O caso de extradição do fundador e jornalista do WikiLeaks Julian Assange aos Estados Unidos ganhou mais um capítulo. Um juiz britânico do tribunal de apelação do Reino Unido decidiu na segunda-feira (24) que o dissidente político poderá recorrer da decisão de extradição para o território americano à Suprema Corte do país.

A determinação é um duro golpe aos esforços da administração Biden, que luta para levar Assange a julgamento por acusação de espionagem. Ele foi preso pela primeira vez no dia 7 de dezembro de 2010, apenas sete dias após o WikiLeaks começar a publicar o Cablegate.

Em 6 de janeiro, o australiano completou mais de 1 000 dias na prisão de segurança máxima de Belmarsh, em Londres. No primeiro dia de recurso de extradição, Assange acabou sofrendo um pequeno derrame em outubro, situação que os médicos do jornalista considera ser um precursor de complicações de saúde muito piores. Antes de ser preso pela polícia britânica dentro da Embaixada do Equador em Londres, onde foi concedido asilo político, ele passou mais sete anos encarcerado.

A acusação “politicamente motivada” de Assange está punindo “um editor por fazer seu trabalho, por ter publicado provas de crimes dos EUA”, disse Stella Moris, noiva de Assange, em entrevista ao Democracy Now!.

Por enquanto, a apelação da defesa do fundador do WikiLeaks estará sob determinação da Suprema Corte, que deve decidir se ouvirá o recurso. “A Suprema Corte levará agora potencialmente meses para decidir se irá ouvir nossos argumentos. Mas mesmo que não ouça nossos argumentos, ainda temos a possibilidade de apelar de todas as outras questões, todas as outras questões de liberdade de imprensa, os argumentos de que esta é uma acusação politicamente motivada, uma perseguição que está usando os tribunais para promover a perseguição política contra um editor. Para quê? Por fazer seu trabalho, por ter publicado provas dos crimes daquele país — dos Estados Unidos”, disse ela.

“Mas não esqueçamos cada vez que vencemos, desde que este caso não seja arquivado, até que Julian não seja libertado, Julian continua a sofrer por quase três anos na prisão de Belmarsh e está sofrendo profundamente. Julian tem que ser libertado — esperamos que isto termine em breve”, acrescentou ela.

“Garantias são ‘insuficientes’ e ‘nada impede’ que os EUA as revoguem”

Em caso de admissão, a mesma corte terá que analisar se foi admissível o processo de apelação apresentado pela administração Biden em outubro de 2021, em vez de ter apresentado em primeira instância ocorrido em janeiro do mesmo ano, as garantias sobre segurança que o australiano receberá em território norte-americano.

No mesmo mês, a defesa do fundador do WikiLeaks já havia reclamado que os Estados Unidos haviam apresentado as garantias de proteção do seu cliente “fora do tempo”.

Em 10 de dezembro e também Dia Mundial dos Direitos Humanos, a Alta Corte concordou com o governo americano em um recurso contra uma decisão tomada em janeiro do ano passado pela juíza Vanessa Baraitser, que havia negado a extradição de Assange por considerar que havia um risco de suicídio.

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WikiLeaks foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 2011, além de ter recebido outras dezenas de premiações pelo trabalho de relevância jornalística. Imagem: @DEAcampaign

No mesmo mês, os juízes Ian Burnett e Tim Holroyd autorizaram a extradição de Assange quando aceitaram um recurso dos EUA. Em relação à apelação da defesa, eles reconheceram que há uma questão jurídica importante que pode merecer consideração da Suprema Corte, o mais alto tribunal americano.

Durante o julgamento em outubro, promotor James Lewis, representante dos EUA, garantiu que, se Assange for extraditado, não será submetido a “medidas administrativas especiais” (SAM) como a proibição de visitas ou receber correspondência, nem ficará detido na penitenciária de segurança máxima ADX Florence, no estado do Colorado, a menos que posteriormente faça algo que o mereça.

Entretanto, a defesa argumentou que as garantias são “insuficientes” e que “nada impede” que os EUA as revoguem.

