais ou qualquer outra forma de entretenimento audiovisual, tais como cinema, músicas, séries etc. Isto é, primeiramente há uma produção do conteúdo pelos seus idealizadores e produtores e, posteriormente, tal conteúdo é disponibilizado ao público consumidor em geral — popularmente conhecidos como influencers e streamers. Há também o consumo concomitante com a produção, que são os eventos, shows e transmissões ao vivo.

Segurança jurídica e banimento: cuidados para quem sonha ou já é um streamer

Imagem: Ella Don/Unsplash

No entanto, embora seja uma fórmula clássica e que se estenda ao longo dos últimos 100 anos de conteúdo audiovisual, com a massificação do acesso à internet, tivemos uma mudança na forma como o conteúdo é distribuído e chega, de fato, ao seu destino: os espectadores.

É fato que maioria dos jovens de hoje, com faixa etária entre 15 a 20 anos, sequer consegue conceber uma realidade onde determinado conteúdo é produzido e distribuído por uma fonte exclusiva. Além disso, causa estranheza pensar que a maioria do conteúdo, seja ele qual for, em um determinado período da nossa existência, possuía horários próprios (e muitas vezes, horário único!) para ser disponibilizado e consumido. Caso o espectador não pudesse consumir o conteúdo naquele exato momento em que foi “ao ar”, muito provavelmente não teria outra chance de vê-lo novamente.

Isso raramente acontece nos dias de hoje. Mesmo com conteúdo produzido ao vivo, de alguma forma, em algum lugar ou por algum canal, será possível ver ou rever aquela produção infinitas vezes. Essa é a mágica do conteúdo digital e suas inúmeras plataformas de divulgação (YouTube, Facebook, Twitch, Instagram, Twitter, Snapchat, Netflix, HBO Max, Amazon Prime etc.).

Segurança jurídica e banimento: o que streamers e influencers precisam saber

Imagem: Caspar Camille Rubin/Unsplash

Ao contrário do que acontecia há três décadas, o conteúdo não fica, necessariamente, atrelado à alguma plataforma de forma exclusiva. Com a disponibilidade de meios de divulgação que a tecnologia nos trouxe ao longo das últimas décadas, tivemos uma aumento gigantesco de produtores de conteúdo voltados única e exclusivamente para tais canais de divulgação. Uma pesquisa realizada em 2017 pela Cisco previu que o consumo de tais mídias cresceria 15 vezes até 2021. E tal estimativa se mostrou acertada!

Obviamente, com o crescente número de produções e consumo dessas plataformas, as grandes produtoras e desenvolvedoras começaram a direcionar seus investimentos de publicidade para tais canais, utilizando-se desses produtores (“streamers” e “influencers”) como divulgadores de suas marcas, produtos e serviços.

Segurança jurídica e banimento: o que streamers e influencers precisam saber

Imagem: Ron Lach/Pexels

Atualmente,  o segmento de streamers e influencers voltados para área de games e esports já se destaca dentre os demais tipos de conteúdo, com peculiaridades e agências publicitárias especializadas nesse tipo de direcionamento de conteúdo, de forma a auxiliar as desenvolvedoras e publicadoras que pretendam utilizar esse canal de divulgação.

As plataformas, por sua vez, identificaram uma forma de monetização desse conteúdo, ainda que de forma indireta, e, por conseguinte, se viram obrigadas a elaborar regras próprias de utilização, manutenção, monetização, criação e disponibilização desse conteúdo.

Mas que regras são essas? Quais as penalidades em caso de infração? Como produzir um conteúdo com segurança jurídica? Além das regras da plataforma, quais outros dispositivos legais são aplicáveis aos produtores de conteúdo? Falaremos um pouco mais sobre isso nos tópicos a seguir.

Espectadores, streamers e influencers sob regras da plataforma

Cada plataforma tem o próprio conjunto de regras (YouTube, Twitch, Instagram, Facebook e Twitter), que na maioria das vezes são chamados de “Termos de Uso”, “Termos de Utilização” ou “Termos de Serviço”. Há também outros documentos como as políticas de privacidade, política de utilização de dados, política de parceria, política de remuneração, dentre outros.

App do Instagram aberto em smartphone

Foto: Kate Torline/Unsplash

Ou seja, todas elas possuem um arcabouço para resguardar tanto elas quanto os seus usuários (produtores ou espectadores). Tais regras não se sobrepõem à lei, porém, em sua maioria, todas são elaboradas de acordo com o ordenamento jurídico da localidade em que atuam. Em casos raros de dissonância, caberá judicialização para rever ou anular alguma cláusula abusiva, mas, via de regra, tais regras, se aceitas pelo usuário, constitui contrato entre as partes (produtores/espectadores x plataforma).

De toda forma, o entendimento majoritário do judiciário atual diz que, ao aceitá-las (e isso se dá quando o usuário clica ou seleciona a famigerada checkbox com os dizeres “Li e estou de acordo com os ‘Termos de Uso’”), presume-se que o espectador ou produtor de conteúdo as tenha lido e concordado. É como se as partes estivessem formalizando um contrato de parceria, na qual uma parte se obriga a fornecer à plataforma de divulgação e a tecnologia, desde que o usuário ou produtor se atenha às regras estabelecidas previamente.

Segurança jurídica e banimento: o que streamers e influencers precisam saber

Imagem: Rodnae Productions/Pexels

As regras, em geral, são bastante semelhantes. Todas preveem a possibilidade de suspensão imediata do usuário que, de alguma forma, produzir ou disponibilizar conteúdos tóxicos, agressivos, discriminatórios (sexo, etnia, religião etc.), relacionados a spam ou crimes (fraude, estelionato, falsidade ideológica etc.), bem como utilizar programas de terceiros (hack) para tentar de alguma forma acessar os servidores da plataforma, dentre outros.

É válido destacar que em caso de disponibilização de conteúdos não permitidos pelas regras da plataforma, ilegais ou abusivos, além da penalidade de suspensão da conta do usuário da plataforma e remoção do conteúdo, o produtor/usuário poderá, ainda, responder judicialmente pelos seus atos na forma da lei.

Ou seja, a remoção do conteúdo e a suspensão do usuário é apenas a sanção contratual aplicada pela plataforma e não significa que tal usuário não possa ser penalizado na forma da legislação cível ou criminal. Por fim, destaca-se que, a plataforma não poderá ser responsabilizada pelos atos do usuário ou pelo seu conteúdo, de acordo com o que prevê o artigo 19 da Lei 12.965/14 (Marco Civil da Internet)[1].

Propriedade intelectual das developers/publishers

Outro ponto de atenção! Todo e qualquer jogo constitui uma propriedade intelectual (PI), que nada mais é do que um conceito que abrange tanto direitos autorais, quanto propriedade industrial, e tem como objetivo proteger os direitos do criador daquele conteúdo específico.

Quando falamos desse conceito aplicado aos games, estamos querendo dizer toda arte gráfica, áudio, personagens, poderes, nomes e referências que estejam de dentro do jogo. Portanto, a PI de um jogo não está baseada apenas no nome, gráficos ou na imagem, mas também sons, músicas, artes, logotipos, marcas e até mesmo voz ou um poder específico de um personagem. Tudo isso faz parte e integra àquela obra, que por sua vez, pertence ao seu criador e apenas ele pode decidir como será utilizada e para quais fins.

Skin Annie de League of Legends

Imagem: Divulgação/Riot Games

Assim, a princípio, para toda e qualquer utilização de um jogo ou conteúdo que esteja dentro dele, ainda que para divulgação, será necessária a prévia autorização ou consentimento da detentora dos direitos autorais daquela obra intelectual, que na maioria das vezes são as desenvolvedoras ou publicadoras do jogo.

No entanto, a maioria das empresas não se opõe à utilização das imagens, sons e demais atributos do jogo para a produção de conteúdo por streamers/influencers, desde que não haja algum tipo de abuso dessa utilização (propagação de violência, difamação, discriminação etc.).

Mas se elas são as proprietárias daquela obra, por que não impedir a sua utilização pelos streamers/influencers? Pelo simples motivo de que a produção de conteúdo daquele jogo em específico aumenta a sua popularidade e, por consequência, suas vendas, que é o objetivo final de toda dev/pub.

Mas, de acordo com a lei, essa não é a regra, mas sim a exceção. A regra, de acordo com a legislação, é sempre solicitar ao criador da obra a prévia autorização para uso. Um exemplo dessa regra que podemos citar foi o caso da Nintendo em 2017, no qual proibiu de forma expressa a transmissão de todo e qualquer conteúdo relacionado aos seus jogos, fazendo com que o streamers/influencers que quisessem utilizar seus jogos para transmissão se filiassem a um programa próprio e com regras extremamente restritivas, burocráticas e pouco compensatórias. Obviamente esse posicionamento foi revisto pela empresa e atualmente o conteúdo pode ser divulgado de forma mais abrangente, mas é um exemplo de como as empresas podem exercer seus direitos sobre suas obras intelectuais.

Nintendo Direct

Imagem: Branden Skeli/Unsplash

Demais legislações aplicáveis

Além das regras da plataforma e das questões de propriedade intelectual, é necessário que os produtores de conteúdo estejam de acordo com as legislações periféricas, mas que atingem as transmissões via internet, sejam elas na modalidade webcasting[2] ou simulcasting[3], pois ambas, de forma geral, são consideradas como meio público de divulgação, conforme entendimentos mantidos no judiciário brasileiro[4].

Podemos citar inúmeras legislações aplicáveis, mas primordialmente é preciso atenção às seguintes:

  • Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90): Por mais que, de forma padrão, não haja relação de consumo entre o produtor de conteúdo e o espectador, há de se ter um cuidado para eventuais promoções comerciais ou até mesmo a comercialização de produtos daquele streamer/influencer não caracterize relação de consumo;
  • Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90): Em sua maioria, o público consumidor de streamers/influencers é menor de idade, portanto, cuidados com a indicação da faixa etária do conteúdo produzido é essencial. Além disso, atenção redobrada quando houver algum tipo de publicidade direcionada para o público infantil/adolescente;
  • Promoções Comerciais (Lei 5.768/90): É comum ver diversos sorteios e promoções nas plataformas feitos pelos produtores de conteúdo, nos quais há distribuição de brindes e outros benefícios para os seus espectadores. No entanto, a distribuição gratuita de prêmios aberta ao público que conte com critérios específicos (requisitos para inscrição) e aleatórios (modalidade de aferição e distribuição), atrai o caráter de sorteio, logo, deverá obter prévia autorização do poder executivo, nos termos da legislação vigente, sob pena de aplicação de multa e demais sanções administrativas.
  • Código Penal: Conforme falado, a utilização da plataforma de distribuição de conteúdo para prática de crime não isenta o produtor das penalidades legais aplicáveis. A plataforma é apenas o meio pelo qual um crime pode ser praticado e não afasta a responsabilidade criminal pelo ato delituoso.
Segurança jurídica e banimento: o que streamers e influencers precisam saber

Imagem: Stem List/Unsplash

Conclusão

Conforme visto, para produzir um conteúdo digital com segurança jurídica é necessária atenção do produtor para alguns detalhes que, por muitas vezes, passam desapercebidos, mas que podem influenciar ou impactar diretamente o seu projeto.

O tema é um tanto quanto complexo, pois o conjunto de regras se mostra extenso e com detalhes e nomenclaturas que são estranhas aos usuários em geral. Assim, por mais que um produtor se sinta seguro do seu conteúdo, e da forma como o produz, é sempre recomendável a assessoria jurídica adequada para que a produção esteja adequada e segura, juridicamente falando.

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Imagem: Unsplash

 

[1] “Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”

[2] A qual se assemelha a um serviço de locadora, onde há uma variedade de conteúdo oferecida pelo transmissor, e o usuário tem autonomia para escolher e consumir ou não aquele conteúdo disponibilizado.

[3] A qual se assemelha a um serviço de rádio ou televisão, onde há uma programação determinada oferecida pelo transmissor, e o usuário não tem sobre ela autonomia que não seja a escolha de consumir ou não aquele conteúdo disponibilizado.

[4] STJ – Resp 1.559.264/RJ – Min. Rel. Ricardo Villas Boas Cueva – Julg. 08/02/17; STJ – Resp 1.567.780 Min. Rel. Ricardo Villas Boas Cueva – Julg. 14/03/17; TJRJ – Apelação Cível nº 0386089-33.2009.8.19.0001 – 10ª Câmara Cível – Des. Rel. Bernardo Moreira Garcez Neto – Julg. 04/02/15; TJRJ – Embargos Infringentes 0174958-45.2009.8.19.0001 – 19ª Câmara Cível – Des. Rel. Cláudio Brandão de Oliveira – Julg. 31/01/12;

 

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Marcelo Mattoso é graduado em Direito pela Unesa. É especialista em Direito Digital (Inovação e Tecnologia) pela Fundação Getúlio Vargas, entusiasta e especializado em consultoria e litígio no mercado de Games e Esports; advogado, sócio e coordenador da área de Games/Esports do escritório Barcellos Tucunduva Advogados.

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