Eleições e desinformação nas redes sociais
Uma vez superada a análise do conflito entre liberdade de expressão e desinformação, devemos entender qual é o papel da Justiça Eleitoral em relação aos conteúdos desinformativos na práticaBy - Isabela Pompilio, 21 setembro 2022 às 10:00
A democracia é feita da livre circulação de informações, ideias e opiniões. A liberdade de expressão é uma das grandes conquistas trazidas pela Constituição Federal de 1988. A partir dessa livre circulação de notícias, as pessoas formam suas convicções, fazem suas escolhas políticas e participam do debate público. As pessoas têm ideias e opiniões diferentes e esse é um dos privilégios de se viver em um país livre.
Por outro lado, a liberdade de expressão deve ser exercida de forma harmônica junto a outros direitos e valores constitucionais, ou seja, apesar de ter sido um direito adquirido por meio de bastante esforço e luta, não se pode utilizá-lo para alimentar o ódio, a intolerância e a desinformação, sob pena de violar o princípio democrático, que compreende um equilíbrio entre opiniões contrárias, o pluralismo, o respeito às diferenças e à tolerância.
Uma vez superada a análise do conflito entre liberdade de expressão e desinformação, devemos entender qual é o papel da Justiça Eleitoral em relação aos conteúdos desinformativos na prática, ainda mais com a migração da propaganda eleitoral e do debate político para a internet, principalmente para as redes sociais, em meio de um período eleitoral extremamente bipolarizado.
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Mais debate político e menos desinformação
É certo que a Justiça Eleitoral, ao longo dos anos, vem defendendo a liberdade de expressão e garantindo a menor intervenção possível no debate democrático, todavia, quando o assunto é desinformação, o tratamento é mais duro. O entendimento é de que a manifestação do pensamento deve ser limitada em casos de ofensa à honra ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos (Fake News).
Em outras palavras, a Justiça Eleitoral reconhece que a livre circulação do pensamento, críticas, mesmo que duras, sátiras e opiniões fortalece a democratização do debate eleitoral e, por isso, ações ajuizadas por candidatos que visam a exclusão de tais conteúdos das plataformas digitais têm sido julgadas improcedentes. O debate político, mesmo o mais ácido, precisa existir. No entender da Justiça Eleitoral, a intervenção do Judiciário serve para evitar, apenas, práticas abusivas como a divulgação de notícias sabidamente falsas, protegendo a honra dos candidatos e garantindo o livre exercício de voto.
A flexibilização da liberdade de expressão em detrimento da divulgação de conteúdo de desinformação pode ser vista por alguns como uma ameaça ao próprio direito adquirido, o que é válido de se pensar. Contudo, como em todos os ramos da vida, devemos sempre buscar um ponto de equilíbrio. O excesso de liberdade de veiculação de informações sem nenhuma restrição certamente feriria a honra e imagem de diversos candidatos, correndo o risco de eles terem sua candidatura, carreira, relacionamentos pessoais ou até mesmo sua própria reputação arruinada. Por outro lado, todos sabem o quão difícil foi, em diversos países do mundo, vencer a censura de governos autoritários a fim de alcançar a tão sonhada liberdade de expressão.
Não há dúvidas de que, hoje, as plataformas digitais são o instrumento capaz de viabilizar ou mesmo garantir a liberdade de expressão, ficando a critério de cada usuário como utilizar tal liberdade. Apesar de garantirem a livre circulação de informações, as redes sociais também buscam o equilíbrio entre a liberdade de expressão e a censura de conteúdos ofensivos e difamatórios. Basta se cadastrar em uma das plataformas para verificar isso. O usuário é livre para utilizá-la como bem entender, mas está sujeito aos Termos de Uso do aplicativo, estando proibido de postar alguns tipos específicos de conteúdo como pornografia, discurso de ódio, violência, incitação e notícias notoriamente falsas.
Com o aumento de casos de desinformação perante a Justiça Eleitoral e a concentração do debate político principalmente nas redes sociais é que surgiu a ideia de firmar uma parceria entre o Tribunal Superior Eleitoral e as plataformas digitais. O TSE assinou, no começo do ano eleitoral, um acordo com grandes plataformas digitais com o objetivo de combater a disseminação de desinformação. Em um período eleitoral, a celeridade na remoção de conteúdo difamatório ou falso é crucial para que não ocorra manipulação no resultado do pleito.
E é assim que se espera que as eleições corram no mundo digital: com o máximo de debate político, mediante a circulação de opiniões, críticas ou mesmo sátiras, e com o mínimo de desinformação, sem indução do eleitor a erro.
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Isabela Pompilio é responsável pela área de contencioso da unidade de Brasília de TozziniFreire Advogados, com larga experiência em atuação nos Tribunais Superiores. Atua em causas estratégicas há duas décadas e no acompanhamento de teses visando a formação de novos entendimentos jurisprudenciais em direito cível, internacional e digital.
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