O estúdio francês Atelier QDB lançou seu mais recente jogo Decarnation em meio a um turbilhão de lançamentos bastante aguardados no mundo dos videogames. Talvez por isso, este terror 2D com estética retrô possa ter passado batido… E isso é realmente triste, visto que o título surpreende e é intrigante.

A premissa transporta o jogador à virada de 1989 para 1990, em Paris, onde vive a dançarina de cabaré Gloria. Apesar de ser deslumbrante no palco da casa noturna Cisne Negro, a protagonista é sufocada por conflitos internos, incluindo o visível desgaste de seu relacionamento com Joy, uma crescente incerteza sobre sua carreira e a baixa autoestima.

O jogo apresenta as dificuldades enfrentadas por Gloria no ato inicial do jogo, perpassando por alguns de seus traumas, atitudes e decisões. E nada é mostrado em vão ao jogador: todos os elementos têm propósito e acrescentam à narrativa de maneira exímia, enquanto acompanha-se as consequências das escolhas da protagonista.

Terror psicológico em seu DNA

Além de trazer uma expressiva pixel art 2D, Decarnation é declaradamente inspirado em emblemáticos jogos de terror, aventura e ritmo, e em filmes de cultuados diretores como Satoshi Kon (de Blue Perfect e Paprika) e David Lynch (de Twin Peaks e Cidade dos Sonhos).

As referências a estas obras, inclusive, são perceptíveis e, não à toa, o game se encaixa com maestria no gênero de terror psicológico, mas focado em narrativa. Sem estragar muito da surpreendente, pesada, sombria e intrigante trama, você precisará lidar com os demônios internos de Gloria ao longo de todo o jogo.

[Review] Decarnation expõe o melhor e o pior do ser humano e traz reflexões importantes
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Mas não espere depender de uma arma de fogo ou até mesmo lutar diretamente contra as criaturas deformadas que surgem ao longo da história. Na realidade, os embates de Decarnation são muito criativos e conversam com a proposta e os conceitos do game. Ao todo, são cerca de quinze sistemas de gameplay diferentes, cada um deles refletindo as situações e os estados de espírito de Gloria.

Um bom exemplo é quando o jogo exige que Gloria grite com os inimigos — em um claro simbolismo para que ela pare de se reprimir —, ou ainda, quando a jogabilidade toma a forma de um game rítmico de música. Em todos esses segmentos, porém, o jogo continua abordando terror com excelência.

Por último, mas não menos importante, Decarnation conta ainda com a participação do lendário Akira Yamaoka (de Silent Hill e The Medium) como compositor convidado, e suas músicas fazem toda a diferença na ambientação e imersão do jogo. Além disso, existem faixas originais criadas pela dupla pop Fleur et Bleue, cujas criações distorcidamente alegres combinam perfeitamente com os momentos de em que tocam.

Imagem de Decarnation

Imagem: Shiro Games Unlimited/Divulgação

Decarnation é assustadoramente relacionável

Ainda sobre o elemento terror, é realmente encantador (na falta de um termo melhor), como Decarnation expõe a jornada de autorreflexão de Gloria com inúmeros simbolismos enquanto transita entre o mundo real e um mundo fantasmagórico de sonhos e pesadelos. Nesses segmentos, é necessário resolver alguns quebra-cabeças que, apesar de não serem exatamente difíceis, são demasiadamente interessantes.

Além disso, a trama de Decarnation é assustadoramente relacionável. Não me refiro aos trágicos eventos que cercam Gloria, mas sim em termos psicológicos. Chega a ser difícil de medir o quanto sua busca pela melhor versão de si enquanto lida com o pior lado da face humana se espelhou em momentos dos quais também vivi.

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Por mais mórbido que o jogo seja, em contrapartida, conduzir uma intuitiva e corajosa Gloria ao reencontro da esperança e da compaixão aquece o peito, e mostra que os seres humanos também podem surpreender positivamente. Ao final de Decarnation, me peguei refletindo sobre o jogo e todas as suas mensagens como há muito não acontecia. Foi uma experiência perturbadora, mas necessária.

Decarnation está localizado em português brasileiro e está disponível para PC (via Steam) e Nintendo Switch. O game foi analisado por meio de uma cópia antecipada fornecida pela publisher Shiro Unlimited.

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