Qualquer pessoa que jogue um pouquinho que seja reconhece a Square Enix como a casa das principais franquias de RPG dos videogames. Sinônimo de produções como Final Fantasy, Dragon Quest, SaGa, Mana e Chrono, entre várias outras e também noutros gêneros, a empresa passa a impressão de ser bastante antiga.

A verdade, porém, é outra: uma rápida pesquisa no Google, ironicamente, revela como o próprio Google é cinco anos mais velho que a Square Enix. A confusão se dá no fato de que marcas como Final Fantasy e Dragon Quest, no entanto, são bem mais velhas que isso. E como elas nunca foram compradas nem cedidas, essa é uma matemática que causa um nó na cabeça dos mais novos.

Imagem mostra site global da Square Enix, com o logotipo da empresa aumentado por uma lupa

Imagem: Postmodern Studio/Shutterstock

Antes da “Square Enix”, havia a “Square” e a “Enix

Calma, não é tão difícil de entender: a Square Co. foi originalmente fundada em setembro de 1986 por Masafumi Miyamoto, como um spin off – essencialmente, uma divisão que se descola de uma companhia para se tornar, ela própria, uma empresa separada. Nessa época, a recém-lançada marca já contava com alguns nomes que conhecemos até hoje – Hironobu Sakaguchi e Nobuo Uematsu, por exemplo, eram dois dos primeiros funcionários.

Mais velha ainda, inclusive, era a Enix, que foi fundada em setembro de 1975 por Yasuhiro Fukushima. Originalmente, ela se chamava “Eidansha Boshu Service Center”, e o “Enix” era uma brincadeira que mesclava o sufixo da palavra inglesa “phoenix” (a ave mitológica que revive das próprias cinzas depois de morrer) e a sigla “ENIAC”, em referência ao primeiro computador. A empresa publicava panfletos especializados em anúncios imobiliários – a “virada” para os games chegaria apenas em 1982.

Antes de serem “parças”, as duas empresas eram rivais, disputando o mercado oriental com suas franquias mais famosas – Final Fantasy tinha a vantagem de vir de uma companhia com um catálogo de produtos bem mais variado, mas Dragon Quest tinha o tradicionalismo original dos fãs, já que o primeiro jogo da marca saiu meses antes da Square Co. nascer. Isso sem mencionar Star Ocean, cujo título original foi um dos precursores do conceito de “narrativa direcionada pelas escolhas do usuário”.

Foram anos de competição – culturalmente, o “feudo” entre as duas companhias está para eles no mesmo patamar em que encontramos os carros concorrentes Camaro e Mustang nos EUA, por exemplo. Entretanto, os custos de desenvolvimento para criar projetos cada vez maiores começaram a pesar com força nos bolsos. De ambas.

Eis que, na entrada dos anos 2000, a Square – então conhecida como “Squaresoft” – propôs a fusão entre as duas empresas. Mas isso só viria a ser completado mais à frente, porque…

Montagem coloca Final Fantasy 8 e Dragon Quest 7 lado a lado - hoje, ambos são produtos da Square Enix

Imagem: Squaresoft/Enix/Reprodução

A Enix gostou da ideia, mas quase “deu pra trás”

Um título para você: Final Fantasy: The Spirits Within.

O que? Você achou que Advent Children foi o primeiro “filme de Final Fantasy”? Não, a primeira incursão da Squaresoft nos cinemas foi um filme com enredo próprio, sem base em nenhum dos jogos…e um fracasso retumbante.

Dotado de um orçamento de US$ 137 milhões (R$ 694,82 milhões em “dinheiros de hoje”), mas devolvendo uma bilheteria global de apenas US$ 80 milhões (R$ 405,74 milhões), o valor pode não significar muito para um estúdio de Hollywood, mas à época, tais cifras representavam jogos inteiros – e perder isso em um único projeto derrubou a Squaresoft, que antes havia encontrado amplo sucesso com os lançamentos de Final Fantasy VII, VIII e IX.

