Para a cerimônia de coroação do Rei Charles, do Reino Unido, o fundador da organização de mídia WikiLeaks Julian Assange escreveu uma carta ao monarca, pedindo para visitá-lo na prisão de Belmarsh, onde completou quatro anos em abril “em nome de um soberano estrangeiro envergonhado”.

“É aqui que 687 de seus súditos leais são mantidos, respaldando o recorde do Reino Unido como a nação com a maior população carcerária da Europa Ocidental. Como seu nobre governo declarou recentemente, seu reino está atualmente passando pela “maior expansão de prisões em mais de um século”, com suas ambiciosas projeções mostrando um aumento da população carcerária de 82.000 para 106.000 nos próximos quatro anos. Um legado e tanto, de fato.”, escreveu Assange.

“Enquanto prisioneiro político, mantido a critério de Vossa Majestade em nome de um soberano estrangeiro envergonhado, sinto-me honrado em residir dentro dos muros dessa instituição de classe mundial. Realmente, seu reino não conhece limites.”, prosseguiu.

A carta do jornalista também descreve as condições precárias da prisão britânica de segurança máxima, na qual, como narra Assange, também foi palco do suicídio do brasileiro Manoel Santos. “Vocês também terão a oportunidade de prestar suas homenagens ao meu falecido amigo Manoel Santos, um homem gay que enfrentava a deportação para o Brasil de Bolsonaro, que tirou a própria vida a apenas oito metros da minha cela usando uma corda tosca feita com seus lençóis. Sua voz de tenor requintada agora está silenciada para sempre.”

De acordo com a apuração do jornal The Guardian, Manoel Santos, morto em 2020, estava trabalhando em um pedido de fiança e esperava ser libertado de Belmarsh. Também estava enfrentando a deportação ao Brasil após cumprir uma sentença por um crime ligado à tentativa de suicídio.

A íntegra da carta traduzida para 12 idiomas, incluindo o português brasileiro, pode ser lida no site de apoio à liberdade do jornalista Don’t Extradite Assange.

Em carta, fundador do WikiLeaks pede visita do rei do Reino Unido

Vista aérea da prisão de Belmarsh, em Londres. Imagem: Kleon3, CC BY-SA 4.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0>, via Wikimedia Commons

Dia Mundial da Liberdade de Imprensa traz caso Assange à tona

O apoio à liberdade de Assange tem ganhado força em todo mundo nos últimos meses, com pressão dos principais veículos de mídia internacionais, líderes de várias partes do mundo, associações de direitos humanos, organizações de proteção a jornalistas, personalidades e da sociedade civil.

Na quarta-feira (3), Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o caso do australiano foi lembrado em vários momentos. Durante um evento organizado por David Ignatius, do The Washington Post, manifestantes confrontaram o Secretário de Estado Antony Blinken no palco pelas contínuas acusações da administração Biden contra o fundador do WikiLeaks.

O porta-voz adjunto do Departamento de Estado, Vedant Patel, também foi pressionado pelos repórteres sobre a perseguição. Quando questionado sobre Assange e o duplo padrão de ser a favor de uma imprensa livre, a menos que ela destaque as falhas da política dos EUA, ele se recusou a responder ou a reconhecer o australiano como jornalista.

Na mesma coletiva de imprensa, o jornalista Sam Husseini questionou Patel sobre sua afirmação de que Assange prejudicou a segurança nacional dos EUA.

“Você se refere ao WikiLeaks supostamente prejudicando a segurança nacional dos EUA”, disse Husseini. “As pessoas devem se lembrar que o WikiLeaks ganhou destaque porque divulgou o vídeo Collateral Murder. E o vídeo mostrava os militares dos Estados Unidos matando os repórteres da Reuters, que trabalhavam no Iraque. A Reuters pediu repetidamente ao governo dos Estados Unidos que divulgasse as informações sobre esses assassinatos, e o governo dos Estados Unidos se recusou repetidamente a fazê-lo. Só então soubemos o que aconteceu. Só então soubemos o que aconteceu, que o helicóptero de combate dos Estados Unidos matou esses funcionários da Reuters, por meio do vídeo Collateral Murder? Você está dizendo que a divulgação de tal criminalidade pelo governo dos EUA afeta a segurança nacional dos EUA?”.

“Não vou analisar nem entrar em detalhes específicos”, respondeu Patel, antes de repetir novamente a frase de que Assange é acusado de crimes graves que prejudicam a segurança nacional dos EUA.

