Com o crescimento dos esports, os termos Gaming House e Gaming Office passaram a integrar a rotina das redações. Tais conceitos nada mais são do que estruturas montadas para abarcar toda uma equipe/time, funcionando como local de trabalho e residência, simultaneamente. No presente texto iremos abordar alguns aspectos de forma mais detalhada partindo da premissa um regime de contratação celetista desportivo (CLT).

Como vimos anteriormente, determinadas equipes/times podem optar pela utilização de Gaming Houses ou Gaming Offices, com o intuito de otimizar a performance da equipe. À primeira vista, as Gaming Houses parecem o mundo ideal não só para o clube/equipe/time, mas também para aqueles que sonham com a vida de jogador profissional, mas é necessária cautela quando da tomada dessa decisão, seja pela equipe ou pelo jogador.

De fato, as Gaming Houses possuem alguns benefícios como, por exemplo, a facilidade de comunicação, melhoria do engajamento da equipe, manutenção do foco no treinamento, melhor capacidade de otimização dos horários de treinos, etc.

No entanto, se não observadas determinadas cautelas, esse ambiente pode acabar se tornando um malefício tanto para os jogadores, quanto para o time/clube/equipe, já que inúmeros problemas podem surgir de um ambiente que mistura conceitos de moradia e trabalho simultaneamente.

Um exercício simples é nos questionarmos: conseguiríamos morar em nosso local trabalho? Pode parecer um tanto quanto assustador e, na prática, é basicamente isso que acontece. Os jogadores moram no local onde trabalham.

Gaming Offices: uma mudança positiva na relação vida-trabalho dos jogadores de esports?

Imagem: Gorodenkoff/shutterstock.com

Por mais que os players estejam em seu “habitat natural”, se divertindo e jogando com seus amigos, é preciso ter em mente que aquele local é, também – ou primordialmente – um ambiente de trabalho, e como todo ambiente de trabalho determinadas precauções devem ser tomadas para evitar problemas rotineiros.

Geralmente o objetivo de toda equipe é o seu fortalecimento no cenário e, por consequência, a obtenção de títulos nas competições que se propuser a participar. Para viabilizar isso, é necessário que todos os integrantes estejam, minimamente, na mesma sintonia e focados no mesmo objetivo. Mas atingir isso não é fácil e por muitas das vezes isso não acontece organicamente.

Sendo assim, independente de todo o arcabouço jurídico trabalhista que envolve esse tipo de prática, uma das medidas importantes é a implementação de um Código de Conduta, que nada mais é do que um conjunto de normas internas que deverão ser observadas pela equipe para a melhoria da convivência. Tal regramento deve refletir as diretrizes e valores expostos no contrato de trabalho do atleta. Abaixo enumeramos alguns dos itens que devem permear, não apenas as regras de conduta, mas todo o conceito das Gaming Houses/Gaming Offices:

 

  • Horários pré-definidos: É extremamente necessária a delimitação dos horários de treino, reuniões, estudo de estratégias e demais atividades relacionadas ao trabalho. Isso ajuda a manter uma rotina adequada e facilita no controle pessoal de cada membro acerca do que fazer no seu tempo de lazer.

 

  • Acompanhamento Psicológico: Como em todo ambiente de trabalho, há atritos, estresse, pressão, reponsabilidades, cobranças, etc. Além disso, há de se levar em conta os problemas pessoais de cada atleta, já que a maioria esmagadora é composta por jovens, que estão longe de seus pais, batalhando por um sonho. Para reduzir ou amenizar esses problemas, o acompanhamento psicológico é fundamental. Muitas das vezes problemas podem ser resolvidos de forma simples e efetiva apenas com a ajuda de um profissional adequado.

 

  • Alimentação: Uma parte fundamental para a manutenção da qualidade de vida de qualquer ser humano é o cuidado com a alimentação. Logo, não é diferente quando falamos de atletas de esports. A alimentação, provida pela Gaming House, deverá ser balanceada e adequada para aqueles profissionais, que deverão estar sob acompanhamento de um nutricionista de forma individual.

 

  • Atividades Físicas: Umas das ferramentas para o alívio de estresse mental é a prática de atividades físicas. Além de fazer bem para a mente, ajuda no condicionamento físico do atleta, provendo mais resistência às inúmeras horas de treinos a que são submetidos.

 

  • Estudos: Educação é a base de toda sociedade que almeja evolução constante. Assim, esse item deve estar diretamente ligado à prática dos esports, sendo requisito mínimo não só a matrícula do atleta na grade escolar adequada para sua idade, mas principalmente a observância pelo atleta quanto ao seu desempenho escolar.

 

  • Vida Pessoal x Vida Profissional: Por mais que seja crucial a separação em determinados aspectos, ambas acabam se misturando em termos de performance. Quando falamos de competições devemos ter em mente que a qualidade do rendimento do atleta está intrinsecamente ligada à sua condição e bem-estar físico e mental, mesmo em se tratando de esports. Um mesmo jogador terá desempenhos diferentes dependendo da quantidade de horas de descanso, da quantidade substâncias ingeridas que afetem seus reflexos e coordenação motora (álcool) ou até mesmo da qualidade da sua alimentação. Assim, não adianta o time fazer a sua parte e prover toda uma infraestrutura para que o atleta possa atingir o máximo do seu potencial, sem o atleta fazer a parte que lhe cabe. Portanto, é importante que o próprio atleta se mantenha vigilante e comprometido com o projeto, a fim de que sua vida pessoal não afete o rendimento profissional.

 

  • Disciplina e Respeito: A convivência entre seres humanos é sempre um fator a ser observado. Principalmente quando estamos falando de jovens que passarão literalmente o dia (e a noite!) todo em conjunto. Respeito e tolerância entre todos os membros da equipe são fatores fundamentais para a manutenção do equilíbrio da Gaming House, não só durante o horário de trabalho, mas principalmente nas horas vagas.

 

  • Observância às regras de Conduta: Não basta que as regras de conduta sejam estipuladas. É necessário que os atletas cumpram as diretrizes, cabendo ao time aplicar penalidades ou sanções acordadas previamente, sempre em observância com a legislação pertinente. Por fim, apenas a aplicação da penalidade não é suficiente, é necessário o trabalho de conscientização do atleta para que aquele tipo de problema não volte a ocorrer.

 

Ciente de todos esses detalhes e levando em conta que todos os aspectos foram observados, é possível sim que uma equipe atinja um rendimento melhor utilizando esse tipo de estrutura. Porém, tudo no cenário de esports está em constante e rápida evolução e não poderia ser diferente com as Gaming Houses. Esse conceito vem sendo modificado ao longo dos anos e dando espaço para novas ideias, como os Gaming Offices.

Gaming House e Gaming Office: prós e contras

O conceito de Gaming Office bebe muito da fonte das Gaming Houses, porém limita-se apenas à parte profissional do atleta, deixando a cargo do próprio a questão da moradia. Ou seja, os atletas não residem no mesmo local onde trabalham. Cada um reside em locais próprios e se deslocam diariamente para o local de trabalho (Gaming Offices). Basicamente é o que acontece diariamente com a maior parte da população mundial em diversos e variados setores e portos de trabalho.

Gaming Office: uma mudança positiva na relação vida-trabalho dos jogadores de esports?

Imagem: Bert Christiaens/Pexels

Como em todo modelo, há prós e contras. Se por um lado o atleta ganha conseguindo se desvencilhar de um ambiente misto (casa/trabalho), por outro, acaba perdendo no quesito deslocamento diário ao trabalho. Há quem considere que o convívio diário ajude na sincronia da equipe, mas há quem defenda que é necessário manter uma divisão entre casa e trabalho para a manutenção do equilíbrio mental dos atletas.

Além disso, conforme falamos, estamos diante de atletas que em maioria são jovens (alguns menores de idade) que residem em diversas localidades do país. Sobre esse prisma, a Gaming House leva vantagem, pois consegue reunir condições mínimas para a subsistência daquela equipe, ainda que com seus percalços. Por outro lado, estamos lidando com pessoas, e o bem-estar delas deve estar acima de qualquer outro objetivo comercial.

A verdade é que até hoje não foi definida uma fórmula que se mostre mais, ou menos, eficiente, o que nos leva a conclusão de que a escolha do formato dependerá muito do projeto que aquela equipe pretende desenvolver e das peculiaridades que permeiam a situação.

Por fim, lembramos que estamos diante de um cenário completamente novo e em constante mudança, sem uma regulamentação específica que possa traçar diretrizes definitivas, nos restando apenas o debate e análise individual de cada caso.

 

Bens virtuais sob ótica jurídica: por que não posso vender aquela skin rara?

Marcelo Mattoso é graduado em Direito pela Unesa. É especialista em Direito Digital (Inovação e Tecnologia) pela Fundação Getúlio Vargas, entusiasta e especializado em consultoria e litígio no mercado de Games e Esports; advogado, sócio e coordenador da área de Games/Esports do escritório Barcellos Tucunduva Advogados.

 

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