Nômades digitais têm mais um lugar para fazer seu local de trabalho temporário: o Brasil. Nesta semana, o governo federal liberou uma resolução, via Diário Oficial, que concede “visto temporário e de autorização de residência para o imigrante denominado ‘nômade digital'”.

Ainda de acordo com a resolução, a permissão de residência tem duração de até um ano, podendo ser renovado por igual período, se necessário.

O que o visto brasileiro pode significar para o modelo de trabalho e para a economia local?

De forma resumida, um nômade digital, em geral, pode ser definido como aquele trabalhador, seja prestador de serviço ou dono do próprio negócio, que não possui um local fixo de trabalho, tendo a possibilidade de escolher qualquer lugar no mapa para exercer suas atividades remuneradas — bastando que esse local possua acesso à Internet de boa qualidade.

O termo ganhou tração há alguns bons anos e, com a pandemia, o estilo de vida que o nomadismo digital oferece também ganhou os holofotes.

Afinal, o isolamento social e a necessidade de distanciamento em prol da saúde permitiu que muitas pessoas pudessem experimentar o tão falado trabalho remoto que, em muitos casos, pode de fato significar trabalhar literalmente de qualquer lugar do mundo — até mesmo com agendas e fluxos de trabalho que funcionam de forma assíncrona, o que particularmente contribui muito para interações que precisam considerar, por exemplo, diferentes fusos horários.

E é justamente nesse público que a regulamentação brasileira quer impactar. Ao oficializar vistos para nômades digitais em solo nacional, há alguns desdobramentos que são esperados.

Do ponto de vista econômico, por exemplo, a regulamentação pode ser um atrativo para profissionais e, como consequência, pode beneficiar o País.

“Um visto específico para nômades digitais é ótimo porque, diferente dos turistas tradicionais que movimentam a economia local durante um curto espaço de tempo, o nômade digital costuma ficar mais tempo nos lugares — ou seja, gasta mais dinheiro em suas viagens do que o turista tradicional”, afirma ao blog KaBuM! o escritor e educador Matheus de Souza, autor do livro Nômade Digital: um guia para você viver e trabalhar como e onde quiser (Autêntica Business, 2019), finalista do Prêmio Jabuti.

Souza, que é nômade digital desde 2017, lembra que o Brasil, no entanto, não é o primeiro a emitir esse tipo de visto. “Desde 2020 mais de 30 países lançaram vistos específicos para nômades digitais”.

Locais como Croácia, Estônia, Grécia e Islândia, por exemplo, já possuem há um tempo a regulamentação específica para esse modelo de trabalho — embora, sempre é bom lembrar, cada país possui suas próprias especificidades quanto à essa autorização.

Agora, observando sob o prisma de estimular mais pessoas a adotar o nomadismo digital, o visto brasileiro não deve apresentar grandes impactos — apesar de ser um ponto a favor para o movimento, por conta da divulgação que a novidade deve gerar, acredita Souza.

“Os vistos ajudam a popularizar o nomadismo digital porque cada matéria sobre um novo visto gera buzz sobre o tema. Porém, do ponto de vista prático, não muda muita coisa”, disse ele, ao ser questionado sobre se a regulamentação poderia auxiliar na popularização e interesse por esse modelo de trabalho.

“Não acredito que os vistos sejam responsáveis por popularizar o nomadismo digital. Esse papel geralmente é ocupado por influenciadores digitais que viajam o mundo enquanto trabalham de forma remota”, completa.

Ao fundo é possível ver um mapa mundial colocado em uma superfície plana, por cima está uma bússola, uma agenda e um passaporte empilhados

Imagem: Nataliya Vaitkevich/Pexels

Uma crescente

Com ou sem visto específico para nômades digitais, uma coisa é fato: o número de aderentes ao movimento deve continuar crescendo nos próximos anos. Segundo dados do portal Nomad List, a estimativa é que o número de pessoas que adotam esse estilo de vida chegará a 1 bilhão mundialmente até 2035.

Alguns dados para comparação: em 2021, um estudo feito pela MBO Partners aponta um aumento de 42% no número de trabalhadores que se declaram nômades digitais em comparação com 2020, o que resulta em um total de 15,5 milhões — isso falando apenas de EUA. Se comparado ao montante registrado em 2019, o número cresceu 112%

A pandemia, como dito anteriormente, foi fator importante para impulsionar o movimento, especialmente por conta da mudança de mentalidade de empresas com relação à possibilidade de adotar um regime de trabalho diferenciado. Mas, apesar da influência, ela não foi fator determinante, na opinião de Souza.

“A pandemia acelerou uma transformação digital que cedo ou tarde aconteceria. Quando me tornei nômade digital em 2017, o trabalho remoto ainda era privilégio para poucos – tanto que tive que me demitir do meu antigo trabalho e criar uma nova carreira”, afirma Souza, complementando que, hoje, “milhares de empresas ao redor do mundo oferecem vagas 100% remotas, então, diferente de quando comecei a viajar, é possível ser CLT e nômade digital, por exemplo”.

Mais nômades no Brasil

Para conseguir o visto, o requerente precisa apresentar uma série de documentos a fim de comprovar a condição de nômade digital, dentre eles um documento de viagem válido e que comprove que ele pode executar um trabalho de forma remota para um empregador estrangeiro (ou mesmo comprovação de meios de subsistência para se manter no País), além de ausência de antecedentes criminais e seguro saúde válido em território nacional.

Vale dizer também que, mesmo já estando em solo nacional, o profissional pode solicitar o visto de nômade digital se se enquadrar nos requisitos.

Da mesma forma que estipula a documentação para quem é nômade, o documento também considera quem não é nômade como: “o imigrante que exerça atividade laboral, com ou sem vínculo empregatício, para empregador no Brasil ou cuja autorização de residência para exercício de atividade laboral no País esteja regulamentada em outro normativo deste Conselho”.

A lista completa de documentos (incluindo o formulário oficial) pode ser consultada no site do governo federal, ou clicando aqui.

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