The Spirits Within foi um projeto grandioso, mas mal concebido (44% no Rotten Tomatoes, veja você, não é um bom resultado). O elenco era forte: Ming-na Wen e Alec Baldwin como protagonistas, e papéis importantes conduzidos por Donald Sutherland, Steve Buscemi, Ving Rhames e James Woods, para citar alguns. Aki Ross, a personagem de Wen, seria a primeira “atriz digital” e, segundo os planos, apareceria “em vários filmes”.

A Squaresoft botou tanto dinheiro no projeto que o marketing conseguiu colocar a personagem, inclusive, na capa da MAXIM, uma das revistas masculinas mais conhecidas do mundo. Não, isso não foi uma piada.

A entrega, no entanto, desvalorizou todo esse trabalho, fazendo com que a Enix, que até então estava interessada na proposta de fusão, colocasse os pés no freio: o fundador, Fukushima, que na época respondia como chairman da empresa, chegou a dar entrevistas dizendo que a ideia seria paralisada pois, para ele, não seria bom se unir a uma empresa “que perdeu uma quantidade substancial de dinheiro em tão pouco tempo”.

(Mas o que é a agrura de um chairman perto da minha? Eu vi The Spirits Within no cinema – imagine pagar ingresso para aquilo!)

Foi apenas entre 2001 e 2002, com o lançamento de Final Fantasy X (o primeiro da franquia a contar com dublagem e exploração real de mundo) e Kingdom Hearts (que unia personagens da Disney e do catálogo da Squaresoft em um enredo original) que as perdas foram superadas e os assuntos, retomados.

1º de abril de 2003: parece mentira, mas nasce a Square Enix

“Essa é uma fusão ofensiva. A decisão foi tomada com a intenção de agradar aos jogadores e, também, para sobrevivermos. A Enix é uma excelente empresa. A Square também já se recuperou por completo, o que significa que essa fusão está ocorrendo em uma época onde ambas as companhias estão em seus auges.” – Yoichi Wada, ex-presidente da Squaresoft e primeiro presidente da Square Enix

Em uma proposta fechada em US$ 764 milhões (R$ 3,87 bilhões), a Square Enix se tornava realidade, com a hierarquia aprovada meses antes: Wada foi apontado o presidente, enquanto Yasuhiro Fukushima seria o chairman. Keiji Hondo, então presidente da Enix, assumiria o cargo de vice-presidente. No acordo, a parte “Enix” da fusão seria dona de 55% da nova companhia.

A ideia por trás da fusão tinha um objetivo duplo: por um lado, a Enix queria ampliar suas capacidades de venda e números – que já eram bem grandes, mas ainda assim, restritos ao Japão. A Squaresoft, vendo suas marcas ficarem mais populares, queria ser capaz de brigar de frente com as publishers e desenvolvedoras do Ocidente, que ganhavam terreno com melhores investimentos e maior variedade de gêneros para atuar no mercado.

O melhor de tudo é que a fusão literalmente uniu estruturas, e quase nenhum corte de empregos foi feito. Ao invés disso, a nova gestão passou a considerar que tudo o que já existia foi meramente “duplicado”. Entretanto, fiel às raízes até hoje, a Square Enix nunca se permitiu unir suas franquias primárias, e é por isso que Final Fantasy, Dragon Quest e Star Ocean nunca tiveram eventos de crossover – ou seja, nenhum personagem ou história de um apareceu no outro.

Hoje, a Square Enix ainda não tem os números grandiosos que vemos em, digamos, uma Activision Blizzard – as vendas da japonesa no ano fiscal de 2022 (que acabou hoje, 31) chegaram a ¥ 365,28 bilhões (algo em torno de R$ 13,94 bilhões), segundo o Statista. Entretanto, ao se especializar tanto em um gênero específico, hoje são poucos os que conseguem falar em “RPG” sem tropeçar em um produto da empresa.

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