Os projetos de lei sobre combate ao abuso infantil online sob condição de enfraquecimento da criptografia de ponta a ponta têm sido assunto central de debates em países da UE, bem como no Reino Unido. Na Alemanha, a legislação que está em via de ser aprovada foi recebida com rejeição em uma audiência realizada pelo Comitê Digital do Parlamento Alemão no início do mês.

vigilância

Imagem: Ank Kumar, CC BY-SA 4.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0>, via Wikimedia Commons

De acordo com especialistas em TI, ativistas de liberdades civis, oficiais da lei e até mesmo organizações de proteção à criança, a proposta da UE não protege as crianças, mas representa grandes riscos aos direitos fundamentais. Todos eles concordaram que o projeto de lei vai longe demais nas áreas cruciais e que prejudicaria direitos assegurados pela Constituição da União Europeia. 

Embora o Parlamento alemão não esteja diretamente envolvido com a proposta, negociada entre a Comissão da UE, o Parlamento Europeu e os estados membros no Conselho de Ministros, o governo pode ter influência decisiva no Conselho de Ministros.

Por razões históricas, há interesse do governo alemão de tornar o país um local líder em criptografia, com desejo de subtrair o ‘controle de bate-papo’ — exame do conteúdo das comunicações nos dispositivos finais — da proposta.

‘Estrutura de vigilância sem precedentes’, criticam especialistas sobre proposta da UE

De acordo com Elina Eickstädt, porta-voz do Chaos Computer Club (CCC) — organização alemã de hackers e entusiastas de tecnologia cujas formulações sobre ‘direito à criptografia’ têm sido utilizada no acordo de coalização do governo —, o projeto se baseia em uma “superestimação grosseira das capacidades das tecnologias”, especialmente no que diz respeito ao reconhecimento de material desconhecido. “O que estamos obtendo é o projeto de uma estrutura de vigilância sem precedentes”, advertiu.

A Associação Alemão de Proteção à Criança (Kinderschutzbund Bundesverband), organização formada por 330 associações locais, fez coro ao também rejeitar a proposta da UE. A comunicação confidencial é “um pilar da livre expressão e, portanto, da democracia”, disse Joachim Türk. Para ele, as crianças devem crescer livres do medo, sem a preocupação da vigilância. “É impossível aceitarmos um controle de conversa sem garantia”, disse. “Em vista do enorme campo sombrio na estreita gama de abuso infantil por meio da família, associações, parentes ou babás, a prevenção, observação próxima e pesquisa são mais importantes do que os filtros automatizados baseados em IA”.

Para o porta-voz da Sociedade para Liberdades Civis (Gesellschaft für Freiheitsrechte), Felix Reda, “o dano à privacidade de todos seria imenso”. Ele acrescentou que a vigilância sem garantia viola a essência do direito à privacidade e, portanto, não pode ser justificada por qualquer equilíbrio de direitos fundamentais. “Imagens de sexting consensuais também poderiam cabar nas mesas de funcionários da UE e das agências de aplicação da lei”, lembrou.

Alemanha rejeita proposta da UE de proteção à criança: 'criaria um monstro da vigilância sem precedentes'

Imagem: Lightspring/Shutterstock.com

O Procurador-Geral Markus Hartmann, Chefe do Cibercrime Central e Ponto de Contato da Renânia do Norte-Vestfália (ZAC NRW) advertiu contra o enfraquecimento da criptografia de ponta a ponta por meio da varredura de conteúdo baseada no cliente. “Ao fazer isso, a comissão está de fato minando a ferramenta de proteção digital mais importante, porque a criptografia comprometida não é criptografia no final”, disse durante a audiência.

“O tão divulgado cenário do ‘sombrio’ é ‘um pouco exagerado’. O esboço como um todo é desproporcional e ‘não propício à aplicação da lei'”, acrescentou o Hartmann.

A Alemanha se junta à resistência de outros países como Irlanda, Áustria e Holanda. Vale destacar que raramente houve uma lei proposta pela Comissão Europeia recebida com rejeição uníssona por parte dos especialistas.

Em via de se tornar lei

Atualmente o projeto de lei que quer impedir o compartilhamento de material sobre abuso sexual infantil online (CSAM), também chamado de Controle de Chat na Alemanha, está em tramitação. Se aprovada, provedores de serviços online seriam forçados a escanear todas as mensagens de chat, e-mails, upload de arquivos em serviços de armazenamento em nuvem, bate-papo de jogos online, videoconferências etc., em busca desses materiais. Além de prejudicar o direito à privacidade, também enfraqueceria o nível de segurança online para os usuários na UE.

Alemanha rejeita proposta da UE de proteção à criança: 'criaria um monstro da vigilância sem precedentes'

Imagem: Tobias Arhelger/Shutterstock.com

Além disso, há problemas também com a ferramenta de IA responsável pela varredura baseada no cliente, como a alta taxa de erro, que oscilam entre 10 a 20% do conteúdo sinalizado espera-se que seja sinalizado erroneamente. “Estas taxas de erro, que são esperadas, significam que muitos milhões de peças de conteúdo têm que ser verificadas manualmente”, explica Martin Steinebach, do Fraunhofer Institute for Secure Information Technology (Fraunhofer-Institut für Sichere Informationstechnologie).

Além da “invasão intolerável de privacidade para milhões de cidadãos inocentes da UE”, “há a questão de como isso pode ser administrado diariamente, uma vez que as autoridades policiais têm um número limitado de funcionários”, apontou Steinebach.

Comentários

0

Please give us your valuable comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Inscrever-se
Notificar de
0 Comentários
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários