Quem lucrou, lucrou. Mas quem tem tentado lucrar, não tem conseguido. Em 2021, os games blockchain aproveitaram a onda de sucesso das moedas digitais e NFTs (tokens não fungíveis) e foram apontados como uma boa forma de gerar diversão e, ao mesmo tempo, rendimentos para players/investidores. Mas o atual cenário do segmento está longe do que foi visto no “boom” do ano passado, colocando em xeque a eficácia do modelo play-to-earn.

A princípio, os títulos com o conceito “jogar para ganhar” trouxeram uma premissa atraente para o mercado: jogos simples, com modelo de economia aberta e elementos NFTs — tokens gerados a partir de uma blockchain com uma espécie de “selo” para certificar que um determinado ativo (palpável ou não) é original —, que poderiam gerar receita aos jogadores em virtude da raridade e especulação dos tokens.

Mesmo que geralmente exigissem um investimento inicial para começar a jogatina, esses games blockchain pareciam algo rentável no médio e longo prazo e trouxeram retornos consideráveis — muito em função do grande número de players atraídos e do giro de capital — para muitos que decidiram entrar neste meio anteriormente.

O problema é que hoje a situação não é mais a mesma. A base de jogadores dos principais títulos tem caído e as perspectivas de lucro deram lugar a prejuízos que não aparentam ser recuperáveis.

Quedas bruscas no “inverno cripto”

Justiça seja feita, o cenário negativo não é exclusividade dos games blockchain. Se no ano passado criptomoedas e NFTs registraram valores recordes e números de transações robustos, em 2022 esses ativos têm sofrido com o que o mercado apelidou de “inverno cripto“.

Em junho, as principais moedas digitais do mercado ficaram no vermelho. Ativos como bitcoin, ethereum, binance coin e até mesmo o dogecoin apoiado pelo bilionário Elon Musk enfrentaram quedas de quase 50%, potencializando a crise vista desde o final de 2021.

Gráfico criptomoedas

Desempenho das principais criptomoedas nas últimas semanas – Imagem: Reprodução/CoinMarketCap

Os resultados negativos também foram realidade no mercado de NFTs. Em maio, o OpenSea, o maior marketplace de tokens não fungíveis, registrou um volume mensal de vendas de US$ 2,6 bilhões. No mês passado, esse número caiu para apenas US$ 700 milhões, valor bem abaixo do pico de US$ 5 bilhões registrados em janeiro deste ano.

Aceleração inflacionária pós-pandemia, instabilidade geopolítica — como a invasão russa na Ucrânia — e crise de confiança nas moedas digitais são alguns dos fatores apontados por especialistas que podem justificar essas quedas tenebrosas recentes.

Mas a situação ficou ainda pior quando os games blockchain, vistos como o ponto de convergência das tecnologias Web3, também foram afetados por essa onda de baixas.

“Na pele” de quem sentiu os impactos

E quem comprova essas quedas vertiginosas são os próprios jogadores/investidores. Atraído pelo modelo play-to-earn, Gustavo Matsumoto resolveu adentrar o universo de games blockchain (com títulos como RiseCity, Zodiacs, Yield Hunt, CryptoShips, entre outros) em setembro do ano passado e com um único foco em mente: dinheiro no bolso.

“Comecei a jogar esses jogos com o intuito de lucrar, até porque não há muita diversão nesses games”, contou o player ao blog KaBuM!.

Matsumoto até conseguiu um lucro aproximado de 33% em relação ao seu investimento inicial em alguns desses jogos, mas pouco a pouco observou uma diminuição nos ganhos, oriunda não só da baixa dos tokens presentes nos games, mas de um golpe aplicado pelos próprios desenvolvedores dos projetos.

“Parei de jogar não só em função da queda de valor das moedas, mas também por conta de alguns jogos terem sofrido com o ‘RugPull’ — golpe por parte dos devs que removem o ‘lastro’ da moeda do game e tornam esses ativos sem valor algum. Jogos nesse formato inicialmente aparentaram ser promissores, mas acabam com uma moeda sem valor no fim”, lamentou.

Não é preciso ir muito a fundo para entender a dimensão do prejuízo. Basta observar a oscilação do token RiseCity (RSC), que atingiu um pico de US$ 34,08 em dezembro de 2021 e despencou (em queda livre), atingindo um valor de US$ 0,00016918 no começo de junho.

Ativo do token RiseCity, presente em um dos games blockchain

Token RiseCity amarga uma queda brusca desde o começo de 2022 – Imagem: Reprodução/CoinGecko

A situação de Matsumoto foi parecida com a vivida por Caio Cardoso. O entusiasta de videogames decidiu dar uma chance para jogos NFT e fazer uma renda extra no Bombcrypto. O que ele não esperava, no entanto, era uma baixa tão agressiva dos ativos BCOIN e SEN, que adiou a ideia de retorno em um curto prazo.

“O impacto nos ganhos foi notório. Muita gente foi atraída pela ideia de lucro rápido, mesmo sem experiência em swing trade ou cripto. Mas talvez nem os mais acostumados com o mercado estavam esperando por uma queda tão brusca. E o fato mostra um padrão bem definido dos games blockchain: lançamento, boom de operações e baixa”, analisou Cardoso.

Bombcrypto, exemplo de games blockchain

Popular entre os games blockchain, Bombcrypto amarga baixas de usuários, transações, volume de operações e valores de ativos – Imagem: Divulgação/Bombcrypto

E com o derretimento dos preços dos ativos, muitos optam por “pular fora do barco” antes que seja tarde. Talvez isso explique como os 1,25 milhão de usuários de games blockchain em maio deste ano diminuíram para “apenas” pouco mais de 805 mil players no fim de junho, de acordo com o DappRadar.

Além disso, o volume total de negociações desses jogos também caíram: de US$ 19,8 milhões em 21 de maio para cerca de US$ 6,98 milhões em 21 de junho — uma queda aproximada de 65%.

Para muitos, o bear market foi motivo suficiente para deixar o segmento de canto e realocar os investimentos. Mas há quem veja oportunidade em meio ao caos e enxergue o atual cenário como um momento de transição do modelo de negócios play-to-earn.

O tal do “play-and-earn”

Esse foi o caso do estúdio brasileiro de jogos First Phoenix. Em 2019, a empresa impressionou a comunidade gamer ao apresentar o projeto RIO – Raised in Oblivion na Brasil Game Show (BGS), levando para casa o título de melhor game indie da América Latina. Já nos dias atuais, a dev está 100% focada em levar o jogo ao universo blockchain — mesmo no momento delicado do setor.

Para Jhoniker Braulio, CEO da First Phoenix Studio, ter um jogo de FPS de modo sobrevivência, com grande potencial escalável e ambientação icônica no Rio de Janeiro já seriam bons motivos para justificar o movimento. Afinal, todo o sistema de progressão de um gênero survivor, incluindo elementos-chaves (e raros) para a jornada e integração com outros players, já seriam motivos suficientes para adicionar elementos NFTs e levar o game ao famigerado metaverso.

Mas é notório que games blockchain estão enfrentando inúmeras dificuldades dessa crise generalizada do universo Web3. Então, por quê? Simples: porque RIO difere-se de outros jogos NFT por equiparar-se a um título Triple A, segundo Braulio. E esse fator “diversão” pode fazer total diferença.

“Observamos os jogos blockchain, mas vimos que eles não têm sustento. A pergunta era: por quê? Porque não tem um jogo ali. As pessoas criavam apenas jogos 2D, com algum elemento visual, para poder entregar valores aos seus seguidores. O problema é que todo mundo sabe que, se você tem um limite de valor e começa a entregar aquilo de forma que não consiga girar em seu próprio mundo, uma hora ele vai saturar. Os jogos [blockchain] iniciais abriram a porta, mas chegariam em um ponto que seria necessário melhorar essa questão financeira. E você melhora isso quando traz um ‘jogo de verdade'”, acrescentou o executivo.

Jhoniker Braulio, CEO da First Phoenix

Jhoniker Braulio, CEO da First Phoenix – Imagem: Divulgação

Ou seja, Jhoniker acredita que um jogo simplista, baseado em auto-click, não apresenta valores suficientes para segurar a base de players — e consequentemente manter a valorização dos tokens. O primordial deve ser o fator “diversão”, algo visto nessa nova era intitulada de “play and earn” (“jogar e ganhar”, em tradução livre).

“Primeiro você joga o game e gosta dele. Daí vem o benefício ‘earn’. É aí que você realmente vê que as empresas estão preocupadas com o mercado, já que atende players da Web2 e Web3. Desse modo, é possível comportar o jogador que está focado em investimentos e players que apenas estão se divertindo. Montamos o mercado para eles e eles mesmo se conectam. E aí o mercado gira”, finalizou o executivo.

Este também é o raciocínio de Caroline Nunes, fundadora e CEO da InspireIP — plataforma de propriedade intelectual criada para facilitar o registro de marcas, direitos autorais e patentes no Brasil usando a tecnologia blockchain. Para ela, projetos cripto envolvendo outras finalidades além de investimentos podem auxiliar nessa retomada de valor. E os games play-and-earn podem ajudar (e muito) nisso.

“Estamos prestes a finalmente ver o surgimento de games blockchain com mecânicas de jogos verdadeiramente imersivas, que levam o entretenimento para o próximo nível. As pessoas vão começar a jogar não só para ganhar, mas também pelo entretenimento. Isso pode ajudar no crescimento do mercado a crescer e, consequentemente, auxiliar na recuperação do valor das criptomoedas”, pontuou.

Caroline Nunes, fundadora e CEO da InspireIP

Caroline Nunes, fundadora e CEO da InspireIP – Imagem: Divulgação

Mas afinal, games blockchain ainda estão valendo a pena?

A pergunta é bem mais difícil do que se pensa. Apesar das quedas do universo cripto e do modelo de negócios play-and-earn tomando o posto do antigo play-to-earn, há inúmeras visões para um polêmico segmento que, desde o começo, divide opiniões.

Há quem ache que o games blockchain play-to-earn ainda tenham espaço no mercado. “O bear market contribui para a ascensão dos jogos play-to-earn — sim, isso pode parecer ilógico, já que os jogadores acabam ganhando menos com os jogos. A questão é que, com o mercado de cripto em queda, os investidores muitas vezes buscam formas de gerar renda sem ter que colocar seu capital em risco. O modelo de jogos play-to-earn apresenta uma ótima oportunidade para isso”, aponta Nunes.

Em contrapartida, há quem continue acreditando nos jogos NFT, mas apenas com uma mudança de ares. “Games blockchain play-to-earn costumam durar um ano, um ano e meio. Mas quando você insere um mercado que se auto sustenta, com outras formas de remuneração, as coisas mudam. Essa nova fase [play-and-earn] ainda vai valer muito a pena”, crava Braulio.

E também existem jogadores mais receosos como Cardoso, que não pretendem retornar aos projetos. “Valer a pena, eu sinceramente acho que nesse momento não. Valeu durante a janela de grandes lucros, quando os investimentos eram mínimos e os retornos eram mais imediatos. Mas hoje em dia, são mais ‘histórias tristes’ que ‘felizes'”, afirmou o player.

De todo modo, uma opinião parece quase unânime: as baixas no mercado de blockchain vão provocar uma reinvenção dos ativos Web3. Resta saber se isso acontecerá de imediato, com uma mãozinha dos games blockchain play-and-earn, ou em algum outro momento próximo.

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