Durante o dia, a Conferência do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa da Unesco também abordou o caso. Vozes como da secretária geral da Anistia, Agnes Callamard, pediram a libertação imediata de Assange. “Precisamos resistir aos padrões duplos… Não é apenas o que está acontecendo no Irã ou na Rússia que deve nos preocupar, é também o que está acontecendo aqui, quem está prendendo Julian Assange?”, disse.

“A única coisa que os EUA poderiam fazer concretamente é retirar as acusações contra Julian Assange, uma acusação que, se concretizada, poderia efetivamente criminalizar o jornalismo em todos os lugares”, advertiu a presidente do Committee to Protect Journalists, Jodie Ginsberg, no mesmo evento.

O editor-chefe do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, fala à imprensa do lado de fora do Tribunal Superior em Londres, em 24 de janeiro de 2022, logo após a equipe de defesa de Assange ganhar o direito de levar seu caso de extradição à Suprema Corte do Reino Unido.

Editor-chefe do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, fala à imprensa do lado de fora do Tribunal Superior em Londres, em 24 de janeiro de 2022. Imagem: Alisdare Hickson, CC BY-SA 4.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0>, via Wikimedia Commons

A ex-candidata à presidência dos EUA, Marianne Williamson, também comentou sobre o caso Assange.  “Não é apenas algo a ser comemorado; é algo a ser vivido”, disse ao se referir ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. “Julian Assange não deveria estar na prisão de Belmarsh. Eu retiraria as acusações contra Assange no primeiro dia”.

Desde que foi arrastado da Embaixada do Equador em Londres — onde esteve refugiado por sete anos —, Assange travou batalhas na justiça para evitar a extradição aos Estados Unidos. Em dezembro passado, a equipe de defesa do fundador do WikiLeaks apelou à Corte de Direitos Humanos após o governo britânico aprovar a extradição do jornalista, como último recurso para evitar a pena de 175 anos de prisão com base na Lei de Espionagem.

Em outro momento, durante um Jantar dos Correspondentes da Casa Branca, o presidente norte-americano Joe Biden afirmou que “jornalismo não é crime”, no entanto, a perseguição a Assange foi deliberadamente planejada para criminalizar o jornalismo.

Líderes de estado defendem a liberdade de Julian Assange, entre eles, o Brasil

Após a cerimônia de coroação, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, voltou a criticar a prisão do jornalista e editor do site WikiLeaks em uma coletiva de imprensa.

“É uma vergonha que um jornalista que denunciou as falcatruas de um Estado contra outro esteja preso, condenado a morrer em uma cadeia”, disse Lula em entrevista coletiva. “O cara [Assange] não denunciou nada vulgar. O cara denunciou que um Estado vigiava outros. E isso virou crime contra o jornalista?”, respondeu à pergunta de uma das jornalistas presentes.

Não é a primeira vez que Lula defende Assange. No ano passado, o presidente questionou as acusações contra o jornalista. “Nós, que estamos aqui falando de democracia, precisaremos perguntar: ‘Que crime o Assange cometeu?’ É o crime de falar a verdade, mostrar que os EUA, por meio de seu departamento de investigação, sei lá se da CIA, estava grampeando muitos países do mundo, inclusive grampeando a presidenta Dilma Rousseff”, disse o petista, à época pré-candidato à presidência.

Além do presidente brasileiro, os líderes do governo e oposição do país natal do fundador do WikiLeaks também se manifestaram contra a perseguição. Peter Dutton concordou com o primeiro-ministro Anthony Albanese que a detenção do jornalista australiano no Reino Unido precisa chegar ao fim.

Esta é a primeira vez em mais de uma década que os líderes dos principais partidos políticos da Austrália apoiaram publicamente uma intervenção diplomática no caso, com Albanese dizendo que “já basta” e Dutton concordando que o caso “já durou muito tempo”.

O primeiro-ministro australiano disse a jornalistas no Reino Unido que a questão precisava ser concluída e que ele continuava a levantar a questão por meio dos canais diplomáticos.

Nos últimos anos, um grupo de políticos australianos tem levantado a questão internamente com colegas e correspondentes internacionais, defendendo a liberdade de Assange. Cerca de 50 parlamentares federais pediram para que os EUA desistissem de sua proposta de extradição.

 

Com informações The Independent, The Guardian, Associated Press, Al JazeeraMedium de Caitlin Johnstone

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