Assange vence primeiro estágio de apelação contra extradição dos Estados Unidos

Cenas do vídeo Collateral Murder publicado pelo WikiLeaks. Imagem: WikiLeaks

Até 175 anos de prisão por divulgar provas de crimes de guerra

Assange enfrenta acusações de espionagem por publicar provas de crimes de guerra dos EUA no Iraque e no Afeganistão, o qual pode render ao jornalista até 175 anos de prisão se extraditado aos Estados Unidos.

Por um período considerável em 2010, o WikiLeaks recebeu centenas de milhares de documentos de Chelsea Manning — diários de guerra e os cabos do Departamento do Estado. Enquanto formava parcerias de mídia com organizações de notícia como The Guardian, The New York Times e Der Spiegel para gerenciar a liberação do material, o WikiLeaks reteve informações de “extensões extraordinárias para publicá-los de forma responsável e adaptada”, de acordo com testemunhas — vários jornalistas que trabalharam com Assange no processo — em apresentações a um tribunal inferior do Reino Unido.

O trabalho dos parceiros de mídia sobre os registros da guerra afegã incluiu a aproximação da Casa Branca antes de liberá-los. Em julho de 2010, o WikiLeaks também dialogou com a Casa Branca sobre a redação de nomes. Em 25 de julho de 2010, o site reteve a publicação de 15 mil documentos sobre o Afeganistão para salvaguardar o “processo de minimização de danos”, mesmo após seus parceiros de mídia já terem publicado as histórias.

Os diários de Guerra do Iraque também foi “diligentemente abordado” e envolveu o desenvolvimento de software especial de redação. A publicação foi adiada para agosto de 2010, porque Assange não queria se apressar, apesar de ter incomodado os parceiros de mídia do WikiLeaks.

As partes não adaptadas dos cabos do Departamento de Estado foram publicadas em setembro de 2011 por partes não ligadas ao WikiLeaks, apesar dos esforços dos jornalistas do site para evitá-la, segundo fontes ligadas. Aqueles que revelaram os documentos sem o “processo de minimização de danos” nunca foram processados e nem foi solicitado a sua remoção da web.

Em 5 de abril de 2010, o WikiLeaks divulgou um vídeo militar classificado dos EUA, o qual retrata o assassinato indiscriminado de mais de uma dúzia de pessoas no subúrbio iraquiano de Nova Bagdá — incluindo dois jornalistas da Reuters.

A Reuters tem tentado obter o vídeo pela meio da Lei de Liberdade de Informação, mas sem sucesso desde o momento do ataque. O vídeo, filmado a partir de uma mira de helicóptero Apache, mostra claramente a matança (não provocada) de um funcionário ferido da Reuters e de seus resgatadores. Duas crianças pequenas envolvidas no resgate também foram gravemente feridas.

WikiLeaks também divulgou documentos secretos a respeito do Brasil

Entre os documentos vazados pelo WikiLeaks estavam comentários de embaixadores americanos: um deles descrevia o governo brasileiro como “paranoico” em relação à Amazônia, e o exército nacional como um “elefante branco politicamente popular”.

Os documentos também revelavam que o governo brasileiro se recusou a receber prisioneiros de Guantánamo, apesar de contar com auxílio do FBI para investigar a morte da ativista Dorothy Stang, se recusou a emprestar US$ 5 milhões ao governo dos EUA para ajudar a financiar a Guerra do Afeganistão.

Mais tarde, em 2015, o Brasil reapareceu em meio aos documentos secretos divulgados pelo WikiLeaks. Naquele ano, se tornaram públicas as revelações sobre espionagem da Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA) a líderes de diversos países, incluindo o então presidente da França, François Hollande (também dos antecessores Nicolas Sarkozy e Jacques Chirac), da ex-chanceler alemã Angela Merkel e de Dilma Rousseff, presidente do Brasil na época, além de outras figuras do alto escalão do governo brasileiro.

Essas revelações aconteceram após dois anos das denúncias do ex-NSA Edward Snowden, que também divulgou documentos secretos, com auxílio de outros jornalistas, sobre as práticas de espionagem em massa da agência.

Apesar do também ex-CIA já ter revelado que Dilma e o governo brasileiro estavam sendo espionados pela NSA, os 29 números de telefones grampeados pela agência, incluindo de ministros da época e ex-ministros de Estado foram divulgados pelo WikiLeaks.

 

Com informações de Democracy Now!, WikiLeaks, Independent, Agencia EFE, Consortium News e G1. 

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