[Crítica] ‘Caos Mutante’ é uma deliciosa reimaginação da origem das Tartarugas Ninja
Seja pelo estilo artístico levemente ‘tosco’, seja pela narrativa de progressão leve, novo filme faz as Tartarugas Ninja seguirem firme na cultura popBy - Rafael Arbulu, 21 agosto 2023 às 16:27
O campo das animações cinematográficas – de ‘Super Mario’ a ‘Aranhaverso’ – está cada vez mais em alta, lançando produções cada vez mais inteligentes que fazem com que o gênero destoe da impressão antiquada de “filme para criança” e, tal qual a projeção de ‘As Tartarugas Ninja: Caos Mutante’, adquira uma sensação de adolescência e espontaneidade juvenil.
O adjetivo não vem à toa: neste novo longa metragem da Nickelodeon e Point Grey, com distribuição da Paramount, a origem das Tartarugas Ninjas é reimaginada em meio a aspectos mais contemporâneos, pincelando temas de aceitação a grupos, bailes de formatura, a súbita ciência de que, eventualmente, jovens terão que escolher o que querem ser da vida, misturando tudo isso em uma trilha sonora bastante animada com hip hop e rock clássico em momentos oportunos de roteiro.
As Tartarugas Ninja e um início reinventado
Com roteiro do sempre irreverente Seth Rogen, Caos Mutante pega os principais elementos da origem mais conhecida das Tartarugas Ninja e os atualiza, colocando o aspecto “ninja” das jovens guerreiras reptilianas em uma ambientação mais “pé no chão”.
Essencialmente, Baxter Stockman (Giancarlo Esposito) – no original, transformado em uma mosca humanóide gigante e louca – é creditado aqui como o criador do “ooze” (no português, convenientemente traduzido como “gosma”), o composto químico que causa mutações nos seres vivos que o ingerem ou o absorvam. Após uma tentativa mal sucedida de roubar esse composto, o material acaba caindo nos esgotos de Nova York, encontrado pelo rato (não “Mestre”) Splinter, junto das quatro tartarugas titulares.
Percebendo as quatro crianças como indefesas, Splinter (Jackie Chan) decide protegê-las e, conforme elas vão crescendo, ele tenta introduzi-las ao mundo humano, apenas para serem, os cinco, expostos ao nosso pior lado: aquilo que nos é desconhecido, nos assusta e, consequentemente, tenta nos matar. Desde então, o “novo pai” passa os 15 anos seguintes estudando livros de autodefesa, aprendendo kung fu junto dos seus adotados, ao mesmo tempo em que insiste que eles nunca visitem “o mundo de cima” sob risco dos humanos capturá-los e “ordenha-los”.
Obviamente, adolescentes são tudo exceto obedientes e, eventualmente, a curiosidade leva a melhor sobre o julgamento de Leonardo (Nicolas Cantu), Donatello (Micah Abbey), Raphael (Brady Noon) e Michelangelo (Shamon Brown Jr.). A partir daí, toda uma trama sobre roubos de peças especiais, a construção de uma super máquina que vai espalhar a gosma pelo mundo, preconizando o fim da humanidade, e uma série de personagens e nomes conhecidos têm seus momentos de entrada na trama e, embora admitidamente falhos em alguns momentos, trazem um momento de brilho individual que complementa bem a progressão da história.
Elenco mal aproveitado, mas com história bastante compensatória
Caos Mutante busca, de forma simplista, estabelecer uma discussão que já vimos em todo o canto: embora não o faça de maneira aprofundada e pensativa e soturna como, digamos, X-Men, aqui as Tartarugas Ninja buscam ser aceitas em uma sociedade que, para todos os efeitos, não as quer por perto. Mas ao invés de pesar a mão nos temas mais voláteis – racismo, preconceito, a repulsa ao que nos é diferente – o filme dá a isso uma alegoria adolescente, aliviando a discussão e introduzindo a temática de forma leve e fácil de acompanhar.
Nisso, vários personagens que a gente já conhece da franquia acabam tendo seus papéis reajustados: os vilões Bebop (Seth Rogen) e Rocksteady (John Cena), por exemplo, são bastante lembrados por suas lutas contra os protagonistas nos quadrinhos e desenhos animados, mas no novo filme, acabam caindo em uma posição de apoio que os fazem sumir.
O mesmo vale para a Super Mosca (aqui, O’Shea “Ice Cube” Jackson Sr.) – a antagonista primária – Mondo Gecko (Paul Rudd), Genghis Frog (Hannibal Buress) e Cynthia Utrom (Maya Rudolph). Todos, personagens que são introduzidos com algum tipo de relevância forte mas que, rapidamente, desaparecem para dar espaço aos outros nomes.
O resultado disso é um desenvolvimento artificial dos protagonistas, sob o prejuízo de histórias paralelas que acabam sendo pouco mais que pontas soltas na narrativa. Felizmente – e por razões que eu vou evitar comentar para evitarmos spoilers massivos – a coisa é retomada no terço final do filme, entregando uma conclusão que, embora não seja a mais definitiva, é certamente satisfatória.
Dica: o filme tem uma cena pós-créditos que introduz uma possibilidade de sequência ainda mais memorável a quem já é fã das Tartarugas Ninja, então o resgate de nossos elementos mais familiares da franquia ainda pode continuar em uma segunda animação.
Visual propositalmente tosco traz um ‘charme’
Tal qual um “jogo feio que a gente não para de olhar”, As Tartarugas Ninja: Caos Mutante traz um estilo artístico bem particular, apostando em tons ultra coloridos que parecem ter sido pintados a guache, mesclando tudo em luzes neon bem fortes e texturização em CGI tridimensional para trazer um pequeno realismo, por exemplo, nas fatias de pizza permeadas pela animação.
Assim como o primeiro trailer mostrou, tudo no filme inteiro é muito “na cara” e nada é particularmente bonito, mas de alguma forma muito, muito estranha, “ser um filme feio” parece intencional aqui, já que tudo funciona, com os tons mais coloridos se misturando habilmente a fundos obscuros e silhuetas. Não é possível determinar esse ou aquele ponto como um destaque pejorativo, nada é especificamente negativo – a melhor forma de explicar é: “tão feio que parece bonito”.
E isso é ótimo: toda a animação tem um esmero na movimentação de personagens e transições, resultando em nada ficando para trás.
Santa Tartaruga, que filmão!
Normalmente, a conclusão de nossas críticas prefere fazer a linha “dois pesos, duas medidas”, apontando que as falhas de um filme podem ser ignoráveis para uns, imperdoáveis para outros.
Não é o caso aqui: As Tartarugas Ninja: Caos Mutante é um deleite completo do começo ao fim, e dificilmente você encontrará alguém que veja em suas pequenas falhas algum erro imperdoável. E o melhor de ser assim é que isso torna o filme bastante proveitoso para todas as idades.
Aqui, o nosso veredito é só um: vá assistir. No cinema – e faça isso com a dublagem brasileira. Nossos atores de voz estão trazendo obras cada vez mais detalhadas e inteligentes, e animações juvenis assim são justamente a prova disso. O filme é diversão garantida.
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